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No Quênia, as prostitutas lutam contra a aids e a pobreza

Grupos de profissionais de saúde vão às ruas na tentativa de levar educação sexual e camisinhas às prostitutas. A maioria ainda considera que submeter-se a um tratamento significa perder clientes e dinheiro

Por Aretha Yarak, do Quênia
27 nov 2011, 17h19

Especializada em atender, orientar e tratar as profissionais do sexo do país, a clínica SWOP foi criada em 2008. Seu efetivo de 17 profissionais atende quase 7.000 profissionais do sexo – dos quais, acredita-se que 30% estejam infectados com o HIV

O quarto andar de um movimentado prédio no centro de Nairóbi, no Quênia, está lotado. Sentada, braços cruzados sobre as pernas, Saida*, 31 anos, tem pressa em ser atendida. “É uma escolha de como usar meu tempo: vir à clínica ou atender a um cliente”, diz Saida, prostituta desde os 18 anos, mãe de dois filhos e portadora de HIV. Há dois anos ela ficou muito doente – bem perto da morte, como ela diz – e entendeu que, “às vezes é preciso parar para cuidar da saúde”. Desde então, Saida vai à clínica SWOP (Sex Workers Operation Project), pelo menos duas vezes ao ano, para refazer seus exames, verificar a medicação e reciclar seus conhecimentos sobre educação sexual e aids. Localizada na tumultuada rua Keerokok, a SWOP é parte importante no programa de prevenção à aids do Quênia: o atendimento às prostitutas.

Infectada desde 1996, Saida demorou para adoecer. Em 2009, no entanto, o HIV abriu as portas de seu sistema imunológico para uma série de doenças oportunistas. À época, ela estava envolvida em uma pesquisa clínica no Kenyatta National Hospital, em Nairóbi, onde estudavam por que mulheres como ela demoram tanto para sofrer as consequências da aids. Sem receber a medicação apropriada, Saida ficou cada vez mais fraca e foi sendo consumida pela doença. “Quase morri”, relembra. Hoje, ela está recuperada graças ao atendimento prestado pela SWOP. “Sempre que preciso cuidar da minha saúde, em qualquer sentido que seja, venho para cá. É nesse lugar que confio.”

Especializada em atender, orientar e tratar as prostitutas do país, a clínica SWOP foi criada em 2008, em uma parceria entre a Universidade de Manitoba, no Canadá, e a Universidade de Nairóbi. Seu efetivo de 17 profissionais (apenas um médico) atende quase 7.000 “profissionais do sexo” – dos quais acredita-se que 30% estejam infectados e pelo menos 300 sejam homens. Para conseguir levar informação às prostitutas, a clínica conta com agentes que vão a campo, em clubes noturnos, às ruas e a casas de massagem.

A ação focada nas prostitutas tem uma finalidade bastante óbvia: prevenir a transmissão desenfreada entre elas, mas também entre os clientes, que acabam por levar a doença para dentro da família. Segundo dados oficiais, 44% das transmissões de HIV no Quênia acontecem entre casais heterossexuais, com relacionamento estável e monogâmico. “É muito importante que os homens casados não levem a doença para casa”, diz Joshua Parmeres, 39 anos, médico da clínica.

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Na SWOP, as prostitutas recebem educação sexual, aprendem como usar camisinha e fazem testes de laboratório para checagem de doenças, como as sexualmente transmissíveis – a adesão aos exames é de 98% entre mulheres e 96% entre homens. Em casos onde o resultado é HIV positivo, é na clínica também que se faz o tratamento completo contra a aids de maneira gratuita. Mas quaisquer que sejam os resultados dos exames, todos precisam passar por testes periódicos a cada seis meses.

Os cuidados, meticulosamente documentados nos livros de registro da clínica, ainda estão no começo de algo criado para proteger os envolvidos. No Quênia, além dos altos índices de estupros e violência contra as prostitutas, a profissão é ilegal e a polícia chega a ser considerada por elas a pior inimiga da classe – além de presas, costumam ser espancadas.

Sem camisinha – De acordo com Parmeres, o uso da camisinha é ainda um assunto delicado para as profissionais do sexo. “Há uma pressão muito forte por parte do cliente para que ela aceite não usar, alguns pagam quantias altas por isso”, revela. Para garantir que o uso da camisinha seja permanente, a clínica encontrou uma solução: não perder essas mulheres de vista. Por isso, elas devem ir constantemente às consultas, além de contarem com agentes sociais que vão às ruas e ajudam na distribuição de preservativos.

O esforço começa só agora a colher os parcos resultados e ainda deve enfrentar uma longa jornada pela frente. Isso porque briga contra dois pilares importantes: cultura e pobreza. “Algumas colegas até viriam para a clínica, mas elas precisam escolher o que fazer com o tempo. Atender um cliente é sinônimo de dinheiro. Vir à clínica, não”, diz Saida. Outras acabam sucumbindo à tentação de receber mais dinheiro para não usar camisinha ou se negam a contar para o cliente que têm aids. “Ele que se recusa a usar, a gente pode perder muito cliente se a notícia se espalha”, confessa.

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Tabela
quênia
População 41 milhões
Número de pessoas com HIV 1,4 milhão
Prevalência do vírus entre adultos adultos (15 – 49 anos) 6,3%
Número de crianças com o vírus (0 – 14 anos) 180.000
Mulheres com mais de 15 anos com HIV 760.000
Prevalência de infecção em crianças pela transmissão vertical 90%
Mortes em função da Aids 80.000/ano
Fundo para HIV/Aids pelo Fundo Global 223 milhões de dólares

Ruanda – Do lado esquerdo da fronteira, em Ruanda, as cerca de 5.000 prostitutas do país também começam a receber atenção especial do governo e de projetos financiados por instituições como o Fundo Global. Dentro de um programa de treinamento de 18 meses, 35 mulheres estão aprendendo a prevenir a transmissão do HIV, como dar início a uma cooperativa e até quais os caminhos para mudar de profissão. “Selecionamos uma mulher de cada área. A ideia é que, quando elas voltarem às ruas, possam repassar o que aprenderam para as colegas”, diz Nwanafunb Willy, 37 anos, diretor executivo da Faith Victory Association, organização responsável pelo treinamento das prostitutas.

Entre essas mulheres está Chantal*. Aos 20 anos, ela trabalha nas ruas há tempo suficiente para que seus dois filhos, de 6 e 3 anos, tenham pais diferentes, ambos clientes. Foi diagnosticada com HIV durante a gestação do mais novo. “Com frequência eu não usava camisinha, agora preciso de desculpas para garantir que os caras usem. Costumo dizer que estou no período fértil e que posso engravidar”, diz.

A doença não mudou em nada sua rotina, mas balançou o orçamento da casa. “Costumo ficar doente umas duas vezes por mês, mas não posso me dar ao luxo de não trabalhar”, diz ela, que costuma atender clientes em um dos dois quartos da sua casa – no outro, ficam os filhos.

* Nomes trocados a pedido das entrevistadas.

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