Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Para presidente colombiano, Farc estão ‘trocando armas por votos’

Às vésperas de tomar posse para o segundo mandato, Juan Manuel Santos reafirma intenção de transformar grupos guerrilheiros em partidos políticos – e nega que isso signifique legitimar o terrorismo

Por Gabriel Castro, de Brasília
21 jul 2014, 09h46

Juan Manuel Santos fez uma aposta arriscada ao retomar as negociações de paz com os narcoterroristas e correu sério risco de perder a disputa eleitoral devido à desconfiança dos colombianos de que algum resultado concreto sairá do diálogo. A vitória veio por uma diferença mínima, com menos de 51% dos votos. Nem mesmo o susto, contudo, fez o presidente reavaliar o caminho escolhido. Preparando-se para a posse do segundo mandato, na primeira semana de agosto, ele reafirma que o objetivo é transformar os grupos guerrilheiros em partidos políticos – e nega que isso signifique legitimar o terrorismo. Mesmo reconhecendo que as Farc ainda não foram derrotadas – nos últimos anos, os terroristas mataram e sequestraram menos civis, mas aumentou o número de sabotagens e de ataques a policiais e militares -, Santos insiste que as conversas serão exitosas: “Toda guerra deve terminar na mesa de negociações”. O presidente da Colômbia concedeu entrevista ao site de VEJA durante sua passagem por Brasília para participar da reunião dos Brics.

Leia também:

Dilma e Santos estudam aproximar Aliança do Pacífico e Mercosul

Ao conquistar ‘voto pela paz’, desafio de Santos será cumprir promessa

O senhor se prepara para o segundo mandato após quatro anos em que mudou a relação do governo com as guerrilhas. As negociações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e com o Exército de Libertação Nacional (ELN, grupo concorrente das Farc) continuam sendo prioridade? Sim. Temos, claro, muitas metas. Mas a mais importante, porque mudaria a história do país, seria obter o fim do conflito armado. E essa é minha prioridade. Mas é preciso seguir buscando a paz, que não é somente silenciar os fuzis: é mais inclusão social, mais igualdade. E temos buscado esses objetivos. Esperamos avançar nessa frente.

O objetivo é transformar as Farc e o ELN em partidos políticos legais? Sim. Disso se trata a paz: que deixem a violência, troquem as armas por votos, por argumentos, e que continuem sua luta política pela via legal. Isso não seria uma espécie de prêmio a criminosos? Os responsáveis dos delitos de lesa-humanidade e crimes de guerra serão condenados. Temos dito que as vítimas são o centro e a solução desse conflito. Seus direitos à Justiça, à verdade e à reparação têm de ser respeitados. Não haverá impunidade. Mas, ao mesmo tempo, se queremos ter a paz, precisamos abrir a eles espaços para que possam participar da política.

Mas, com a exceção de alguns líderes, a maior parte dos combatentes será perdoada. É impossível condenar 8.000 pessoas. O mesmo aconteceu com os paramilitares. Julgar a todos tomaria mais de cem anos. O sistema judicial não resiste. Tínhamos de buscar, dentro do conceito de justiça transicional, o perdão para os combatentes e julgar somente os principais responsáveis.

Continua após a publicidade

O horizonte do fim dos combates está próximo? Aspiro que, no próximo ano, firmemos os acordos necessários. Dentre os cinco pontos do nosso plano, temos três acordos – reforma agrária, abandono do narcotráfico e participação política de guerrilheiros. Faltam os mais complicados: desarmamento do grupo e punição aos guerrilheiros que cometeram crimes de sangue. Aí começaria a implementação desses acordos, que podem durar anos. Mas já sem conflito, o que será muito mais fácil.

Qual o tamanho do território controlado pelas Farc? Hoje não há nenhum município da Colômbia controlado pelas Farc. Isso é parte do que mudou substancialmente. Há dois anos, de 1.110 municípios, cerca de 400 estavam de uma forma ou de outra controlados pelas Farc. Hoje, ainda são cerca de 7.000 homens armados, atuando em milícias. Por isso é tão importante que esse conflito termine.

A relação de seu governo com o Brasil é boa? O governo brasileiro participa das negociações com as Farc? As relações com o Brasil são muito boas. Para mim, são estratégicas, sobretudo porque teremos muitíssimo a ganhar. Porém, as relações entre Brasil e Colômbia têm sido relativamente pequenas no sentido que não temos aproveitado o potencial que os dois países têm na parte econômica, comercial, política e de investimentos. O Brasil sempre esteve disposto a nos ajudar no processo de paz, o que eu agradeço. É um país importante, que tem um peso específico na região. O conflito na Colômbia não afeta apenas a Colômbia. Por isso aprecio muito o apoio do Brasil.

Qual tem sido especificamente a participação do Brasil nas negociações? Estamos em um processo de confidencialidade, e por isso não estou autorizado a dar detalhes de nenhum tipo de intervenção específica. No momento certo, se saberá.

Os laços históricos do PT com as Farc não prejudicam o papel do governo brasileiro na mediação do conflito? Este não é um tema que discutimos com o governo brasileiro. Não sei que vínculos teve o PT com as Farc. O que sei é que o governo está apoiando, como outros partidos e outros líderes, a exemplo de Fernando Henrique Cardoso. O processo de paz é algo que convém a toda a região

Continua após a publicidade

Há cinco anos, a Colômbia estava isolada ideologicamente: era um governo mais à direita em um continente dominado por presidentes de esquerda. Isso mudou em sua gestão? Eu sou da terceira via. Meu antecessor era de extrema direita. Aí há uma diferença.

O senhor se arrepende de ter participado de um governo de “extrema direita”? Não me arrependo, cumpri o meu trabalho. O país sabe que, quando cheguei ao Ministério da Defesa, fiz as mudanças que deram à política de segurança democrática uma grande efetividade. E, no meu governo, seguimos a ofensiva porque eu disse que não haverá cessar-fogo a não ser que concluamos as negociações.

A etapa de negociações é um complemento à fase militar ou um atestado de que o confronto direto não funcionou? A parte militar foi exitosa, de outra forma não estaríamos conversando. Se as Farc pensassem que iriam ganhar, não se sentariam para negociar. Negociam porque sabem que não têm alternativa e não podem ganhar pela via militar, pela via da violência. Toda guerra deve terminar na mesa de negociações. Eu considero que chegou o momento de terminar essa guerra, que é a mais velha, na verdade a única do hemisfério ocidental. Não faz sentido que passemos cinquenta anos matando uns aos outros, filhos de uma mesma nação. Isso é algo que custou demais ao meu país. Por isso penso que o melhor é que alcancemos a paz.

Então as negociações em andamento são uma etapa do pós-guerra, com as Farc derrotadas? Não quero qualificá-los como derrotados, porque não o foram. Foram debilitados de maneira muito significativa, mas não foram derrotados até o ponto da rendição. Isso não seria justo e conveniente dizer, porque não é assim. Mas se deram conta de que pela via militar não lograrão seus objetivos. Por isso creio que chegou o momento de deixarem as armas.

Os resultados até aqui mostram que a negociação funciona? O governo passado também quis negociar. E, de fato, passou dois anos negociando com o ELN em Cuba. Por isso, é bastante contraditório que agora digam que se sentar para negociar é legitimar o terrorismo. Isso não tem nenhuma razão de ser. Toda guerra termina na mesa de negociação. A História ensina isso. E eu tomei essa decisão consciente, convencido de que é o que mais convém à Colômbia. Quanto maior o avanço, mais convencido fico. As críticas que eu tenho recebido são por razões políticas, com acusações falsas, como a de que vamos reduzir ou fazer desaparecer o Exército, entregar território à guerrilha, colocar a polícia sob as ordens de um comandante das Farc. Nada disso é correto. São todas mentiras que os inimigos do processo estão querendo vender. O povo já percebe isso. A última pesquisa publicada na Colômbia diz que 90% das pessoas querem a paz.

Continua após a publicidade

Também é mentira a afirmação de que o narcotráfico apoiou a campanha do senhor? É uma acusação falsa. Não somente é falsa como o próprio ex-presidente Alvaro Uribe, que a fez, depois reconheceu que não havia provas e que não havia nenhum sustento.

Portanto, isso é parte dessas mentiras que estão dizendo.

Como vai ser a relação do senhor com Uribe, agora que ele vai assumir uma vaga no Senado? Espero que haja uma oposição construtiva e não destrutiva, para o bem da democracia colombiana, para o bem dele mesmo e para o bem do país.

Como estão as relações com o ex-presidente? Inexistentes. Não há diálogo ou qualquer tipo de comunicação. Não por minha conta, mas por conta dele.

É possível avaliar se a parceria dos Brics com os países sul-americanos vai progredir? Isso está começando agora. Tivemos apenas a primeira reunião. Teremos alguns desafios em comum, termos metas em comum e agora estamos nos conhecendo. Mas na reunião estava representada quase metade da população do mundo e uma quarta parte do PIB mundial. Isso tem um peso específico e penso que, se conseguirmos encontrar denominadores comuns sobre os quais podemos trabalhar, como o tema do desenvolvimento includente e sustentável, me parece que é uma boa notícia, porque quanto mais podemos aprender uns dos outros, compartilhar experiências e ajudar-nos uns aos outros, mais efetivos vamos ser no cumprimento de nossos objetivos.

Continua após a publicidade

Essa nova parceria é uma espécie de desafio aos Estados Unidos e à Europa? Não creio que seja um desafio contra ninguém, nem uma reunião que compita com outro grupo. É como, eu diria da Aliança do Pacífico, um grupo de países que se junta sem ter ninguém contra, mas com algo que pode gerar sinergias.

A Aliança do Pacífico tem obtido mais sucesso do que o Mercosul. Por quê? Não me corresponde avaliar ou criticar o Mercosul. Cada grupo tem sua forma de proceder, de perceber a integração. Na Aliança temos a nossa e o que aspiro é que possamos criar vasos comunicantes. Num mundo globalizado, quanto mais nos unirmos, melhor.

A relação da Colômbia com a Venezuela e o Equador mudou em seu governo? A relação mudou, mas não mudaram as diferenças. Eu tenho diferenças em relação a Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Mas é melhor ter boas relações com os vizinhos, e elas se fazem no respeito pelas diferenças. Assim podemos trabalhar juntos sobre o que nos une, os problemas comuns. Isso tem sido muito efetivo, tem-nos permitido avançar muitíssimo, não somente com a Venezuela, mas com o Equador e outros países. A política externa de Colômbia é muito diferente da que tínhamos no governo anterior

É possível confiar que Venezuela e Equador não apoiam as Farc militarmente ou financeiramente? Eles não estão apoiando as Farc. Pelo contrário, estão nos apoiando na busca pela paz, porque sabem que isso é algo que convém a toda a região.

O senhor se sente confortável tendo como vizinhos governos majoritariamente de esquerda? Eu me sinto confortável com a região mas também sou um aliado estratégico dos Estados Unidos, tenho as melhores relações com o Reino Unido, a Espanha, a União Europeia, a Alemanha. A política externa da Colômbia permite que tenha boas relações com todo o mundo, guardada a sua independência. Eu penso que o meu governo tem sido o governo com mais independência em algum tempo e com as melhores relações. As relações com Estados Unidos, Europa, Equador e Brasil nunca foram tão boas. Isso é possível.

Continua após a publicidade

Derrotar as Farc é derrotar o narcotráfico ou são guerras distintas? O terceiro ponto dos cinco que já negociamos se refere ao narcotráfico. Que acordaram as Farc? Que se desvinculam totalmente desse negócio, que ajudam a erradicar o narcotráfico e a substituir os cultivos ilícitos. É uma grande notícia para a Colômbia e para o resto da região. Não esqueçamos que fomos os primeiros exportadores de cocaína no mundo durante mais de trinta anos. É uma boa notícia para Brasil, México, Estados Unidos e Europa. Isso não quer dizer que o narcotrafico desaparece automaticamente, porque enquanto há demanda, há oferta.

O governo planeja reforçar a vigilância na fronteira da Colômbia com o Brasil? Eu creio que, à medida que possamos usar nosso exército para proteger mais as fronteiras em vez de combater a guerrilha, vamos ser mais efetivos. Eu creio que essa seria uma consequência positiva da negociação de paz.

Como o senhor viu a organização da Copa do Mundo? Excelente, me pareceu impecável. Eu estive em duas partidas e foi perfeito. A imensa maioria do mundo opinou muito favoravelmente sobre a organização do Mundial, e a Colômbia foi muito bem. Saímos muito satisfeitos. Essa Copa foi importantíssima para a Colômbia. O desempenho de nossa seleção gerou uma dinâmica de otimismo e de união muito necessária, e ter ganhado o prêmio de maior goleador e o do fair play é algo muito simbólico para nós. Estamos muito gratos, apesar de o Brasil ter nos eliminado.

James Rodríguez merecia o prêmio de craque da Copa no lugar de Messi? Eu não posso dizer isso. Eu gostaria que fosse o James, mas tenho que respeitar os jurados.

Assim como no futebol, a imagem da Colômbia no exterior tem melhorado ou ainda há muito o que mudar? O prestígio leva muito tempo para se construir e pouco tempo para se destruir. Nós estamos mudando nossa imagem todo dia, e penso que a Copa do Mundo ajudou muito a Colômbia a ser vista com outros olhos. A Colômbia foi tirada das listas negras de direitos humanos, está negociando o fim dos vistos com a Europa, os Estados Unidos e outros países. Nós sofremos durante muito tempo o estigma de ser o país mais violento e com a presença dos grandes cartéis, que já não existem. A melhor forma de mudar a imagem de um país é mudando a realidade. Hoje, a Colômbia é o país que mais cresce, tem a inflação mais baixa e a taxa de investimento mais alta da Améria Latina. Tem as finanças em equilíbrio, está fazendo progresso social tirando gente da pobreza como poucos países. Somos uma democracia que está produzindo resultados, fortalecendo-se todos os dias. E se alcançamos a paz, o crescimento vai ser muito maior.

Esses bons índices econômicos se devem a quais políticas? Eu sou terceira via. E a terceira via se define assim: o mercado até onde é possível e o Estado até onde é necessário. O Estado tem de ser efetivo, tem que ser eficiente e temos que ter com que financiá-lo. Nós temos sido muito prudentes em não aumentar o tamanho do Estado a um ponto que afogue o setor privado. É preciso manter sempre esse equilíbrio, e temos ido bem

O senhor conhece Aécio Neves e Eduardo Campos? Tem algo a dizer sobre eles? Não. Eu faria mal se me intrometesse na politica interna brasileira. O que aspiro é que o Brasil siga fortalecendo sua democracia e o seu futuro.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.