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Os 30 anos do governo de Hosni Mubarak

O que segurou o ditador egípcio no poder durante três décadas e por que nada disso basta mais agora

Por Nana Queiroz
3 fev 2011, 12h20

Trinta anos depois de chegar ao poder no Egito, Hosni Mubarak enfrenta a pressão da população que pede sua renúncia. É a primeira vez em todo esse período que os egípcios se manifestam contra o governo do ditador. Até agora, o controle absoluto, a expressiva força policial e militar e apoio dos Estados Unidos haviam sido suficientes para manter a ordem no país. Contudo, os protestos que começaram na Tunísia com a imolação do jovem Mohamed Bouazizi e desencadearam a Revolução do Jasmim, foram o estopim de uma explosão social que começou no mundo árabe há um mês. No Egito, os protestos começaram há oito dias, com o que ficou conhecido como “Dia de Fúria”. Nas manifestações, que chegam a reunir mais de 1 milhão de pessoas, a população pede acaloradamente a deposição de Mubarak.

Ao anunciar, nesta terça-feira, que não tentaria mais uma reeleição, o ditador invocou a História como árbitro. “A História me julgará”, disse, na transmissão em rede nacional. Depois de perder o apoio até de seu defensor mais fiel, os Estados Unidos, Mubarak parece dizer que perdeu a batalha, mas não quer deixar seu nome sujo nos livros. A narrativa política que Mubarak luta por preservar tem início em outubro de 1981, quando o ditador chegou ao poder, prometendo crescimento econômico e prosperidade social – objetivos que a população egípcia ainda não viu alcançados. Naquela data, Mubarak substituiu o presidente Anwar Sadat, assassinado após constantes “provocações” aos extremistas árabes – sendo a mais importante delas a assinatura de um tratado de paz com Israel, o famoso acordo de Camp David, em 1979.

Dias de incerteza se seguiram ao crime. Um mês depois, um referendo daria a presidência a Mubarak, então vice-presidente. Para acalmar a raivosa Jihad Islâmica, responsabilizada historicamente pelo assassinato, Mubarak concedeu à oposição islâmica alguns assentos no Parlamento. Manteve uma relação pacífica com o Ocidente – suficiente para ganhar o relevante apoio de Israel e Estados Unidos – e obteve algum crescimento econômico na liderança do país.

Manutenção no poder – Em pleitos cada vez mais desonestos, Mubarak foi reeleito continuamente: em 1987, 1993, 1999 e 2005. A imagem que ele construiu foi a de um pai energético, cuja mão de ferro serve apenas para impor o que é melhor para seus filhos. Ele deu à polícia e ao exército amplos poderes. “Um dos maiores sucessos do governo Mubarak foi criar uma força policial incrivelmente forte, com pelo menos 1,5 milhões de oficiais só no Cairo”, opina Adel Iskandar, professor de estudos árabes da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, e autor de diversos livros sobre o mundo árabe. O exército egípcio conta com mais de 400 000 soldados na ativa e número semelhante na reserva. Recebe mais de 1,5 bilhão de dólares anuais dos Estados Unidos, além de enviar seus soldados mais promissores para estudar nas escolas de guerra americanas.

“O serviço de inteligência de Mubarak é também muito bem enraizado na sociedade, o que é uma poderosa forma de controle. A população vivia com medo de expressar suas opiniões, pois isso poderia acarretar perseguições, prisão e até tortura – esta última, especialidade da polícia egípcia”, diz Iskandar.

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É prova da eficiência do sistema coercitivo de Mubarak o fato de que, em três décadas na presidência, o ditador não viu nenhuma ameaça real ao seu poder até os protestos da última semana, e foi alvo de tentativa de assassinato em apenas uma ocasião, na Etiópia, em 1995.

Pontos fracos – O que, afinal, fez com que os egípcios decidissem desafiar o aparato repressivo do regime de Mubarak? A incapacidade do governo de garantir melhorias econômicas à população é certamente um fato chave. “Nos últimos 30 anos, o Egito teve um crescimento econômico incrível, mas sua população sofreu uma grande pauperização. Mubarak teve uma política agressiva de incentivo a investimentos externos e privatizações, mas permitiu o colapso do tecido social egípcio. A inflação é altíssima (12,8% ao ano) e as pessoas não podem comprar itens básicos de alimentação. Hoje, 20% dos egípcios vivem abaixo da linha da pobreza. Esse caldeirão explodiu nas manifestações dos últimos oito dias”, diz Iskandar.

“Estamos falando de 84 milhões de pessoas que vivem em um território pequeno. Mesmo que o Egito tenha feito progressos na indústria e na agricultura, ele não foi capaz de acompanhar o crescimento de sua população”, completa Arthur Goldschmidt, autor de Modern Egypt: The Formation of a Nation State (sem publicação em português).

Outro fator essencial foi a incapacidade do regime de abrir-se, ainda que parcialmente, e acomodar novas forças políticas. Um arremedo de reforma observou-se nas eleições de 2005, quando múltiplos candidatos foram autorizados a concorrer. Até então, os egípcios só votavam ‘sim’ ou ‘não’ a um único candidato nomeado pelo Parlamento. Contudo, urnas foram substituídas, pessoas impedidas de votar e opositores – entre eles, o grupo islâmico extremista Irmandade Muçulmana – barrados na disputa do pleito. As fraudes dessa eleição, e da eleição parlamentar seguinte, em 2010, começaram a irritar a população. “Mais e mais egípcios estão conquistando o nível universitário e entendem que são educados o bastante para participar do processo político. Eles passam, então, a questionar o status quo”, diz Goldschmidt.

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No lado externo, Mubarak já perdeu o apoio americano. O presidente Barack Obama pediu nesta terça-feira que o ditador deixe o poder imediatamente. “O raciocínio dos Estados Unidos deve ter sido: Mubarak é um homem velho, que não vai viver por muito tempo e um ditador não muito popular. Por que apoiá-lo até o fim nessas condições?”, opina Iskandar. Encurralado, Mubarak anuncia que não tentará a reeleição nas eleições de setembro deste ano, mas que até lá ficará no governo.

Sucessão – A expectativa que se criou desde o pleito de 2005, era de que Mubarak, já com 77 anos na ocasião, preparasse o Egito para um sucessor. Nos anos seguintes, sua saúde preocupava mais e mais, com rumores de doenças e internações. Em 2006, ele prometeu mudanças constitucionais e democráticas. Até os acontecimentos recentes, esperava-se que o presidente nomeasse o próprio filho caçula, Gamal Mubarak, para o cargo. Essa possibilidade está aparentemente perdida, segundo especialistas. “Os egípcios não gostariam de ver, neste momento, nenhum membro da família Mubarak no poder. Essa é, inclusive, uma das causas dos protestos: eles não aceitam uma dinastia”, diz Iskandar. “Há até rumores de que Gamal tenha abandonado o país, pois ele sumiu nos últimos dias.”

Para que um governo de continuidade se desenhe – ou, ao menos, um governo que não represente uma ruptura completa com a era Mubarak – o nome que desponta neste momento no Egito é o do recém-nomeado vice-presidente Omar Suleiman, ex- chefe dos temidos serviços de inteligência egípcios. Mais do que assumir o governo, contudo, é provável que Suleiman tenha como principal tarefa garantir que o Exército egípcio não seja desmoralizado pelo levante e preserve sua influência numa nova configuração de poder, seja ela qual for.

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