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Fiasco do Obamacare gera críticas de democratas e republicanos

As novas regras do sistema de saúde dos EUA entraram em vigor no início de outubro. Mas a plataforma on-line disponível para os cidadãos aderirem ao chamado Obamacare simplesmente não funcionou. Um vexame para Obama

Por Jean-Philip Struck e Diego Braga Norte
14 nov 2013, 19h13

Ao lançar o website do sistema de saúde universal desenvolvido pelo seu governo, em 1º de outubro, o presidente Barack Obama disse que a operação de comparação de preços entre planos e a compra seria tão “simples quanto comprar uma passagem de avião” ou “uma televisão” no site da loja virtual Amazon. Mas logo no primeiro dia de operações, milhões de americanos descobriram que navegar pelo sistema do HealthCare.gov – chamado pela imprensa americana e pela própria Casa Branca de Obamacare – seria uma operação infernal. Segundo relatório do próprio governo, apenas seis pessoas – isso mesmo, seis pessoas – conseguiram completar a operação de se alistar no plano de saúde universal no dia de estreia do site. Um fracasso retumbante.

Nas últimas semanas, a Casa Branca segurou os números de adesão aos planos de saúde comercializados pelo website. Na quarta-feira, após intensa pressão, foram liberados os primeiros dados. Um novo vexame. Os números mostram que de 1º a 31 de outubro exatamente 106.185 pessoas se inscreveram no programa, incluindo as que ainda não pagaram a primeira parcela, revelou a secretaria de Saúde do país.

O número representa apenas 1,5% do objetivo para o período que vai até o final de março de 2014. Para piorar, apenas um quarto dos inscritos, exatamente 26.794, utilizaram a página do governo federal HealthCare.gov, enquanto o restante acessou sites disponibilizados por governos estaduais.

O Departamento de Saúde, que também havia assegurado que o site só funcionaria a 100% da sua capacidade no final de novembro, quase dois meses depois do lançamento, agora admite que nem esse prazo será cumprido.

A série de problemas técnicos causou um enorme vexame para a administração Obama, afetando justamente uma de suas principais promessas de campanha que o elegeu em 2008, a inclusão dos milhões de americanos sem plano de saúde sob as asas do Obamacare. Avisos de “tente mais tarde”, lentidão e interrupções abruptas logo se tornaram uma marca registrada do website. O sistema on-line deveria ser a vitrine do Patient Protection and Affordable Care Act, a lei da proteção ao paciente e assistência médica acessível, parte da ampla reforma da saúde proposta por Obama (leia mais na lista abaixo). O presidente propagandeou sua iniciativa como uma forma de garantir cobertura para os 15,4% da população, ou cerca de 48 milhões de pessoas, que não possuem cobertura médica, segundo dados do censo americano, e melhorar os serviços das pessoas que já possuem planos. Para as pessoas que não conseguirem pagar os planos oferecidos no site, o governo propõe subsidiar o valor.

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Embora alguns dos problemas mais graves de navegação tenham sido resolvidos, o americano que entrar no website se depara com um aviso que diz que as consultas e solicitações são interrompidas da 1 hora às 5 horas, pois o sistema passa por manutenções diárias – uma operação bem diferente de “comprar uma TV” em uma grande loja na internet. O fiasco forçou Obama a pedir desculpas públicas, mas também tentou minimizar os problemas, afirmando que “até a Apple” passou por isso quando lançou seus sistemas. Os problemas acabaram expondo as circunstâncias apressadas e desleixadas com que o site foi colocado on-line. Segundo o Departamento de Saúde do país, o projeto de lançamento da página do Obamacare e gastos extras alcançaram 174 milhões de dólares (403 milhões de reais), mas algumas estimativas apontam que a conta toda saiu por quase 400 milhões de dólares (927 milhões de reais). A imprensa logo descobriu que uma das empresas responsáveis pelo site, chamada CGI, que recebeu 88 milhões de dólares (204 milhões de reais) como pagamento, tinha um histórico deplorável no lançamento de sistemas parecidos, igualmente falhos e mal concebidos tecnicamente, em estados americanos e no Canadá.

Sem surpresa, a CGI e as demais empresas contratadas responsabilizaram o governo americano pelo desastre, afirmando que a Casa Branca requisitou mudanças no último momento e não permitiu que testes mais completos fossem realizados antes do lançamento. Os apoiadores do Obamacare, por sua vez, culparam as empresas privadas que colocaram o HealthCare.gov on-line. Dirigindo-se à secretária de Saúde de Obama, Kathleen Sebelius, Bill Nelson, senador democrata pela Flórida, disse: “Eu quero que você queime os dedos deles (dos contratados) e faça-os pagar por não terem sido responsáveis de produzir algo que nos deixasse com orgulho”. O governo, embora tenha pedido desculpas, também afirmou que o sistema sofreu por causa da procura intensa, mas segundo um documento do Departamento divulgado por um comitê do Congresso, houve advertências um dia antes do lançamento que o site só aguentaria 1.100 usuários ao mesmo tempo antes de apresentar problemas. Mesmo com a advertência, o fato de o sistema suportar simultaneamente apenas pouco mais de 1.000 usuários dentro de um universo potencial de mais 48 milhões é uma falha gravíssima de avaliação dos responsáveis.

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Uma das medidas adotada pela administração Obama para tentar dirimir as críticas ao mau funcionamento do sistema foi anunciar o especialista em gestão Jeff Zients como o responsável por “aprimorar a experiência dos consumidores do Healthcare.gov” – eufemismo para sinalizar iminentes e necessários reparos técnicos. Zients é um velho conhecido da Casa Branca e já ocupou os cargos no Escritório de Gestão e Orçamento e no Conselho Econômico. Zients também tem experiência em empresas privadas, sendo a mais importante como CEO e presidente do conselho de The Advisory Board Company, empresa de capital aberto que, entre outras coisas, faz pesquisas e presta consultoria para hospitais melhorarem o atendimento.

Página inicial do site HealthCare.gov, o chamado Obamacare
Página inicial do site HealthCare.gov, o chamado Obamacare (VEJA)

Os problemas levaram senadores e deputados da oposição republicana a pedir a renúncia de Kathleen Sebelius. Na sexta-feira, um grupo de dez senadores republicanos reforçou o pedido para a saída da secretária de Saúde. “Se algo similar tivesse acontecido no setor privado, uma demissão no alto escalão seria previsível e apropriada”, disse um comunicado emitido pelo grupo. Mesmo entre os apoiadores de Obama, o clima era de desapontamento. A veterana senadora democrata Barbara Mikulski, entusiasta e defensora da reforma do sistema de saúde, disse à rede NBC News acreditar “numa crise de confiança criada pela natureza disfuncional do website”.

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Apesar das boas intenções do presidente, sua iniciativa naufragou e voltou-se contra ele transformado o Obamacare em alvo de uma avalanche de críticas e piadas. O debacle do site foi tema recorrente na imprensa americana, mídia social e marcou presença inclusive na cerimônia de premiação da Associação de Música Country, chamada popularmente de “Grammy do Country”, televisionada ao vivo para milhões de lares americanos na quarta-feira. Na abertura da premiação, os problemas da página do Obamacare inspiraram os cantores e apresentadores Brad Paisley e Carrie Underwood a fazer piadas. Paisley disse a Carrie que suas costas doíam e ele precisava de um médico. Carrie sugeriu para ele se inscrever no Obamacare. “O que é isso?”, replicou Paisley. “Oh, isso é ótimo!”, disse Carrie. “Eu comecei a me inscreve na quinta-feira passada e já estou quase terminando!”, completou, provocando risadas na plateia que assistia ao evento, em Nashville, no estado do Tennessee.

Histórico – Aprovada em março de 2010, a reforma do sistema de saúde, uma das principais promessas da campanha que elegeu Barack Obama em 2008, foi contestada judicialmente e o processo foi parar na Suprema Corte dos Estados Unidos. Em junho de 2012, a Corte máxima americana aprovou por cinco votos a quatro a “Patient Protection and Affordable Care Act” (lei da proteção ao paciente e assistência médica acessível). O tribunal considerou constitucional toda a reforma de saúde, inclusive o chamado Obamacare e sua disposição mais contestada, a proposta de tornar obrigatório a todos os americanos, exceto aqueles que vivem abaixo da linha da pobreza, adquirir um plano de saúde. A decisão representou uma vitória para Obama e vitaminou sua bem-sucedida campanha de reeleição, em novembro, contra o rival republicano Mitt Romney.

Os republicanos, no entanto, contra-atacaram. Em setembro, a Câmara dos Representantes, sob forte influência da ala mais conservadora do Partido Republicano, o Tea Party, não conseguiu votar um plano para aumentar o teto da dívida americana e eliminar a ameaça de um calote do governo. O principal ponto de desentendimento entre democratas e republicanos era justamente o plano de reforma da saúde que deveria entrar em vigor em outubro. Segundo cálculos do próprio governo dos EUA, o programa vai custar em torno de 600 bilhões de dólares por ano – cerca de 17% do PIB americano. Os custos anuais, porém, podem crescer. A secretaria de Saúde americana projeta que entre 2013 e 2022, seus gastos com os programas federais vão aumentar em média 5,8% ao ano. E esse crescimento pode elevar os custos sob a rubrica saúde para 19% do PIB em 2022. Enquanto a maioria republicana na Câmara manobrava para excluir os gastos com a nova lei de saúde do país, o Senado se negava a aprovar um novo orçamento sem a inclusão dessas despesas.

Com isso, a partir de 1º de outubro, os serviços considerados ‘não essenciais’ dos Estados Unidos ficaram paralisados até que o Congresso chegasse a um acordo sobre o orçamento para o ano fiscal 2013-2014. A paralisação de quase 1 milhão de funcionários de órgãos federais dos EUA durou até 16 de outubro, quando o Congresso aprovou a legislação para elevar a capacidade de endividamento do Tesouro. A paralisação custou, segundo levantamento, mais de 2 bilhões de dólares (4,6 bilhões de reais) à economia do país.

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