‘Francisco sempre foi aberto a todas as religiões’, diz rabino
Abraham Skorka escreveu um livro em coautoria com o papa. Para ele, o sumo pontífice é favorável ao diálogo
Por Cecília Araújo, de Buenos Aires
15 mar 2013, 21h26
“Francisco já mostrou que será diferente. Não andou no carro oficial do Vaticano, não colocou a cruz de ouro no pescoço, ele não gosta disso. Estamos falando de alguém que realmente tem essa conduta em seu dia a dia. Não é um mero fingimento”
O biofísico e rabino Abraham Skorka conheceu o então arcebispo de Buenos Aires Jorge Mario Bergoglio nos anos 1990, na Catedral Metropolitana. Ele representava o culto israelita em uma missa e percebeu uma aproximação diferente de Bergoglio. Quebrando qualquer tipo de protocolo, ele fez alguma piada referente ao futebol – Skorka torce para o River Plate, enquanto Bergoglio é um torcedor fanático do San Lorenzo. “Interpretei essa aproximação da seguinte forma: esse homem quer se mostrar aberto ao diálogo e posso caminhar junto com ele na vida”, conta ele, que recebeu a reportagem do site de VEJA na biblioteca do Seminário Rabínico Latino-Americano, em Buenos Aires. Para o rabino, que escreveu um livro com o papa (Entre el cielo y la tierra, 2010), Francisco será um sumo pontífice muito diferente dos demais e manterá a abertura que sempre teve a todas as religiões. Confira a entrevista:
Como surgiu a ideia de escrever um livro junto com Bergoglio? A partir do dia em que nos conhecemos, começamos a nos aproximar cada vez mais. Nossos encontros eram espiritualmente muito interessantes. Eram encontros reais, não apenas para demonstrar simpatia e tirar uma foto. Acabamos fazendo um programa para o canal do Arcebispado sobre os mais diversos temas, que se chamava “La Biblia, diálogo vigente”. Era uma mesa redonda, mediada pelo jornalista evangelista Marcelo Figueroa. Conversávamos sobre o ser humano, suas frustrações, sua pequenez. Até que um dia, por iniciativa de Bergoglio, decidimos escrever um livro juntos, que reúne muito do que conversamos ao longo desses anos de amizade. Essa relação nos enriqueceu muito.
Nessas conversas, vocês entravam em desacordo muitas vezes? Nossas religiões têm a mesma raiz. A Bíblia hebraica traz a mesma mensagem que a cristã. Ou seja, nossa leitura é muito semelhante em muitos aspectos. Mas isso não quer dizer que um dizia amém a tudo o que o outro pensava. Um completava ou mostrava um sentido um pouco diferente sobre determinado tema. O que queríamos era que a problemática em foco fosse vista de ângulos distintos. E o mais importante: dialogávamos, o que significa empatia, respeito e consideração em relação ao outro. Agora, como papa, certamente continuará muito aberto ao diálogo com todas as pessoas e todas as religiões.
O que mais conversavam sobre religião? Criticamos juntos todo tipo de fundamentalismo, o que Bergoglio denominava “discurso único que deve ser aceito”. Pelo contrário, nós sempre gostamos da dissidência. Mas, claro, existem alguns valores básicos que nos guiaram até agora e que certamente vai seguir nos guiando, em respeito à vida e à responsabilidade que cada um tem de respeitar ao próximo. Muitos me perguntam como será Bergoglio como papa, e hoje de manhã achei uma fórmula para responder a essa pergunta: Jorge Mario, que agora é Francisco, é o mesmo que foi arcebispo de Buenos Aires. Como se costuma dizer: urbi et orbi, ou seja, para a cidade – Roma – e para o mundo. Não só o mundo dos católicos, mas o mundo em geral, porque suas palavras e ações vão ser ponderadas por todos.
Bergoglio será um papa diferente dos outros? Sem dúvidas, ele já mostrou que será diferente. Não andou no carro oficial do Vaticano, não colocou a cruz de ouro no pescoço, ele não gosta disso. Estamos falando de alguém que realmente tem essa conduta em seu dia a dia. Não é um mero fingimento. Bergoglio viveu toda a sua vida em humildade, simplicidade, sem protocolos. Por outro lado, quero sublinhar que ele é muito, muito profundo em seu credo e espiritualidade. Como jesuíta, preza o silencio, as palavras medidas, gosta de meditar, estudar, ponderar e valorizar o conhecimento. Tem profunda consciência de todos os problemas da Igreja e da humanidade. Em sua intimidade, tem uma liberdade de pensamento de armar e desarmar ideias dentro de suas convicções. É um homem direito até as últimas consequências. Não aceita meias medidas. Seu único chefe é Deus. Este é o Bergoglio que conheci. E acho que posso dizer que o conheço muito bem.
Quando surgiu a falta de diálogo entre o governo argentino e Bergoglio? Há muito tempo não há, desde uma cerimônia em que Bergoglio pregou de forma muito forte, dura e real sobre os diferentes problemas sociais do nosso país. Isso provocou descontentamento por parte do governo de Néstor Kirchner. Sempre falei com Bergoglio que as pessoas às vezes não entendem quando ele fustiga tanto do púlpito. Para mim, tudo o que ele diz está no léxico de um profeta. Quando um profeta fala, não está no mesmo âmbito que um político, fala através da inspiração de Deus, sobre a dor, as injustiças, fala com a alma, a consciência. As palavras de Bergoglio eram de paz, e ele sempre buscou encontrar o caminho do diálogo e superar o conflito.
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