Os “interrogatórios avançados” de Guantánamo ajudaram a matar bin Laden?
Morte do líder da al Qaeda dá novo rumo ao debate sobre desativar, ou não, a base onde os Estados Unidos detêm os suspeitos de terrorismo
A prisão de Guantánamo tornou-se, ao longo da última década, um símbolo do que havia de errado na “Guerra ao Terror” do governo americano. Suspeitos ali detidos teriam seus direitos processuais suspensos e foram submetidos a técnicas de interrogatório “avançadas” ou “heterodoxas”. Uma das promessas do presidente Barack Obama era a desativar o complexo ao longo de seu mandato. A morte de Osama Bin Laden, anunciada na madrugada desta segunda-feira, põe de novo essa promessa em discussão – e tanto pode acelerar quanto adiar seu cumprimento. Embora os detalhes da investigação que levou até Bin Laden sejam escassos por enquanto, é certo que informações obtidas nos interrogatórios em Guantánamo (e em bases da CIA na Europa e na Ásia) tiveram papel nesse trabalho de inteligência. O debate que se desenha é para saber se elas foram a peça crucial no quebra-cabeças ou apenas um elemento entre outros. Nesta segunda-feira, grupos conservadores como o Keep America Safe, encabeçado pela ex-assessora da Casa Branca Elizabeth Cheney, qualificaram a invasão da propriedade onde Bin Laden se escondia como uma prova do acerto de manter uma prisão como Guantánamo. “Agradecemos aos homens e mulheres dos serviços de inteligência americanos que, pelo interrogatório de detentos valiosos, produziram informações que aparentemente nos levaram a bin Laden”, diz um trecho da mensagem postada no site da organização. Outros preferiram dar destaque a declarações como esta, de um oficial do exército americano: “Múltiplas fontes de inteligência nos levaram a este resultado.” Para que o ataque à casa de Bin Laden fosse possível, o governo americano teve de identificar uma rede de mensageiros que trabalhava para o terrorista – e um mensageiro em especial, que convivia diretamente com o terrorista e cuja identidade não foi ainda divulgada. Detentos de Guantánamo ajudaram os Estados Unidos a entender o funcionamento da rede de mensageiros, mas não se sabe se o nome do ajudante imediato de bin Laden emergiu desses interrogatórios. O debate deve atingir temperatura máxima se ficar provado que Mohammed al Qatani ou Khaled Sheikh Mohammed, dois dos detentos mais “valiosos” já interrogados pelos americanos, foram aqueles que revelaram a identidade do mensageiro. Qatani foi acusado de participar dos atentados de 11 de Setembro e, em Guantánamo, foi submetido a técnicas de interrogatórios que incluiam a humilhação (ele teve de usar coleira e imitar um cachorro) e banhos gelados que o levaram à hospitalização. Em 2009, a comissão militar americana que analisava seu caso concluiu que seu interrogatório se encaixava na descrição legal de tortura. Mohammed foi o número 3 da al Qaeda até sua captura, em 2005, e sofreu repetidos afogamentos ao ser interrogado pela CIA. Oficiais americanos sugeriram, nesta segunda-feira, que tanto Qatani quanto Mohammed apontaram na direção do mensageiro de bin Laden, e que o segundo pode inclusive ter fornecido seu pseudônimo. Ao site MSNBC, no entanto, um ex-agente dos serviços de contraterrorismo adotou o ponto de vista contrário: “Mohammed passou pelo afogamento 183 vezes e ainda assim não entregou o nome real do mensageiro. E ainda querem dizer que as técnicas de ‘interrogatório avançado’ funcionam?” Nas próximas semanas, é esta a questão concreta que será esmiuçada: os “interrogatórios avançados” foram, afinal, uma peça chave na vitória sobre bin Laden? Depois disso, voltará com força o debate sobre Guantánamo em que se opõem duas crenças: a de que a segurança dos americanos é um valor maior e justifica medidas extremas; e a de que nem a guerra ao terrorismo autoriza que certos direitos sejam violados.