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O caso Kampusch: entre inverdades e controvérsias

Por Cecília Araújo, de Viena - com colaboração de Manuela Tomic
22 jan 2011, 15h44

“Você não acha que já tem dinheiro e poder suficientes?”, diz uma carta não datada que chegou ao endereço de Wolfgang Priklopil em Strasshof, cidade em que se localiza a casa onde Natascha Kampusch foi mantida presa pelo sequestrador e que hoje é propriedade sua. Uma senhora que a viu crescer – e afirma ter frequentado a padaria em que seu pai trabalhava -, faz um apelo para que a jovem conte a “verdadeira história de seu ‘sequestro'”, insinuando que tudo não passou de uma grande farsa. Segundo ela, ninguém mais acredita na história contada pela jovem. “Hoje você é bonita, inteligente e bem educada, ao contrário do que uma vítima deve ser”, exclama inconformada.

Embora grande parte da imprensa internacional tenda a deixar em segundo plano opiniões polêmicas como essa, elas não são nada raras na Áustria. No país de Natascha, há uma briga entre aqueles que admiram a “incrível força” exibida pela jovem para se recuperar de seus traumas e outros que não confiam em uma palavra do que ela diz, exatamente por ela se mostrar tão contida. O caso Kampusch foi o assunto de maior repercussão na imprensa do país desde a II Guerra Mundial. E ele ainda é cercado de dúvidas e ambiguidades.

Christoph Feurstein, jornalista da rede de televisao ORF. Ele é o jornalista mais proximo de Natascha Kampusch
Christoph Feurstein, jornalista da rede de televisao ORF. Ele é o jornalista mais proximo de Natascha Kampusch (VEJA)

O jornalista Christoph Feurstein, primeiro a entrevistar Natascha depois de sua fuga, para a TV austríaca ORF, acompanhou o caso desde o início, por apresentar um programa que trata de assuntos criminais, especialmente sobre abusos sexuais, chamado Thema. Durante o tempo que a jovem passou no cativeiro, ele escreveu pelo menos 20 reportagens sobre o caso, construindo uma relação especial com a família da menina. Para ele, Natascha é um exemplo de como a sociedade austríaca não sabe lidar com vítimas. “Se elas não estão tristes, chorando, se não querem se mostrar como o público espera ver, não são levadas a sério. É o mesmo caso da mãe, Brigitta Sirny, que foi diversas vezes acusada de ter participação no sequestro ou até mesmo de ter assassinado sua própria filha”, diz. Segundo Feurstein, a polícia chegou a lhe declarar, em off, que desconfiava de Briggitta.

Martin Wabl, um juiz aposentado que trabalhou para o governo da Áustria por 35 anos, escreveu um livro no passado sobre essa suposta participação da mãe no sequestro – o que acredita ser verdade até hoje. Embora todas investigações oficiais já feitas apontem para o contrário, segundo ele, Brigitta e Priklopil se conheciam antes do incidente e, por isso, Natascha teria entrado em sua van no dia fatídico por conta própria. Wabl acredita que a vida que Natascha levava vivendo com a mãe não era melhor do que aquela que teve ao lado de Priklopil. Sem provas, o juiz afirma que Brigitta também abusava da filha e queria se ver livre dela para vender fotos pornográficas que tirava da menina sem correr o risco de ser suspeita.

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Martin Wabl, juiz aposentado que tentou provar a ligação entre o sequestro e a mãe de Natascha
Martin Wabl, juiz aposentado que tentou provar a ligação entre o sequestro e a mãe de Natascha (VEJA)

De acordo com Wabl, Natascha e o sequestrador teriam construído um relacionamento amoroso que, “como qualquer outro”, enfrentava conflitos e desavenças, que justificariam eventuais atos violentos colocados em prática por Priklopil. “A polícia não revela a verdade porque precisa acobertar pessoas influentes envolvidas no caso e porque tem medo de trazer à tona os erros cometidos durante as investigações”, acrescenta. Em sua versão, as próprias autoridades pediram a colaboração de Natascha.

Walter Pöchhacker, que já foi o detetive particular do pai de Natascha, Ludwig Koch, também menciona a violência de Brigitta ao tratar a filha antes do sequestro. Segundo ele, há muitas questões encobertas. “Esse caso se tornou um escândalo porque envolveu muitos erros por parte da polícia e da Justiça de Viena. Pedimos mais uma investigação recentemente, mas tenho certeza de que nada vai acontecer”, afirmou. Ele também escreveu um livro, em 2004, em que denuncia o envolvimento de Brigitta Sirny no sequestro, trazendo relatos de amigos da infância de Natascha que contam que, quando criança, ela dizia desejar a morte para sua mãe. “Essa relação não podia ser boa. Não sei afirmar se é melhor hoje, mas acho que quando há dinheiro no meio, qualquer relação fica mais fácil”, acrescenta. Além de Martin Wabl, outro juiz austríaco, Ludwig Adamovich, compartilha dessa mesma opinião.

Natascha e seus advogados são particularmente críticos em relação à polícia de Viena. Pouco depois do sequestro, investigadores desprezaram o relato de uma menina de 12 anos dizendo ter visto o incidente – outra criança sendo arrastada para dentro de uma van branca com vidros escuros. No 40º dia do desaparecimento, a polícia chamou o sequestrador Wolfgang Priklopil para um interrogatório. Como ele tinha ficha limpa e alegou que estivera em casa no dia do crime, nenhuma outra providência foi tomada. Natascha reclama que, se tivessem sido colhidos vestígios para exame de DNA, por exemplo, seu tormento teria sido reduzido em anos. Depois disso, outra testemunha citou o nome de Priklopil como suspeito, alegando que ele tinha armas em casa e se relacionava de forma estranha com crianças. Mas tampouco essa denúncia foi levada em conta, e nada aconteceu.

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Ofensas contra Natascha foram estampadas em jornais do mundo todo. Gerald Ganzger, advogado da jovem desde sua fuga, explica que discute com Natascha cada artigo ou reportagem que possa envolver uma calúnia. “Ela não tem interesse em processar muitos meios de comunicação. Mas especialmente a imprensa britânica foi muito agressiva ao falar do caso”, conta. Para Ganzger, as contradições sobre o caso se mantém porque a polícia continua levando em conta interrogatórios com pessoas que não estão de fato a par daquilo de que estão falando.

Dr. Gerald Ganzger, advogado que cuidou do sequestro de Natascha Kampusch
Dr. Gerald Ganzger, advogado que cuidou do sequestro de Natascha Kampusch (VEJA)

Na opinião de Feurstein, Natascha mudou muito nesses quatro anos e meio em liberdade – não necessariamente para melhor. “Na primeira vez em que a vi, ela era muito autoconfiante. Era inacreditável. Estava livre e achou que todos no mundo iriam estar orgulhosos dela. Mas depois a sociedade e a imprensa puxaram seu tapete. E lidar com esse preconceito foi muito difícil”, relata. Instruída por profissionais Natascha Kampusch hoje é bastante cuidadosa ao falar de seu caso em público. Assuntos como sua proximidade com o sequestrador e sua decisão de ficar com a casa em que foi mantida por ele são crescentemente evitados ou censurados. E o mundo ainda tenta entender um caso cujos detalhes talvez fiquem para sempre em aberto.

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