Bairro em que Bergoglio cresceu em Buenos Aires vira ponto turístico

Na rua Membrillar, 531, no bairro de Flores, em Buenos Aires, passou da infância à adolescência Jorge Mario Bergoglio, o novo papa Francisco. Ele é um dos cinco filhos de um casal de imigrantes italianos – seu pai era ferroviário, e sua mãe, dona de casa – que se instalaram ali por volta dos anos 1940, e se mudaram após algumas décadas. Da casa onde viveram, hoje só resta o número. No lugar, há uma construção completamente diferente, e poucos dos que cresceram com Bergoglio ainda moram nas redondezas. Mesmo os atuais proprietários não chegaram a conhecer pessoalmente o papa. Porém, a eleição do ex-arcebispo trouxe novos ares à região. “Estamos todos cheios de emoção e esperança. Temos um papa latino-americano, o que é histórico”, comemora Elba Marino, de 56 anos.

O motorista de táxi Carlos Salazar, 42 anos, que nasceu no bairro de Flores, não se esquece do momento em que recebeu a notícia. “Estava levando uma senhora ao centro da cidade e escutava na rádio Cadena 3, que é de Córdoba, no interior, mas muito ouvida em Buenos Aires, uma transmissão direta da Praça São Pedro. Quando o nome de Bergoglio foi pronunciado, a passageira começou a tremer e a chorar de emoção. Eu mesmo fiquei arrepiado ao ouvir a euforia das pessoas e ao saber que o papa era Bergoglio. Menos por ser argentino, e mais por ser uma pessoa que sabemos ser humilde de verdade, que vem de uma família simples, de classe média, desse bairro que é muito antigo e tradicional de Buenos Aires.”

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Os curiosos – Nos últimos dias, os moradores perceberam um movimento mais intenso de pessoas na rua Membrillar, de curiosos e jornalistas. Gauna Cesar, 56 anos, por exemplo, mora em La Plata, no interior da Argentina, e veio com a mulher e filhos a Buenos Aires especialmente para conhecer a casa em que Bergoglio cresceu. “Sou muito católico e fiquei alegre ao saber que o novo papa nasceu tão perto da minha cidade”, disse, após tirar uma foto em frente à fachada ao lado de sua família.

Marta Chistaro, de 62 anos, sempre acompanhou a trajetória de Bergoglio, mas quando se mudou há 15 anos para uma casa a duas quadras dali, não fazia ideia do quanto estava perto da antiga moradia daquele que se tornou papa. “Ouvi dizer que vão mudar o nome da rua Membrillar para Papa Francisco e começar a realizar visitas turísticas por todos os lugares do bairro que fizeram parte dessa parte da vida do papa, inclusive nesta casa. Espero que seja verdade”, diz.

A ‘namorada’ – Uma das poucas vizinhas que de fato conviveu com Bergoglio no período em que morou em Flores é Amalia Damonte. Vivendo a uma distância de duas casas, eles se conheceram quando crianças e estabeleceram uma amizade. Agora, aos 77 anos, seu rosto ficou conhecido mundialmente depois que contou à imprensa argentina que foi “pedida em casamento” por Bergoglio. “Se não me casar com você, vou virar padre”, teria dito ele, aos 12 anos de idade, segundo Amalia. O romance não teria prosperado por oposição de seus pais, depois que recebeu uma carta de Bergoglio com o desenho de uma casa branca com teto vermelho dizendo que aquele era o lugar onde morariam quando se casassem.

“Conversei com muitos meios de comunicação nos últimos dias, e a história tomou uma proporção muito maior do que deveria. Tudo não se passou de uma brincadeira entre duas crianças”, disse, demonstrando que não gostou da repercussão. Durante todo esse tempo, ela diz ter sido uma católica fervorosa e continuado a acompanhar a evolução de Bergoglio na Igreja.

A vizinhança – A poucas quadras da casa onde cresceu Bergoglio, estão pelo menos outros três pontos importantes em sua vida. Um deles é o colégio que frequentava quando criança, Nossa Senhora da Misericórdia. Outro é a Paróquia Santa Francisca Javier Cabrini, onde celebrou missas quando era vigário regional do bairro. E o terceiro, talvez o mais significativo para Bergoglio, é a basílica de San José de Flores.

“Em sua infância e adolescência, Bergoglio vinha semanalmente à basílica, que na época era a única igreja da região e atraía pessoas de outros bairros também. Bergoglio frequentava alguns grupos da igreja, como a Ação Católica Argentina e a Congregação Mariana. Até que, em 1957, aos 21 anos, guiado pelos sacerdotes da basílica, descobriu sua vocação e entrou para o seminário no mesmo ano”, conta o secretário da basílica, Luis Abellaneda, 55 anos.

Como sacerdote jesuíta, acabou se afastando um pouco do seu trabalho na paróquia, mas retornou quando se tornou bispo vigário da região de Flores (1992), respondendo ao arcebispado da Praça de Maio.

A devoção – Por cinco anos, mais ou menos, celebrava missas na basílica em todas as ocasiões especiais e ia confessar ali de tempos em tempos, até que se tornou arcebispo (1998) e mais tarde cardeal (2001). “Mesmo tendo suas atividades voltadas para o centro da cidade, Bergoglio sempre teve uma ligação muito forte com Flores e com São José – sua devoção a esse santo era muito grande. A toda pessoa que confessava com Bergoglio, ele entregava um santinho com a imagem de São José e pedia que rezassem por ele. O mais interessante é que atrás da estampa, havia uma oração composta por Santa Teresa d’Ávila que dizia: Ó, glorioso São José, a quem foi dado o poder de tornar possíveis as coisas humanamente impossíveis. Acho que isso explica por que ele escolheu o dia de São José para começar seu papado”, diz Abellaneda.

Desde que foi eleito papa, muitas pessoas têm procurado a basílica, na esperança de descobrir um pouco mais sobre Francisco nas missas. Segundo o secretário, a lembrança de todos é sempre a mesma: a simplicidade e humildade de Bergoglio. Abellaneda não se esquece de quando alguns sacerdotes italianos, seus amigos, visitaram Buenos Aires e foram conhecer a Cúria metropolitana, na Praça de Maio. “Como era sábado ou domingo, e não havia funcionários trabalhando no prédio, o próprio Bergoglio, que já era cardeal, serviu chá aos estrangeiros. Naquele momento, ele nos surpreendeu com sua simplicidade. E agora está surpreendendo o mundo.”

O futebol – Muitos moradores de Flores contam que Bergoglio era visto como muito estudioso e discreto em sua infância e adolescência, mas que nunca deixava de jogar futebol com os amigos nas praças próximas a sua casa, antes de iniciar sua formação sacerdotal.

O estádio do Clube Atlético San Lorenzo de Almagro está localizado no bairro, numa região conhecida como Bajo Flores. Os torcedores do time agora têm mais um motivo para acompanhá-lo. “Torço para o San Lorenzo desde pequeno”, diz Juan Gaddy, 26 anos. “Agora que todos sabem que o papa é torcedor, sem dúvidas, o time vai crescer. Vão surgir novos torcedores, mais pessoas vão ao estádio”.