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Os filhos da segurança nacional

O estímulo do cérebro, principalmente na primeira infância, é tão importante quanto alimentar o corpo para produzir adultos saudáveis, inteligentes, produtivos e resilientes, diz a presidente da Fundação Nova América

Por Anne-Marie Slaughter
2 dez 2014, 15h16

Do surgimento do Estado Islâmico ao Expansionismo Russo e à ascensão da China, não há falta de desafios à segurança nacional dos Estados Unidos. Mas, como um novo relatório demonstra – Worthy Work, STILL Unlivable Wages (Trabalho Digno, Salários AINDA inviáveis, em tradução livre) – nada representa uma ameaça mais potente para o futuro da América do que a falta de atenção aos cuidados adequados e educação para crianças menores de cinco anos.

Se as crianças não recebem cuidados de alta qualidade de profissionais qualificados que entendem como estimular e desenvolver o cérebro, a próxima geração de americanos sofrerá com uma lacuna no desempenho cada vez maior em relação aos seus pares em outros países avançados e concorrentes emergentes. Ainda que os americanos paguem por esses profissionais treinados, o mesmo salário é pago àqueles que estacionam nossos carros, levam nossos cães para passear, preparam nossos hambúrgueres e misturam nossas bebidas. A implicação é clara: as crianças americanas não requerem cuidados mais diferenciados do que animais ou objetos inanimados.

Este é um erro grave. Os cuidados na primeira infância podem moldar a capacidade de uma pessoa ao longo da vida para a aprendizagem, resiliência emocional, confiança e independência. De fato, a prestação de cuidados de alta qualidade que envolve e instrui as crianças em seus primeiros cinco anos de vida tem um impacto maior no seu desenvolvimento do que qualquer outra intervenção ao longo de sua vida.

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Isso não é novidade. O livro From Neurons to Neighborhoods: The Science of Early Childhood Development (Da Genética ao Ambiente: A Ciência do Desenvolvimento na Primeira Infância, em tradução livre), publicado há mais de uma década pela Academia Nacional de Ciências, começa por reconhecer que, desde a concepção até o primeiro dia do jardim de infância, o ritmo de desenvolvimento é superior “a todas as fases subsequentes da vida.” Tal desenvolvimento “é formado por uma interação dinâmica e contínua entre a biologia e experiência.”

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Esta observação é agora apoiada pela neurociência, que identificou como o cérebro se desenvolve ao longo desse período e criou um sistema para medir as lacunas de aprendizagem. Essa pesquisa confirmou que a construção do cérebro é tão importante quanto alimentar o corpo para produzir adultos saudáveis, inteligentes, produtivos e resilientes.

Um estudo recente registrou os resultados do Carolina Abecedarian Project, um experimento social da Carolina do Norte que começou na década de 1970. O estudo comparou dois grupos de crianças desfavorecidas, sendo que um grupo recebeu nutrição excelente e de alta qualidade, cuidados estimulantes por oito horas diárias desde o nascimento até os cinco anos de idade e o outro grupo recebeu cuidados e procedimentos comuns. Quatro décadas mais tarde, os adultos que receberam os melhores cuidados não apenas eram fisicamente mais saudáveis, mas tinham quatro vezes mais probabilidades de ter um diploma universitário.

Claramente, há muito mais cuidados na primeira infância do que suco e biscoitos, supervisionar cochilos e levar as crianças ao parque. De acordo com Megan Gunnar, especialista na interseção da psicologia do desenvolvimento e da neurociência, um bom cuidador da primeira infância “requer a capacidade de analisar o que está acontecendo no momento” e determinar qual conceito – se um conceito numérico, ou um relacionado à linguagem ou à parte física – a criança pode aprender. Responder ” dinamicamente no momento, realmente demanda habilidades analíticas, função executiva, ordenação e sequenciamento e conhecimento de muitas informações.”

Infelizmente para as crianças americanas, os circuitos de alto funcionamento do córtex pré-frontal do cuidador que demandam estas habilidades estão diretamente afetados por estresse. E, nos EUA, a grande maioria dos trabalhadores na área da infância está sob forte estresse econômico. Em 2012, quase metade das famílias de todos os trabalhadores nesta área recebeu algum tipo de apoio público federal, de vale-alimentação a seguro-saúde para os filhos.

Tal estresse econômico não diminui com a educação. Um professor trabalhando na força de trabalho civil com um diploma de bacharel ou superior em 2012 tinha um salário anual médio de 88.000 dólares. Os educadores infantis com as mesmas qualificações tinham um salário médio anual entre 27.000 e 28.000 dólares.

A exceção é o serviço militar americano, que paga professores de acordo com a mesma escala que outros funcionários do departamento de defesa, com base em critérios como a educação, formação, tempo de serviço e experiência. Em outras palavras, o segmento do governo dos EUA que é diretamente responsável por defender a segurança nacional reconhece a necessidade de atrair e reter trabalhadores altamente qualificados para proporcionar cuidados e aprendizagem precoce para as crianças de todos funcionários. Será que isso acontece porque os líderes militares e civis da instituição de defesa dos Estados Unidos viram em primeira mão os custos do crescimento intelectual atrofiado, hiperatividade e falta de controle de impulso?

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Para competir numa economia global digital, os EUA – na verdade, qualquer país – precisam de uma força de trabalho capaz, bem educada, inovadora e saudável. O desenvolvimento de uma força de trabalho começa no nascimento. Qualquer um pode trocar uma fralda, mas nem todo mundo pode se envolver, estimular e responder a um bebê ou uma criança de uma forma que irá construir neurônios, muito menos lhes conferem habilidades ajustadas ao estágio do desenvolvimento da criança.

Os EUA têm o setor tecnológico mais dinâmico do mundo – até porque oferece os salários elevados necessários para atrair os melhores talentos. Você recebe por aquilo que você paga, e os americanos estão pagando muito pouco para seus filhos prosperarem.

*Anne-Marie Slaughter é presidente e executiva-chefe da Fundação Nova América, autora de “The Idea That Is America: Keeping Faith with Our Values in a Dangerous World”.

© Project Syndicate, 2014

(Tradução: Sueli Honório)

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