Até hoje as falhas jurídicas jamais atrapalharam a tese do MP de que pistoleiros, a mando de uma organização criminosa, assassinaram o juiz Alexandre Martins de Castro Filho em Vila Velha (ES), em 24 de março de 2003. O julgamento dos suspeitos de serem os mandantes da execução está previsto para começar nesta segunda-feira 24. Os réus são o coronel da reserva da PM Walter Gomes Ferreira, e o ex-policial civil e empresário Claudio Luiz Andrade Baptista, conhecido como Calu.
Em setembro de 2004, Odessi Martins da Silva Júnior, o Lumbrigão, e Giliarde Ferreira de Souza, o Gi, que atiraram em Alexandre naquela manhã, em frente à academia Belle Forme, foram os primeiros condenados: 25 anos de prisão. Em seguida, todos os outros cinco acusados como intermediários da trama acabaram sentenciados com penas que variaram entre oito e 23 anos. São eles os policiais militares Heber Valêncio e Ranilson Alves da Silva, além de Fernando Reis, o Cabeção, Leandro Celestino, o Pardal, e André Luiz Tavares, o Yoxito. Já o juiz Antônio Leopoldo Teixeira foi absolvido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) do crime de corrupção passiva (denunciada pelos juízes), mas ainda irá a júri popular, também como mandante da morte de Alexandre. A data do julgamento ainda não foi definida.
Disputa por testemunhas – Na semana passada, a defesa do empresário e ex-policial civil Calu teve um habeas corpus julgado pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Os desembargadores entenderam que Carlos Eduardo poderá ser ouvido no Tribunal do Júri, mas caberá ao juiz Marcelo Soares Cunha, que presidirá a sessão, decidir se ele irá depor na condição de testemunha ou de informante (quando não é obrigado a dizer a verdade). A opção do Ministério Público por arrolar o juiz que trabalhava em parceria com a vítima deu-se em razão de uma outra testemunha importante, Silvanna Borges de Souza, ex-funcionária de Calu, não ter sido encontrada. Na semana passada, o site de VEJA descobriu que ela abriu um restaurante de moquecas na paradisíaca Itacaré, no sul da Bahia, mas também não conseguiu localizá-la.
No mesmo julgamento do habeas-corpus, os desembargadores autorizaram, porém, que uma outra importante testemunha escolhida pela defesa seja ouvida. Trata-se do juiz aposentado Antônio Franklin Moreira da Cunha. Na época do julgamento de Lumbrigão e Gi (os pistoleiros) ele foi escolhido pela Associação de Magistrados do Espírito Santo (Amages) para ser o assistente de acusação do MP. Após analisar o caso, porém, devolveu o dinheiro e escreveu uma carta pública. Foi a primeira vez que alguém aventou publicamente a possibilidade de tratar-se de um latrocínio (roubo seguido de morte). Entre os argumentos que usou para justificar sua conclusão, estava a história de que a dupla teria tentado assaltar um posto de gasolina perto do local do assassinato, minutos antes, mas desistiu ao avistar um carro da polícia.
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Tortura – Dos sete homens condenados pelo assassinato de Alexandre até hoje, apenas uma vez algum deles admitiu ter sido pago para cometer o crime. Em um depoimento de Odessi Martins da Silva Filho, o Lumbrigão, a confissão veio nos termos de que a execução havia sido encomendada pelo homem ‘lá do Acre’. Era uma referência ao coronel Ferreira, que havia sido transferido para o Norte do país após as investigações da força-tarefa. No início da madrugada do dia 21 de abril de 2003, entretanto, dois médicos-legistas assinaram o laudo 4573/2003, indicando que o preso havia sido torturado.
No Tribunal do Júri, porém, a promotoria vai se basear num enredo macabro para ligar os pontos e convencer os jurados de que foi o crime organizado que pagou pela morte do juiz. Um dos detalhes mais impactantes do caso é o episódio que levou Alexandre Martins a decidir transferir o coronel Ferreira para um presídio fora do Espírito Santo. À época, mesmo preso, o oficial da PM continuava comandando homicídios através do telefone celular. A medida radical foi tomada depois da morte de um detento, Manoel Corrêa, que havia se tornado testemunha-chave da força-tarefa que caçava o grupo do coronel Ferreira. Duas horas após ser transferido de uma cela na carceragem da Polícia Federal para um presídio em Cachoeiro de Itapemirim, ele foi assassinado.
A defesa de Ferreira argumenta que seu cliente estava incomunicável no Acre e, por isso, não teria como dar a ordem. Na última quarta-feira, aliás, o oficial da reserva ganhou a liberdade. Ele estava preso por outro crime: a morte de um fazendeiro no interior do estado, em 2002, pela qual foi condenado a 14 anos de cadeia. Já a participação de Calu, para o MP, está baseada no fato de que o empresário e ex-policial havia montado um escritório de advocacia que defendia clientes do interesse do coronel Ferreira e que acabavam beneficiados pelas decisões de Antônio Leopoldo Teixeira, juiz da VEP. Esses ‘clientes’ também participavam do esquema de extorsões e pistolagens. Algumas das provas que o MP pretende apresentar para convencer os jurados são cheques que Calu deu para alguns dos condenados por intermediarem a contratação dos pistoleiros.
O Espírito Santo é um triste recorte das trágicas estatísticas de homicídios no Brasil, onde mais de 50 000 cidadãos são assassinados anualmente. Em 2002, quando a força-tarefa coordenada pelo juiz Alexandre Martins funcionava a todo vapor, a taxa de assassinatos era de 38,8 por 100 000 habitantes, números que colocavam o estado na desonrosa vice-liderança nacional. Em 2014, os capixabas ‘caíram’ para a sétima posição do ranking, mas o sangrento índice aumentou para 39,4 mortes para cada 100 000 pessoas.
Os condenados
Odessi Martins da Silva Filho, o Lumbrigão
Piloto da moto, confessou e foi condenado a 24 anos e 6 meses de prisão. Regime semi-aberto em 2010
Giliarde Ferreira de Souza, o Gi
O atirador confessou e foi condenado a 25 anos e 8 meses de prisão
Leandro Celestino, o Pardal
Emprestou a arma usada no crime e foi condenado a 15 anos e 2 meses de prisão. Regime semi-aberto em 2010
André Luiz Tavares, o Yoxito
Emprestou a moto usada pelos assassinos e foi condenado a 8 anos e 4 meses de prisão. Regime semi-aberto em 2007
Heber Valêncio
Acusado de monitorar a vida do juiz, foi condenado a 20 anos e 3 meses de prisão. Regime semi-aberto em 2009
Ranilson Alves da Silva
Também monitorava os passos do magistrado, foi condenado a 15 anos de prisão. Regime aberto em maio de 2008
Fernando Reis, o Fernando Cabeção
Intermediou o crime e foi condenado a 23 anos de prisão