A batalha dos picolés no Rio 40 graus
Apreensão de mercadoria de um vendedor sem autorização que passava pela Cinelândia revolta pedestres. Grupo faz 'vaquinha' para reembolsar o camelô
A apreensão de alguns picolés sob o sol escaldante do verão carioca é exatamente o que parece ser: a Guarda Municipal enxugando gelo
Numa época em que o calor passa dos 40 graus – nesta terça-feira a sensação térmica nas áreas mais quentes beirou os 50 graus – o melhor e o pior do Rio de Janeiro saltam aos olhos. A ordem urbana, desde o início do governo Eduardo Paes, é uma batalha permanente do município. De fato, a proliferação de vendedores ambulantes fora de controle no centro da cidade e na Zona Sul dificulta a vida de pedestres, motoristas e comerciantes. Mas a reação da população diante da abordagem a um vendedor de picolés, no fim da manhã desta terça-feira, mostra que a “tolerância zero” pode, às vezes, não ser bem recebida. A cena se deu em frente à Câmara Municipal, na Cinelândia.
No momento em que a Guarda Municipal passava pelo local, o vendedor de picolés Tadeu Alves Chaves passava com sua carrocinha – idêntica aos pequenos carrinhos usados nas praias e onde quer que haja sol e gente com sede no Brasil. Um carro oficial da Prefeitura do Rio se aproximou e o motorista sinalizou, pedindo um picolé. Tadeu se esticou e fez a venda.
Um grupo de seis guardas municipais rendeu o vendedor. Segurado pelos braços, Tadeu esbravejava, enquanto outro agente retirava os picolés e jogava em uma sacola – sem refrigeração. Os gritos de Tadeu atraíram pedestres. Deu-se, então, um bate-boca. Não houve truculência, e os agentes explicaram que Tadeu já havia sido advertido. Todos os pedestres – alguns de terno, alguns de sandálias e chinelo, mulheres bem vestidas e outras em trajes simples -, no entanto, defendiam o vendedor. Os guardas estavam irredutíveis, e uma agente feminina aplicou uma bronca, de dedo em riste.
Tadeu estava ilegal. A Guarda Municipal informou que “o camelô que teve suas mercadorias apreendidas na manhã desta terça-feira, dia 8, na Cinelândia, não possui autorização para comércio ambulante no local, e, portanto, estava em desacordo com a lei”. Segundo a instituição, os guardas apreenderam cerca de 150 picolés, que, “como determina o Código de Posturas Municipais, foram doados para uma instituição de assistência social. O carrinho onde os produtos eram comercializados foi lacrado e encaminhado para um depósito da prefeitura.”
Os defensores do vendedor resolveram como puderam a questão: reembolsaram, com uma ‘vaquinha’, o prejuízo do vendedor. O comércio clandestino, sem controle, é um problema. Mas certamente Tadeu, deslocando-se com seu carrinho, não é exatamente um vilão da segurança e da ordem pública. A apreensão de alguns picolés sob o sol escaldante do verão carioca é exatamente o que parece ser: a Guarda Municipal enxugando gelo.