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A culpa é da máfia

Defesa alega que extradição de Henrique Pizzolato é moeda de troca por Pasquale Scotti, mafioso italiano preso no Brasil

Por Pieter Zalis 24 out 2015, 09h36

No Complexo Penitenciário da Papuda em Brasília, destino final do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato está a culpa de sua extradição, alegam seus advogados e defensores. Não é porque a “bem razoável” condição do Complexo, como apontou o seu diretor João Carlos Souto, não justificou o argumento, já usado para tentar impedir a extradição, de que as condições do sistema carcerário brasileiro eram precárias. É que lá também está preso o italiano Pasquale Scotti, preso na Papuda desde 28 de maio de 2015, e considerado pelo governo da Itália “como um dos mais perigosos fugitivos” do país. Na terça-feira, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em processo relatado pelo ministro Luiz Fux, autorizou a extradição do italiano. “Henrique Pizzolato é a mercadoria de troca para obter a extradição na Itália de Pasquale Scotti”, afirmaram, em nota, os senadores do Partido Democrático italiano Luigi Manconi e Maria Cecilia Guerra.

Após suspeita de que estivesse foragido na Venezuela, na Polônia ou até morto, Pasquale Scotti ressurgiu ao ser preso no Recife em 27 de maio de 2015, 31 anos depois de fugir da Itália. Ele foi conhecido como um dos chefes da máfia Nova Camorra Organizzata (NCO), uma das mais perigosas e poderosas organizações criminosas italianas, criada na década de setenta para renovar o poder e reorganizar a Camorra, famosa máfia que domina há séculos a região de Nápoles, no sul da italiana. Segundo o Departamento de Justiça local, já no início da década de oitenta, o grupo era a principal organização mafioso local, provendo sustento para 200 000 pessoas, cobrando propinas mensais de 20% empresas da região e fornecendo proteção para outros 25%.

Scotti, segundo investigadores, sempre foi apontado como chefe do braço armado da NCO e já foi condenado na Justiça Italiana por 22 assassinatos cometidos entre 1981 e 1983. Quando o Casillo Vicenzo, braço direito do líder do grupo Rafael Cuttolo (que sempre comandou o grupo de trás das grandes) foi assassinado em 1983, coube a Scotti coordenar a NCO nas ruas. “Cabe repetirmos as observações […] e o papel desempenhado pelo acusado, que tinha assumido a tarefa de administrar na associação, já que Rafael Cutolo se encontrava preso e seu lugartenente – Casillo Vincenzo – tinha sido morto (eliminado no mês de janeiro de 1983)”, afirma uma sentença condenatória de Scotti.

A história de Pasquale Scotti em território brasileiro começa em 1984, após fugir da prisão hospitalar na Itália, e tem seu fim decretado após ser preso em uma pequena padaria no bairro de classe média baixa Sancho, zona oeste do Recife, com a identidade falsa de Francisco de Castro Visconti. Para a esposa e os dois filhos, Francisco era um paulistano, de filhos italianos, que após uma temporada na Itália durante a juventude, resolveu voltar ao Brasil em busca de novas oportunidades não encontradas na região de Caserna, sul da Itália, onde afirmou morar. “Eu estava sendo perseguido”, se justificou da fuga em 1984 perante Supremo Tribunal Federal, durante uma entrevista concedida em agosto à suprema corte.

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Durante os anos que esteve no Brasil, Scotti jamais levantou suspeitas. Nenhum dos familiares e poucos amigos de Chico imaginariam que o vendedor de fogos de artificio, que foi importador de azeitonas italianas, trabalhou como operador de máquinas na construção do Porto de Suape, em Pernambuco, motorista de uma empresa de transporte, e revendedor de roupas seria um dos mais perigosos e letais criminosos procurados pela justiça italiana.

Em março de 2004, em um processo movido pelo ex-sócio Roberto Panini, onde durante alguns meses de 1999, compartilharam a sociedade da principal boate de luxo do Recife, Sampa Night Club, Francisco chegou a requerer os benefícios da justiça gratuita por “não ter condição econômica-financeira” para arcar os custos processuais. Anos depois, a situação ainda se agravaria mais e Pasquale foi obrigado a morar, a partir de 2007, de favor na casa da sogra para não precisar arcar com os inviáveis custos do aluguel. “Francisco era na maioria das vezes frio. A única que vez que o vi chorando foi quando ele desabou diante dos fracassos financeiros da vida”, afirma um amigo.

Scotti começou sua saga brasileira em 1984 a partir de Fortaleza. Após um ano rodando por vários estados brasileiros, voltou à capital cearense, onde conseguiu a identidade falsa e rumou para Recife, onde lá casou-se duas vezes e teve dois filhos com a segunda esposa. Ao STF, Scotti disse que conseguiu o documento falso através de um brasileiro chamado Edmilson e que com o RG falso, adquiriu CPF, carteira de motorista e título de eleitor originais.

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“Nos encontramos várias vezes; depois de um tempo, meses, eu revi de novo essa pessoa [Edmilson]. Ele, na época, meu perguntou: “mas você, de novo, tá no Brasil?”. Porque, quando eu vim, é claro, eu tinha uma documentação italiana. Então, ele disse: “você está aqui no Brasil?. Sim, eu tô aqui no Brasil, que eu gosto muito, tal, inclusive até gostaria de ficar, mas eu não tenho trabalho aqui,”, explicou durante entrevista ao Supremo. “A escolha do Brasil? Porque falava-se, na época, que o Brasil era um país livre, um país enorme, praticamente…. é praticamente um continente, certo? Então, teria sido mais fácil, para mim, passar despercebido”, completou em seu depoimento.

Se no Brasil sua existência passou despercebida pelas autoridades policiais locais, sua volta à Itália poderá reacender velhas discussões no pais. Ainda pairam dúvidas, que estão sendo investigadas pela Política Italiana, se Scotti ainda possui ligações com a máfia. A prisão de Scotti só foi possível porque Mauro Bianco, investigado na Itália por ajudar criminosos no exterior, esteve no Brasil em fevereiro de 2015, e teve contato com seu irmão Ângelo Bianco. Ângelo foi amigo e sócio de Scotti em uma empresa de exportação e importação de alimentos italianos. Após ter contato com Ângelo, as digitais da identidades de Francisco foram cruzadas com as de Scotti, e descobriu-se sua verdadeira identidade escondida durante anos.

O governo italiano pretende embarcar Scotti para Itália até 19 de dezembro de 2015. Quando retornar ao território italiano, Scotti poderá dar respostas para perguntas que seguem em aberto sobre um dos períodos mais sombrios da política italiana. Durante a década de setenta e oitenta, o grupo de extrema-esquerda Brigadas Vermelhas realizou sequestros de políticos italianos, que, entre eles, culminou na morte do ex-primeiro-ministro italiano Aldo Moro que, após 55 dias de cativeiro, foi assassinado. Até hoje paira uma sombra sobre o papel Nova Camorra Organizzata (NCO) e suspeitas de que a máfia foi responsável por intermediar os contatos entre o partido Democrático-Cristão, setores de inteligência do governo e os terroristas das Brigadas-Vermelhas na liberação de políticos. Quando Scotti desembarcar no aeroporto de Roma, essas perguntas poderão ser respondidas, e políticos italianos que se livraram de processos e condenações poderão voltar a ver seus nomes envolvidos com a máfia. Scotti, portanto, sentencia: “sem dúvida alguma corro sérios perigos de vida”.

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