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Se ela ganha mais, o casamento balança

Estudo espanhol sobre o papel do dinheiro nas relações de casal mostram que, apesar de avançar no terreno profissional, mulheres continuam subjugadas em casa

Por La Vanguardia
5 jan 2011, 19h10

Todas as mulheres com maior visibilidade profissional e econômica que seus maridos que foram consultadas pela reportagem pediram para permanecer no anonimato por respeito ao parceiro

Para Paul caiu mal que sua parceira, Helen, quisesse presenteá-lo com um carrão, concretamente um Lexus. Paul e Helen vivem em Toronto, estão na faixa dos 30 anos, levam um ano casados. Ela trabalha no setor de seguros e ganha um bom salário, pelo menos o dobro do que ele, como contador. E ninguém suspeitava que isso representasse qualquer problema para o casal até que alguns dias atrás, em um jantar, Paul confessou aos amigos que se sentia frustrado, que sua virilidade e seu orgulho estavam feridos pelo fato de Hellen ganhar mais dinheiro que ele.

“Ainda se identifica masculinidade com poder, e a máxima expressão do poder é o dinheiro”, justifica Capitolina Díaz, doutora em Sociologia pela Universidade de Londres, professora na Universidade de Oviedo e diretora da Unidade de Mulheres e Ciência do Ministério da Educação da Espanha.

Díaz participou de vários estudos sobre o papel do dinheiro nas relações de casal e sua conclusão é clara: enquanto o papel feminino avança no terreno profissional e econômico, para uma grande maioria de mulheres o papel no casal segue funcionando segundo os parâmetros “mais antiquados”. É o homem quem exerce o poder e está legitimado socialmente para isso, independentemente da contribuição dela no conjunto da renda familiar.

Pagador social – “O homem segue sendo o pagador social, o que tira a carteira e paga a conta no restaurante”, afirma Díaz. “Talvez já não seja tão malvisto que a mulher pague a conta, mas o homem mantém muita centralidade sobre o dinheiro”, completa Carmen Alborch, ex-ministra e deputada. “Historicamente, a relação das mulheres com o dinheiro foi estranha: nem quando o herdávamos ele era nosso, quase passava do pai ao marido”, diz Alborch.

Todas as mulheres com maior visibilidade profissional e econômica que seus maridos que foram consultadas pela reportagem pediram para permanecer no anonimato por respeito ao parceiro, “para que ele não apareça como um fantoche em minha sombra”, contam. Ainda que ele seja engenheiro aeroespacial. Quer dizer, socialmente não vale dizer que “por traz de uma grande mulher sempre há um grande homem”, porque ninguém acreditaria. Socialmente é mais fácil fingir se ele não parece mais poderoso do que ela.

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“Quando a mulher tem mais dinheiro que o homem, normalmente os dois dissimulam, inclusive fazem esforços para esconder isso”, explica Díaz. Em uma de suas pesquisas, ela entrevistou uma engenheira que deixou seu trabalho para montar sua própria empresa. “O que ela demorou a reconhecer foi que sua motivação era que seu marido, economista desempregado, poderia ter um emprego.”

Divórcio – No coletivo de mulheres empresárias e empreendedoras, é normal que se produzam situações como essa. Em um jantar recente, oito mulheres, entre 35 e 50 anos, ao redor de uma mesa. Uma diz: “Meu marido…”, e provoca a reação imediata: “Como, ainda tem marido?” Todas as demais estão separadas.

“O sucesso profissional de uma mulher desestabiliza de tal maneira o casal que em muitas ocasiões a consequência direta é o divórcio”, explica Anna Mercadé, diretora do Observatori Dona, Empresa i Economia de la Cambra de Comerç de Barcelona. Ela lembra de um estudo realizado há dois anos pelo Esade entre mulheres empresárias, no qual 70% estavam separadas. “Cresceu muito o número de mulheres empresárias ou autônomas, mas persistem as dificuldades do casal quando ela triunfa”, disse Mercadé. “As mulheres submissas e dependententes economicamente não se separam. Mas alguns homens não suportam a posição de independências delas”, completa Díaz. “A maioria dos homens não amadureceu para ter uma relação igualitária.”

Muito poucas vezes as mulheres reconhecem publicamente os problemas do casal causados pela ambição profissional. E também não existem dados sobre as relações econômicas e de poder que se estabelecem dentro do casamento.

Tampouco é fácil estabelecer correlações, porque em geral na sociedade a maioria dos homens ganha mais (cerca de 25%) que as mulheres, e ainda que o desemprego seja maior em setores tradicionalmente masculinos, ainda há mais homens empregados que mulheres. “Mas estão surgindo situações novas, a maioria das famílias precisam de dois salários”, indica Díaz.

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Capitolina Díaz faz um diagnóstico da evolução da mulher na sociedade e no casamento no século 20. “A mulher foi ativa nas mudanças em seu papel na sociedade. E agora quer mudar seu papel dentro do casamento, uma relação diferente, de cooperação criativa. Mas eles resistem, a maioria não abandona por iniciativa própria os privilégios. E se quer mudar o homem com quem vive, tem de lembrá-lo todo o tempo, repreendê-lo. Se não, ou bem assume o papel antigo ou fica sozinha”. Ou pior, também existe o perigo de que assuma um papel tradicionalmente masculino e que se torne prepotente com seu marido.

Alborch aponta que “no âmbito privado, do casal, é onde o papel da mulher é menos igualitário, porque é onde temos mais interiorizada a cultura milenar da mulher boa e passiva, o que levado a extremos se converte na ideia de possessão implícita na violência de gênero.” Díaz corrobora. “A violência doméstica é o caso mais evidente de questionamento do poder masculino.”

Anos atrás, muitas mulheres com ambições profissionais sacrificavam os empregos pela criação da família. Alborch explicava em seu livro Solas (Sozinhas, de 1999) o medo de ficarem solteironas, de superar o estigma de culpa criado por uma educação de servilismo em relação aos homens. Os anos passaram e Alborch acredita que “alguma coisa avançou na educação sentimental”. Mas há poucas semanas, o International Herald Tribune ainda se perguntava: “As mulheres ambiciosas estão condenadas a ser solteiras?”

“Isso não se conserta em duas gerações”, assegura Díaz. “Faltam muitos anos de educação, de maturidade dos homens para chegar ao casamento igualitário. Quando o marido a presenteia com um brilhante ela fica encantada, e isso não tem nada a ver com feminismo. Mas se ela lhe dá um carro, ele perde auto-estima. É um assunto de maturidade de gênero.”

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