Rússia vive maior êxodo desde a Revolução de 1917
Cenário pode ser observado também com 'fuga de cérebros' de jovens profissionais ligados ao mercado externo e integrados a uma economia global
Na semana da invasão russa à Ucrânia, em 24 de fevereiro, pesquisas no Google pela frase “como deixar a Rússia?” atingiram um ápice dentro do país. De um lado ao outro, de Moscou e São Petersburgo à base nuclear submarina de Murmansk, cidadãos começaram a buscar alternativas, já prevendo um futuro marcado por censura e cada vez mais isolamento dentro da comunidade internacional.
Embora os números oficiais imigração não tenham sido publicados, há certeza que a Rússia já vive seu maior êxodo desde a Revolução de outubro 1917, quando os bolcheviques derrubaram o governo provisório para implantar o sistema socialista soviético.
Primeiro, foram as pessoas com maior poder aquisitivo e renome, como diretores, escritores, arquitetos e celebridades. A cantora Alla Pugachev, por exemplo, agora mora em Israel com seu marido, o comediante Maxim Galkin. A proeminente bailarina Lyudmila Ulitskaya agora dá entrevista de seu apartamento em Berlim, enquanto Olga Smirnova, que foi primeira-bailarina do Teatro Bolshoi, agora trabalha em Amsterdã.
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Depois, o movimento começou a se generalizar. Parte deste cenário pode ser observada com base na “fuga de cérebros”, sobretudo de jovens profissionais que, ligados ao mercado externo, faziam parte de uma economia global. Quem ganhava em moeda estrangeira, por exemplo, passou a ter problemas para usar seu próprio dinheiro, à medida que bancos e operadores de cartões de crédito anunciaram fim de operações no país.
Na Armênia, cerca de 3.000 a 4.000 russos foram registrados como trabalhadores antes do início da guerra, segundo autoridades locais. Nas duas semanas seguintes, pelo menos um número igual chegou quase todos os dias ao pequeno país. Embora muitos tenham seguido para outros destinos, funcionários do governo armênio afirmaram que cerca de 20.000 continuam por lá.
Em situação similar, a Geórgia também passa por um aumento expressivo, à medida que não exige visto de entrada para russos. Entre o início da guerra e 16 de março, mais de 30.500 russos entraram no país, segundo o ministro do Interior, Vakhtang Gomelauri.
O número é 14 vezes maior do que o registrado no mesmo período em 2019, antes da pandemia, segundo o ministro. Além disso, quase 10 vezes mais bielorrussos foram à Geórgia.
Outros destinos, como Azerbaijão, Sérbia, Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão e Turquia também foram relatados.
Há também cidadãos que buscaram deixar o país com medo de perseguição política ou por acreditarem que a situação não irá melhorar, ou que têm medo que seus filhos sejam forçados a servir no Exército, explicou Andrei Kolesnikov, pesquisador do Carnegie Moscow Center, à rede CNN.
O clima para dissidentes é tenso. Em março, o presidente Vladimir Putin chamou de “traidores” os russos que se opõem à invasão da Ucrânia. Em fala dura, disse que a Rússia passaria por uma “autolimpeza” natural e necessária, à medida que as pessoas poderiam “distinguir os verdadeiros patriotas da escória e traidores”.
Segundo dados do Levada Center, o único instituto de pesquisas independente na Rússia, cidadãos pró-Europa que condenam a guerra na Ucrânia representam cerca de 20% da população, cerca de 30 milhões de pessoas. Entre 24 de fevereiro e 20 de março, 14.977 pessoas foram presas no país por manifestações contra a guerra, segundo o grupo de monitoramento OVD-Info.
Segundo análise da rede CNN, o interesse entre russos no Google pelo tópico de “migração” quadruplicou entre meados de fevereiro e meados de março. Pesquisas sobre quanto custaria e como tirar “visto de viagem”, por sua vez, dobraram e o equivalente russo a pedir “asilo político” cresceu cinco vezes.
Quando pesquisaram sobre imigração nesse período, Austrália, Turquia e Israel foram alguns dos principais destinos, junto a Sérvia e, claro, Armênia e Geórgia. Há o fato de que a vacina russa Sputnik V contra a Covid-19, amplamente usada no país em em países vizinhos, ainda não foi aprovada pela Organização mundial da Saúde, o que impede viagens a diversos países da União Europeia e aos Estados Unidos e complica ainda mais quem tenta mudar o rumo da própria vida.