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Relatório Mueller poupa, mas não exonera Trump

Agora é com o Congresso. Robert Mueller deixa migalhas pelo caminho da obstrução de Justiça no caso do Russiagate

Por Lúcia Guimarães Atualizado em 30 jul 2020, 19h49 - Publicado em 18 abr 2019, 19h15

Tem conluio com os russos? Tem, sim, senhor, mas não é crime. Tem obstrução de Justiça? Tem, sim senhor, mas os assessores do presidente não cumpriram suas ordens. Vai ter impeachment? Não.

O relatório do conselheiro Robert Mueller chegou ao público e ao Congresso nesta quinta-feira santa, a data escolhida para diminuir o estrago na narrativa de total exoneração vendida, há semanas, pela Casa Branca.

A publicação da versão editada do relatório foi especialmente coreografada pelo governo Trump. Antes de entregar as 448 páginas ao Congresso e postar o relatório online, o secretário de Justiça William Barr deu uma coletiva. Disse que o presidente não invocou o chamado privilégio executivo para editar mais o relatório, no “interesse da transparência.” 

Barr repetiu pelo menos seis vezes o tuíte favorito do chefe – “Não houve conluio” – atribuindo ao conselheiro especial Mueller uma conclusão que, mais de uma hora depois, ficou claro, ele não atingiu. O secretário combinou espertamente as noções de “conluio” com os russos – que não é crime –  e “conspiração”, um crime federal e estreitamente definido, algo que, sim, o conselheiro Mueller deixou claro não ter conseguido provar. No relatório, Mueller cita várias interações de membros da campanha presidencial de Trump com russos e os apelos do candidato a aliados para obter e-mails hackeados de Hillary Clinton.

Ministro ou porta-voz?

Mesmo antes de conhecer o conteúdo do relatório, William Barr foi eleito com sarcasmo por comentaristas jurídicos americanos o novo advogado pessoal e chefe da torcida do presidente. É raro ver um secretário de Justiça assumir postura tão abertamente política. Barr deixou de fora das declarações o fato de que  Mueller não conseguiu entrevistar Trump pessoalmente e conseguiu indiciar seis pessoas próximas ao presidente, entre elas, seu ex-assessor de Segurança Nacional, Michael Flynn, seu ex-diretor de campanha, Paul Manafort, e seu ex-advogado e “faz tudo”, Michael Cohen.

O Departamento de Justiça é um ministério à parte porque, manda a tradição, seu titular deve lealdade ao público e ao Judiciário, não ao presidente.  Em 1998, quando o então conselheiro Ken Starr divulgou seu relatório sobre Bill Clinton, que mentiu sob juramento sobre o caso com a estagiária Monica Lewinsky, a Casa Branca estava no escuro e só descobriu seu conteúdo junto com o resto do país. Barr mostrou o relatório a advogados do presidente esta semana.

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Os trechos cobertos do relatório obedecem a critérios estabelecidos por William Barr que visam proteger identidades e métodos da comunidade de inteligência, a privacidade de pessoas não indiciadas e investigações em curso. Mueller pode ter concluído sua investigação, mas transferiu 14 casos para promotores federais em vários estados do país, como o de Roger Stone, encrenqueiro e velho assecla de Trump.

O relatório lista 11 episódios em que o presidente teria cometido obstrução de Justiça, um número extraordinário e que seria um presente para um promotor num caso de crime de colarinho branco. Tentar obstruir a Justiça é o bastante para levar um empresário ou financista a julgamento.

Mas não um presidente em exercício do mandato. Mueller deixa claro que trabalhou sob a restrição da opinião legal vigente no Departamento de Justiça: um presidente em exercício do cargo não pode ser indiciado.

Massacre de Nixon

O mais notável dos episódios ocorreu em junho de 2017, semanas depois de Mueller ser nomeado para investigar o Russiagatepor causa da demissão do diretor do FBI, James Comey.Trump telefonou para o conselheiro da Casa Branca Don McGahn em casa e lhe deu ordens de demitir Robert Mueller. McGahn sinalizou que preferia se demitir a reencenar o infame Massacre de Sábado à Noite, em 1973, quando Richard Nixon demitiu o promotor especial Archibald Cox, encarregado de investigar o caso Watergate, uma decisão que, no ano seguinte, contribuiu para sua renúncia.

Os investigadores de Mueller apuraram a reação de Trump quando ele foi nomeado conselheiro, em maio de 2017: Ele afundou na cadeira e disse: “Isto vai ser o fim da minha presidência, estou f#@*do!”

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Em outro trecho de destaque no relatório, Mueller afirma que, se Comey não tivesse sido demitido, o FBI poderia ter descoberto malfeitos além da interferência russa na eleição de 2016:

“Indícios sugerem que uma investigação mais completa do FBI poderia ter revelado fatos sobre a campanha e sobre sua pessoa que o presidente teria compreendido ser crimes e que o preocupavam pessoalmente e politicamente.”

Bola com Pelosi

Os democratas, agora no controle da Câmara, anunciaram a convocação de Robert Mueller para depor antes do fim de maio. No próximo dia 1º, Wlliam Barr vai ser sabatinado no Capitólio e instado a explicar sua versão destoante da investigação que durou quase dois anos.

Mas chamou atenção o esforço inicial da liderança democrata de se afastar de qualquer debate sobre impeachment. É uma preocupação notável quando se leva em conta as palavras de Mueller em sua conclusão. Ele basicamente transferiu o bastão para Nancy Pelosi, a presidente da Câmara, ao afirmar que, embora não tivesse a seu alcance indiciar o presidente, cabe ao Congresso coibir o “abuso corrupto de poder” e garantir que “ninguém está acima da lei.” Mueller deu aos democratas um mapa para o impeachment, que não haveria de passar pela maioria republicana no Senado.

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