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O homem que inventou um presidente

Como Roger Stone passou décadas tramando uma Presidência para Trump e mudou a história das campanhas políticas desde os tempos de Richard Nixon

Por Lúcia Guimarães
Atualizado em 22 fev 2019, 00h18 - Publicado em 21 fev 2019, 21h31

Para entender a era Trump é preciso voltar à década de 1980 e conhecer Roger Stone. Contrito, o ex-colaborador da vitoriosa campanha presidencial republicana de 2016 estava irreconhecível nesta quinta-feira, 21, diante da diante da juíza federal Amy Berman Jackson, que o convocou de volta ao tribunal distrital de Washington para explicar um post já retirado de sua conta no Instagram.

Stone publicou uma foto do rosto da juíza que pode mandá-lo para a prisão por até 20 anos: a imagem trazia um alvo de tiro desenhado na testa da magistrada. Levou uma espinafração épica. A juíza Amy Berman Jackson endureceu as condições de Stone aguardar seu julgamento por uma coleção de crimes em liberdade, impondo-lhe uma ordem de silêncio. Nada de entrevistas para o boquirroto assessor demitido no começo da campanha de Donald Trump por agir como um entrevistado serial.

Um dos mais antigos parceiros da Trumposfera, Stone fora preso no dia 25 de janeiro, acusado pelo procurador especial Robert Mueller, o mesmo que investiga conluio da campanha de Trump com a Rússia, de obstruir o trabalho da Justiça, de mentir para o Congresso e de interferir com as testemunhas. Mueller acusa Stone de servir como mensageiro entre a campanha do republicano e a organização Wikileaks, responsável pelo vazamento de e-mails do comitê da democrata Hillary Clinton, com a ajuda de serviços de inteligência russos.

Donald Trump e Roger Stone se encontraram pela primeira vez em 1979, quando o jovem Stone estava acampado na casa do advogado Roy Cohn, em Nova York, trabalhando para a campanha de Ronald Reagan para a Casa Branca. Ex-braço direito do senador Joseph McCarthy, condutor das audiências de caça aos comunistas na década de 1950, Cohn teve sua infâmia imortalizada em Angels in America. Esta peça teatral de Tony Kushner sobre a explosão da epidemia de Aids nos Estados Unidos foi depois transformada em minissérie, com direção de Mike Nichols.

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Ronald Reagan e Roger Stone em Detroit, Michigan – 20/09/1980 (Robert R. McElroy/Getty Images)

Depois que McCarthy passou a ser execrado em Washington, Cohn mudou-se para Nova York e acumulou poder e fortuna. Trump o via como uma figura paterna, e Cohn logo se tornou mentor político de Stone. Os três tinham em comum a disposição de usar táticas pesadas para enfrentar inimigos, obter concessões e faturar com o que sabiam.

O documentário Get Me Roger Stone, de 2017, produzido pelo Netflix, mostra o pouco conhecido protagonismo de Stone nas sombras da política republicana. O operador é descrito pelo jornalista e ex-promotor Jeffrey Toobin, da revista New Yorker, como um “Forrest Gump nefasto”.

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A atração de Stone pela política e pelos republicanos começou na adolescência. Antes dos 20 anos, ele se mostrou um operador útil e eficaz na campanha de reeleição de Richard Nixon, em 1972. Usando um pseudônimo, Stone fez uma doação para a campanha do também republicano Pete McCloskey, em nome da “Jovem Aliança Socialista.” Obteve um recibo e fritou o pré-candidato, que desafiava Nixon nas primárias do partido.

Naquele mesmo ano, porém, a campanha de seu chefe foi ferida pela invasão da sede do Partido Democrata – o ponto de partida do Escândalo Watergate, que acabou provocando a renúncia de Nixon dois anos depois.

A fama de mestre de truques sujos acompanha Stone desde então e não o incomoda. “Prefiro ser infame do que não ser famoso”, costuma dizer o operador político. Com orgulho, Stone exibe orgulhoso uma tatuagem com a cara de Richard Nixon sorridente nas costas.

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Roger Stone e sua tatuagem do ex-presidente Nixon no documentário “Get Me Roger Stone”. (//Netflix)

Depois da vitória de Reagan, em 1980, Stone abriu um escritório de lobby em Washington em parceria com Paul Manafort, futuro chairman da campanha de Trump e outro indiciado por Robert Mueller. Stone e Manafort contribuíram  para profissionalizar o lobista nos Estados Unidos ao vender para as  corporações o acesso ao governo que tinham acabado de ajudar a eleger.

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A outra distinção duvidosa da firma Black, Manafort, Stone & Atwater foi o epíteto de “lobby dos torturadores.” Seus clientes incluíam o ditador Mobutu Sese Seko, da República Democrática do Congo, que ele rebatizara de Zaire, Jonas Savimbi, o rebelde angolano líder da Unita, e Ferdinand Marcos, das Filipinas.

Paul Manafort, Roger Stone e Lee Atwate em Washington: ‘lobby dos torturadores’ – 21/03/1985 (Harry Naltchayan/The Washington Post/Getty Images)

Entre os clientes da firma estava o magnata Donald Trump. Roger Stone diz que começou a tramar uma Presidência para Trump no final dos anos 1980. Em 2000, quando George W. Bush se lançou candidato e era visto como uma figura sem expressão nacional. Os republicanos temiam uma repetição de 1992, quando um terceiro candidato, Ross Perot, lançou-se pelo Partido da Reforma, acumulou 19% dos votos populares e impediu a reeleição de George H. W Bush. Bill Clinton venceu naquele ano com 43% dos votos. Stone odiava Bill e Hillary Clinton.

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De acordo com o documentário Get Me Roger Stone, o operador político apoiou o azarão Pat Buchanan como candidato pelo Partido da Reforma na eleição de 2000. Em seguida, teria convencido Donald Trump a se filiar ao mesmo partido e ameaçar uma candidatura. Buchanan foi triturado. O terceiro partido morreu, como Stone queria. Quando começou a recontagem da votação apertada de George W. Bush e do então vice-presidente democrata Al Gore na Flórida, Stone estava no prédio em Miami agitando partidários de Bush e intimidando a oposição.

Em 1996, quando era consultor da campanha do senador republicano Bob Dole à presidência, Stone enfrentou o escândalo que o expulsou de Washington e exacerbou seu comportamento de renegado. O tabloide National Enquirer revelou que Stone e sua mulher, Nydia, publicavam anúncios para sexo a três em um website, com fotos de ambos.

“Mulher insaciável, quente, e seu marido boa pinta, swingers veteranos, procuram casais ou homens excepcionalmente musculosos.”

Stone perdeu o emprego e, depois, confirmou que os anúncios eram reais. Hoje,  vive com a mulher em Fort Lauderdale, na Flórida, em uma casa repleta de souvenirs de Richard Nixon.

Ele sabe muito, mas prometeu nunca implicar seu amigo Donald Trump. Stone recomendou seu ex-sócio Paul Manafort para dirigir a campanha de Trump, como estratégia para evitar a insurgência no Partido Republicano contra a candidatura do empresário nova-iorquino. Manafort, dentro do partido, e Stone, agindo nas sombras, foram instrumentais para elevar Trump. A questão é se vão fazer Trump se arrepender de ter ido tão longe.

 

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