Reforma previdenciária é inadiável, dizem analistas
A votação da medida polêmica ocorreria nesta quarta-feira, mas foi adiada
“Embora essas medidas não sejam populares, são urgentes”, diz o economista Roberto Padovani
O Senado francês, que votaria nesta quarta-feira a polêmica reforma da previdência proposta pelo presidente Nicolas Sarkozy, adiou a sessão. O governo defende que a reforma é crucial para controlar o déficit previdenciário e equilibrar as contas públicas. Muitos franceses, porém, temem os efeitos das mudanças e sentem que serão injustamente punidos pela elevação da idade mínima de aposentadoria e pela restrição ao benefício de aposentadoria com vencimento integral.
O fato é que a França e os outros países da Europa Ocidental estão envelhecendo e em breve poderão não ter capacidade financeira para sustentar seus aposentados. Para o professor Estevão Resende Martins, diretor do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília (UnB), a medida defendida por Sarkozy é inadiável. “A Inglaterra, a Alemanha, a Bélgica e a Holanda já fizeram reformas na legislação previdenciária. A Itália está fazendo, e Espanha e Portugal também terão de fazer em breve”, disse. “A curva demográfica desses países aponta para um envelhecimento cujo resultado prático é não haver mais dinheiro suficiente para pagar as conta publicas, não só da previdência.”
Se no Brasil apenas 7% da população é idosa, na França mais da metade está acima dos 60 anos. “É uma aritmética simples que leva à necessidade da reforma. Oposição e sindicatos sabem disso. O problema é que eles precisam fazer uma média política que renda juros eleitorais”, afirma Martins. “Eles dizem que a reforma de Sarkozy é uma medida de direita, mas isso é bobagem. Eles sabem que as contas não batem, mas aproveitam a briga no espaço público para angariar apoio para as próximas eleições.” O próximo pleito francês será em 2012.
Endividamento público – O estrategista-chefe do WestLB do Brasil, Roberto Padovani, lembra que a Europa atravessa uma crise profunda e um dos problemas atuais é o tamanho do endividamento público. “Com a crise bancária, para evitar recessão mais aguda e prolongada, os governos europeus elevaram os gastos públicos para tentar dinamizar economia. Mas a medida trouxe um lado ruim, que foi ampliar em excesso o endividamento dos governos”, diz Padovani.
O remédio para o problema é, inevitavelmente, promover um ajuste fiscal. “França e Alemanha precisam reduzir os riscos na Europa. O temor de que governos não consigam honrar suas dividas pode ocasionar uma contração ainda maior no crescimento econômico”, diz o economista.
Ajustes fiscais exigem cortes de gastos e eventualmente algum arrocho tributário – medidas boas para a saúde financeira no médio e longo prazos, mas ruins no horizonte imediato. “O que a França está tentando hoje é colocar as contas públicas numa trajetória sustentável. Embora essas medidas não sejam populares, são urgentes”, diz Padovani.
Brechas – Embora artigos decisivos da reforma de Sarkozy já tenham sido aprovados tanto por deputados quanto por senadores, em tese ainda há espaço para debate. A nova legislação precisa passar por uma comissão mista do Parlamento e por um reexame simbólico nas duas casas. Isso explica as manifestações que tomaram conta das ruas da França por seis dias consecutivos. É improvável, no entanto, que a situação se reverta. O governo tem maioria no Senado. Além disso, Sarkozy parece decidido a levar o enfrentamento até o fim, para mostrar que seu governo não é fraco.
“Talvez o governo ceda em alguns pontos secundários, para não parecer intransigente demais”, diz Martins. “Pode manter, por exemplo, a idade de 60 para a aposentadoria de trabalhadores em condições de extrema insalubridade, ou facilitar a aposentadoria integral deles.”