Prazer, sou Kim
O ditador da Coreia do Norte parece cada vez mais à vontade no papel de dirigente moderno, que anseia por uma aproximação com o mundo lá fora
De repente, sessenta anos de medo, ressentimentos e desconfiança dão a impressão de ter se evaporado. Kim Jong-un, o gorducho e sorridente ditador da Coreia do Norte, e Moon Jae-in, presidente da Coreia do Sul, encontraram-se não uma nem duas, mas três vezes neste ano. Para dois países que quase não se falavam, e quando o faziam era para trocar ameaças, foi um prodígio. Uma gentileza daqui, outra dali, a Coreia do Norte passou a tolerar alguns negócios privados, a troca de atividades esportivas e humanitárias intensificou-se e a reunificação de famílias foi facilitada.
Kim, da terceira geração do clã de “grandes líderes” do Norte, parece cada vez mais à vontade no papel de dirigente moderno, que anseia por uma aproximação com o mundo lá fora. Moon agarra-se à chance de reinstaurar uma convivência pacífica na península cortada ao meio. Os Estados Unidos, detentores da faca e do queijo no conflito, já foram mais otimistas. Desde que Kim saiu do casulo, tomou um avião (ousadia para uma dinastia que só andava de trem) e pousou em Singapura para apertar a mão de Donald Trump em pessoa, em junho passado, a conversa anda malparada.
A exigência número 1 dos americanos para baixar a guarda e suspender sanções é que a Coreia do Norte abandone seu programa nuclear, mas tudo leva a crer que ele continua a pleno vapor. O requisito número 1 dos norte-coreanos para relaxar o estado de prontidão é ter sua segurança garantida sem meios-termos, mas as baterias americanas voltadas para o Norte e as manobras militares prosseguem. A questão é: quem dará o primeiro passo? Trump continua a achar o pequeno ditador “um cara ótimo”. Moon costura uma visita do papa Francisco a Pyongyang. E Kim? Bem, Kim sorri para todos, com a satisfação de quem mais saiu ganhando até agora.
Publicado em VEJA de 26 de dezembro de 2018, edição nº 2614