Com quase 45% dos votos, os populistas de direita venceram as eleições parlamentares deste domingo 13 na Polônia, segundo a Comissão Eleitoral Nacional. No poder desde 2015, o Partido Lei e Justiça (PiS) se beneficiou dos votos das legendas que não atingiram o coeficiente eleitoral e deverá manter maioria simples na câmara baixa do Parlamento.
Assim os populistas permanecem no controle sobre as principais funções do Legislativo, dentre as quais está eleger o primeiro-ministro, independentemente de terem perdido sua maioria no Senado — o PiS elegeu apenas 48 dos 100 —, o que pode no máximo dificultar o trâmite legislativo.
Se Mateusz Morawiecki, atual premiê, retornará ao cargo nas próximas semanas, após a formação do novo governo, pouco importa. Afinal, a eminência parda do governo populista polonês é o recatado Jarosław Kaczyński, líder-fundador do PiS e deputado. Segundo a Deutsche Welle, trata-se do político que realmente dá as cartas no país.
Reeleitos, Kaczyński e seu partido têm governado a Polônia sem pudor em flertar com o autoritarismo, o nacionalismo xenofóbico e, até mesmo, o assistencialismo. Assim, são os últimos quatro anos no país eslavo que explicam o significado desse resultado eleitoral.
Judiciário sob ataque
O governo do PiS chama atenção pela sua afronta ao princípio da independência entre os três poderes. Mais de uma dezena de “reformas” no poder Judiciário foram aprovadas e sancionadas pelos populistas. Eles também comandam o Executivo graças à eleição do atual presidente Andrzej Duda, em 2015.
Em dezembro de 2015, menos de dois meses após assumirem o poder pela primeira vez, os populistas deram início à manipulação do Tribunal Constitucional, órgão capaz de vetar leis. O PiS se recusou a empossar três juízes legalmente nomeados pelo governo anterior e excluiu outros três, que estavam no cargo desde o início dos anos 2010.
Ao mesmo tempo, três juízes foram empossados inconstitucionalmente por Duda, e o atual presidente do tribunal foi eleito por manobra também inconstitucional do Parlamento. Ao todo, dentre indicações legais e ilegais, Kaczyński e seu partido elegeram mais da metade dos 15 juízes que atualmente compõem o Tribunal Constitucional.
A Suprema Corte, a última instância da Justiça e a autoridade responsável por julgar a validade das eleições parlamentares, foi remodelada também. Cerca de 40% de seus juízes foram aposentados compulsoriamente em 2018. Mas ainda no mesmo ano, após a União Europeia intimidar legalmente a Polônia, com sanções financeiras, a decisão foi revogada.
O PiS apela muito ao fantasma da ditadura comunista no país, encerrada em 1989, para justificar essas reformas em um Judiciário que ainda estaria corrompido. “Eles [os juízes da Suprema Corte aposentados compulsoriamente] eram muito envolvidos no sistema judicial quando a Polônia era oprimida pelos comunistas”, disse Duda, em visita à Nova Zelândia em 2018.
Mas, como avalia a cientista política da Universidade de Varsóvia Agnieszka Bieńczyk-Missala em entrevista a VEJA, “por detrás dessas reformas, há a intenção de controlar o processo judiciário a fim de acobertar possíveis escândalos políticos”. No início de 2019, Kaczyński esteve no centro de um esquema de corrupção envolvendo uma empreiteira com laços com o partido.
Em reação às intervenções no Tribunal Constitucional, na Suprema Corte e em outros órgãos — como o Conselho Nacional para o Judiciário, responsável pela nomeação e promoção dos magistrados nas primeira e segunda instâncias —, a União Europeia acionou o procedimento para a execução do Artigo 7 do Tratado de Lisboa contra a Polônia. Nunca esse dispositivo, que pode resultar na perda do poder de voto no Conselho Europeu, fora ativado antes.
O Artigo 7 se refere a “violações graves dos valores” do bloco. No caso, especificamente o Estado de Direito. Mas para a sua aplicação é preciso a concordância unânime dos líderes dos 28 estados membros do bloco. Viktor Orbán, autocrata no comando do governo da Hungria — que também é acusada formalmente de violar o mesmo artigo — já anunciou publicamente que barrará a conclusão do processo contra a Polônia.
Repressão às minorias
Além do Estado de Direito, outro dos valores europeus que estão listados no Tratado de Lisboa é o “respeito aos direitos humanos, incluindo o direito às minorias”. Embora a Polônia não seja acusada oficialmente de violar esse princípio, o PiS está longe de defendê-lo na prática.
Em estilo semelhante ao do presidente americano Donald Trump, que enxergou “pessoas muito boas” em uma manifestação neonazista em Charlottesville em 2017, o governo populista falha em condenar movimentos de supremacia branca.
Quando 60.000 supremacistas marcharam pelas ruas da capital Varsóvia no aniversário da independência da Polônia em 2017, o então ministro do interior, Mariusz Błaszczak, descreveu o acontecimento como uma “bela vista”. No ano seguinte, após a prefeita de Varsóvia proibir a reedição da parada, o próprio Duda convocou outra manifestação com os mesmos organizadores, o grupo All-Polish Youth, segundo reportou o jornal Wall Street Journal.
A comunidade LGBT também não é protegida pelo governo dos populistas. “Não haverá casamento gay e, menos ainda, adoção de crianças”, disse o presidente da legenda Kaczyński em setembro deste ano.
Como meio de reprimir a voz de dissidentes e, em especial de minorias, o PiS segue a cartilha básica do populismo e ataca a imprensa livre. Desde sua chegada ao poder, a Polônia despencou da 18ª colocação para a 59ª no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa, formulado pela organização Repórteres Sem Fronteiras.
Além de casos de assédios e espionagem relatados por jornalistas, segundo o New York Times, e de ameaçar nacionalizar veículos de mídia na Polônia pertencentes a empresas estrangeiras, o PiS estatizou a rede pública de televisão TVP. Assim, o governo passou a ter controle direto sobre a direção do canal, antes coordenado por um comitê supervisor e independente.
Fonte exclusiva de notícias de cerca de 50% dos moradores de áreas rurais, a TVP reproduziu uma fotografia falsa da jovem ativista sueca Greta Thunberg para difamá-la há menos de um mês, durante a Assembleia Geral da ONU.
Assistencialismo
O sucesso de Kaczyński e de seu partido nestas eleições se deve ao estado autoritário sem independência entre os poderes e à máquina “orwelliana” que fomenta o nacionalismo xenofóbico. Mas o fator predominante foi o assistencialismo.
“A maioria dos poloneses nem se preocupa com a complexa situação do Judiciário”, acredita Beata Kosowska-Gąstoł, cientista-política da Universidade Jaguelônica, na cidade polonesa de Cracóvia. Kosowska-Gąstoł afirma a VEJA que o PiS “ganhou muita popularidade graças aos programas sociais implementados”.
Em fevereiro de 2016, o PiS introduziu o programa Family 500+, que agracia famílias de baixa renda — salário de até 800 złotys poloneses (840 reais) por pessoa — com 500 złotys poloneses (526 reais) por criança abaixo dos 18 anos de idade. No primeiro ano após a aplicação do programa, a taxa de fertilidade cresceu em 6%, mais do que em toda a década anterior, segundo o indicador Eurostat.
Desde agosto de 2019, jovens abaixo dos 26 anos de idade com renda anual inferior a 85.528 złotys poloneses (89.970 reais) estão isentos dos 18% de imposto de renda. Como noticiou a rede americana CNN, a renda anual do polonês em média está abaixo desse limiar, em 60.000 złotys poloneses (63.116 reais).
Há algumas semanas, os populistas, que também reduziram a idade mínima de aposentadoria no país, prometeram praticamente dobrar o salário mínimo mensal para 4.000 złotys poloneses (4.200 reais) em até quatro anos. Esse seria o maior aumento desde 2009.
Embora o índice de desigualdade de renda entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres tenha reduzido timidamente, segundo dados do Eurostat, a taxa de população em risco de pobreza e exclusão social caiu de 23,5% para 19% do total de quase 40 milhões dos habitantes da Polônia.