Já faz dois anos desde que Donald Trump deixou a Casa Branca e a liderança dos Estados Unidos. Mesmo assim, ainda reclama para si todos os holofotes – e pelos piores motivos. Na segunda-feira 8, o FBI fez uma operação de busca na casa de Trump na Flórida, o resort Mar-a-Lago, marcando a primeira vez que a agência de investigação federal invadiu a casa de um ex-presidente na história americana, e ampliando a suspeita de que ele possa ser processado e indiciado por certos crimes.
“O mandado de busca executado nas instalações do ex-presidente Donald Trump em Mar-a-Lago representa uma mudança sísmica no cenário geral das investigações contra ele”, escreveu Norman Eisen, do centro de pesquisas Brookings Institution e czar da ética do ex-presidente Barack Obama, na CNN.
A ação do FBI faz parte de uma investigação do Departamento de Justiça dos Estados Unidos sobre documentos oficiais (e confidenciais) desaparecidos, que teriam sido levados da Casa Branca para a Flórida por Trump. Caso o inquérito se transforme em processo e o processo, em uma acusação, o republicano pode receber de 3 a 5 anos de cadeia.
Mas este é apenas um dos casos que pairam sobre o confortável resort de Mar-a-Lago. Desprotegido pela presidência, Trump pode finalmente ter que enfrentar as consequências de seus atos em pelo menos sete investigações e processos.
1. Documentos nacionais desaparecidos
A Administração Nacional de Arquivos e Registros dos Estados Unidos (NARA) notificou o Congresso em fevereiro que havia recuperado cerca de 15 caixas de documentos da Casa Branca, encontrados na casa de Trump na Flórida, alguns dos quais continham documentos secretos.
O ex-presidente confirmou anteriormente que havia concordado em devolver certos registros à NARA, dizendo que era “um processo comum e rotineiro”. No entanto, não sabia-se se todos os documentos haviam sido retirados de Mar-a-Lago, o que levou ao mandado de busca e apreensão conduzido pelo FBI nesta semana.
Não bastasse isso, Trump também foi acusado de rasgar e jogar documentos oficiais no vaso sanitário e dar descarga depois.
Segundo o Código dos Estados Unidos, qualquer pessoa que “deliberada e ilegalmente ocultar, remover, mutilar, obliterar ou destruir” registros ou documentos arquivados em qualquer cargo público pode ser multado ou preso por até três anos. É considerado crime mais grave ainda se os documentos forem sigilosos, podendo ser aplicada uma pena de prisão até cinco anos.
Talvez o mais importante: em ambos os casos, os responsáveis ficam desqualificados para exercer qualquer cargo público no país. Ou seja, Trump não poderia concorrer à presidência em 2024.
2. Ataque ao Capitólio, a sede do Congresso americano
O comitê do Congresso que investiga o ataque de apoiadores de Trump ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, está construindo um caso de que ele infringiu a lei ao tentar reverter os resultados das eleições de 2020, que ele perdeu. Em um processo judicial em março, o comitê detalhou os esforços do ex-presidente para persuadir seu então vice, Mike Pence, a rejeitar as listas de eleitores de Joe Biden, ou adiar a contagem dos votos no Congresso.
A vice-presidente do comitê, Liz Cheney, disse que pretende trabalhar com o Departamento de Justiça para abrir acusações criminais contra Trump (o comitê sozinho não pode fazer acusações).
Caso o procurador-geral, Merrick Garland, decida processá-lo, o principal desafio dos promotores será provar que Trump agiu com “intenção corrupta” quando ele tomou uma ação projetada para interferir no processo eleitoral, significando que ele sabia que estava fazendo algo errado. Provavelmente, há evidências suficientes para provar a intenção, mas encontrar uma ação é mais desafiador.
Ele também pode ser responsabilizado por “conspiração sediciosa”, um estatuto raramente usado que torna ilegal derrubar o governo dos Estados Unidos pela força, uma acusação que já foi feita contra vários de seus apoiadores que participaram do ataque.
3. Fraude de transferências
No mesmo comitê do Capitólio, os democratas disseram que Trump, um republicano, arrecadou cerca de US$ 250 milhões por meio de seus apoiadores para levar suas alegações fraudulentas de que tinha vencido as eleições a um tribunal. No entanto, ele direcionou grande parte do dinheiro para outros fins. Por isso, pode ser acusado de fraude de transferências, que proíbe a obtenção de dinheiro com “pretensões falsas ou fraudulentas”.
Um único ato de fraude eletrônica pode resultar em multas de até US$ 250 mil para pessoas físicas e até 20 anos de prisão.
4. Manipulação das eleições na Geórgia
Um grande júri especial foi selecionado em maio para avaliar evidências em um inquérito do promotor da Geórgia sobre os supostos esforços de Trump para influenciar os resultados das eleições de 2020 no estado.
A investigação se concentra em um telefonema que Trump fez a Brad Raffensperger, secretário de Estado republicano da Geórgia, em 2 de janeiro de 2021. Trump pediu a Raffensperger que “encontrasse” os votos necessários para reverter a derrota eleitoral de Trump. Especialistas jurídicos disseram que Trump pode ter violado pelo menos três leis eleitorais criminais da Geórgia:
- Conspiração para cometer fraude eleitoral;
- Solicitação criminosa para cometer fraude eleitoral;
- Interferência intencional no desempenho das funções eleitorais.
O júri especial pode avaliar o caso por até um ano. É improvável que leve todo esse tempo, mas um juiz disse no final de julho que impediria que o relatório fosse divulgado perto da eleição legislativa de novembro.
5. Inquérito criminal de Nova York
Alvin Bragg, procurador distrital de Manhattan, está investigando se a empresa imobiliária da família de Trump, a Trump Organization, deturpou os valores de suas propriedades para obter empréstimos melhores de bancos e reduzir impostos sobre os imóveis.
Segundo a investigação, a empresa teria inflacionado artificialmente o valor dos imóveis, ampliando os empréstimos bancários, mas reduzido a avaliação de valor da própria empresa, reduzindo os impostos cobrados sobre a corporação.
6. Inquérito civil da procuradora-geral de Nova York
Letitia James, procuradora-geral do estado de Nova York, está conduzindo uma investigação civil para examinar, como Bragg, se a Trump Organization inflou os valores dos seus imóveis. Trump e dois de seus filhos adultos, Donald Trump Jr e Ivanka Trump, concordaram em testemunhar na investigação.
O ex-presidente foi chamado a depor nesta quarta-feira, 10, mas invocou a Quinta Emenda, que dá aos cidadãos americanos o direito de permanecerem em silêncio para não se autoincriminarem.
Trump negou irregularidades nos dois casos de Nova York e os descreveu como uma “caça às bruxas” política.
7. O caso de difamação de E. Jean Carroll
E. Jean Carroll, ex-escritora da revista Elle, processou Trump por difamação em 2019, depois que o então presidente negou sua alegação de que ele a estuprou na década de 1990 em uma loja de departamentos de Nova York. Trump acusou-a de mentir sobre ele para aumentar as vendas de um livro.
O segundo tribunal de apelações de Manhattan está prestes a decidir se o processo de Carroll deve ser julgado como improcedente, e um advogado de Trump argumentou que ele está protegido por uma lei federal que torna os funcionários do governo imunes a acusações de difamação.
Quais as chances de Trump ser processado e preso?
Ainda não está claro. Se ele concorrer em 2024, ainda estará sujeito a processos, porque o Departamento de Justiça tem uma política que protege presidentes em exercício de acusações, mas não candidatos presidenciais.
No entanto, mesmo que as atuais investigações transformem-se em processos (o único do gênero é o caso de difamação de Carroll), é difícil dizer se eles teriam seguimento caso o Partido Republicano tome controle da Câmara dos Deputados e do Senado nas eleições de novembro. Uma parte da legenda deseja ver-se livre de Trump e trocá-lo por um nome novo, como o governador da Flórida, Ron De Santis. Mas outra ainda está muito atrelada ao ex-presidente e vê sua figura como forma de engajar os eleitores.
“Até onde sabemos, um anúncio de acusação do Departamento de Justiça está chegando, mas muitas pessoas estão olhando para os calendários políticos e ficando preocupadas”, disse à revista Newsweek Jon Michaels, professor de direito da Universidade da Califórnia, Los Angeles especializado em direito constitucional e poder presidencial.