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Oriente Médio forçado a reavaliar posição por eventos climáticos extremos

Região é extremamente dependente do petróleo e viu emissões de gases causadores do efeito estufa mais do que triplicarem nas últimas três décadas

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 nov 2021, 15h00 - Publicado em 2 nov 2021, 08h00

Sede da indústria do petróleo, o Oriente Médio se vê atualmente pressionado a pensar em soluções para uma transição verde após enfrentar secas jamais vistas e temperaturas acima dos 50 graus. Segundo especialistas, algumas regiões desta importante parte do planeta Terra podem se tornar inabitáveis permanentemente até o final do século.

Em junho, o Kuwait registrou temperatura de 53,2°C, enquanto Omã, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita registraram mais de 50°C. Um mês depois, o clima também esquentou no Iraque, onde os termômetros chegaram a marcar 51,5°C, e no Irã, que alcançou 51°C.

Infelizmente, este é apenas o começo de uma tendência. A temperatura no Oriente Médio cresce a uma velocidade duas vezes maior do que a média global e a previsão é que suba 4 graus até 2050 – uma perspectiva muito assustadora diante da meta adotada pelo Acordo de Paris de limitar a mudança climática a 1,5°C para salvar a humanidade. As emissões de gases causadores do efeito estufa mais do que triplicaram nas últimas três décadas.

O Banco Mundial prevê que as condições climáticas extremas se tornarão rotineiras e que a região poderá enfrentar quatro meses de sol escaldante todos os anos. De acordo com o Instituto Max Planck da Alemanha, muitas cidades no Oriente Médio podem se tornar literalmente inabitáveis ​​antes do final do século.

No começo de outubro, um ciclone tropical deixou ao menos nove mortos e centenas de milhares de pessoas desabrigadas no Omã. Estima-se ainda que a poluição mate 4.000 pessoas todos os anos na capital iraniana Teerã, enquanto nos Emirados Árabes Unidos são gastos mais de 8,2 bilhões de dólares anualmente em tratamentos de doenças causadas pela mudança climática.

Alagamento causado pelo ciclone Shaheen em Muscat, no Omã - 03/10/2021
Alagamento causado pelo ciclone Shaheen em Muscat, no Omã – 03/10/2021 (Yaqoob Al Khanjari/Anadolu Agency/Getty Images)

E fica pior: a região, já bastante devastada por guerras e atolada no sectarismo e autoritarismo, está mal preparada para enfrentar os desafios climáticos, segundo especialistas. Justamente por isso as lideranças locais se sentiram pressionadas a se lançar em uma luta contra o relógio em busca de soluções urgentes para um problema histórico.

Os Emirados Árabes Unidos foram os primeiros a ratificar o Acordo de Paris e já são o país menos dependente do petróleo da região. Há cerca de duas semanas, às vésperas da COP-26, o governo ainda anunciou um plano para alcançar a neutralidade de carbono até 2050, com um investimento inicial de 163 bilhões de dólares, e criou um novo ministério dedicado exclusivamente às mudanças climáticas e ao meio ambiente.

Não demorou muito para que os demais países do Golfo, extremamente competitivos entre si, anunciassem medidas semelhantes. O Catar também nomeou um novo ministro para o clima, enquanto o Bahrein estabeleceu sua própria meta de neutralidade de carbono até  2050 e o Kuwait publicou um novo plano para a redução de emissões.

A Arábia Saudita também já havia anunciado sua intenção de aumentar a participação de fontes renováveis ​​na geração de eletricidade de 0,3% para 50% até 2030, além de plantar 10 bilhões de árvores nas próximas décadas. Em um evento no dia 25 de outubro em Riad que contou com a presença do enviado especial para o clima dos Estados Unidos, John Kerry, e do príncipe Charles do Reino Unido, o governo saudita ainda prometeu zerar suas emissões de carbono até 2060.

No Ocidente, porém, muitas dessas promessas são vistas com ceticismo. Os Estados do Golfo ainda dependem muito das exportações de petróleo e gás, que representam mais de 70% das receitas totais dos governos do Kuwait, Catar, Omã e Bahrein. A venda desses produtos representam ainda 75% de todas as exportações feitas pelo governo saudita.

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Em 2016, o príncipe saudita Mohammed bin Salman prometeu transformar o país em uma potência industrial diversificada. A realidade observada até agora, porém, não condiz com o anunciado. A Aramco, a petroleira saudita que tem em seu currículo a marca de maior pegada de carbono do mundo, não diversificou em nada sua produção e, na realidade, acaba de anunciar um investimento gigantesco para aumentar sua capacidade produção de petróleo bruto de 12 milhões para 13 milhões de barris diários até 2027.

Durante as reuniões de cúpula da COP-26, porém, as lideranças árabes devem se defender das críticas argumentando que a região do Golfo não está entre os maiores emissores do mundo. De fato, a região é responsável por apenas 4,7% das emissões mundiais de carbono, em uma posição melhor do que a Europa, as Américas e a China. Isto porque os gases produzidos pelo petróleo que o Oriente Médio exporta são registrados como emissões  nos países compradores, e não nos produtores.

Domesticamente, os governos dessas nações também foram por muitos anos eximidos de suas responsabilidades perante à população porque a riqueza gerada pelo extrativismo foi usada para entorpecer a opinião pública. Uma mistura de redução de impostos com subsídios para a compra de água, gasolina e energia ajudou as lideranças a desviar a atenção dos cidadãos.

Recentemente, porém, a realidade está mudando e pequenos grupos ambientalistas da sociedade civil estão começando a surgir e cobrar por mais mudanças. No Iraque, o calor recorde em setembro levou centenas de manifestantes às ruas. Os cidadãos bloquearam estradas, queimaram pneus e cercaram usinas de energia na capital do país. No Líbano, um cenário semelhante se desenrolou em outubro. Diante da crise de abastecimento, cenas de caos foram registradas em todo o país, com saques a tanques de gasolina de carros e pessoas armadas em postos exigindo o abastecimento de seus veículos.

Apesar de perigosa, especialistas argumentam que a pressão popular pode ser essencial para transformar, de dentro para fora, as políticas ambientais no Oriente Médio.

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