Em meio à inflamada retórica entre Washington e Moscou, o presidente americano Joe Biden sugeriu o que poderia aumentar ainda mais as tensões: se tropas russas invadirem a Ucrânia, os Estados Unidos poderiam impor sanções pessoais sobre o presidente da Rússia, Vladimir Putin.
Contra a ameaça de Biden, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que qualquer ação direta contra Putin seria “politicamente destrutiva” para os laços entre os países, mas não seria “dolorosa” para o mandatário russo.
Uma tática cada vez mais comum por parte da Casa Branca, sanções individuais podem proibir viagens e congelar bens em jurisdições dos EUA, além de impedir negociações destas pessoas com americanos ou empresas americanas. Como boa parte do sistema financeiro é conectado, há também um certo alcance global às medidas.
Em dezembro, o governo americano já havia dado início ao planejamento de um amplo conjunto de sanções contra a Rússia para impedir uma eventual invasão. De acordo com fontes da Casa Branca ouvidas pelo New York Times, entre as medidas está a aplicação de ações diretas contra membros do Kremlin próximos a Putin e a produtores de energia russos, além da desconexão do país do sistema de pagamento internacional usado por bancos ao redor do mundo.
Ao todo, mais de 800 indivíduos russos estão sob sanções americanas e europeias, por acusações que variam de agressão, incluindo a anexação da Crimeia em 2014, tentativa de assassinato de dissidentes e intromissão em questões estrangeiras.
No caso de Putin, no entanto, há um problema diferente. Para congelar bens, é preciso saber onde eles estão.
“Putin não tem uma conta no JPMorgan Chase”, diz Eugene Rumer, especialista em Rússia no Carnegie Endowment for International Peace, ao Washington Post. “Há muitas conversas sobre ele ser o homem mais rico do mundo, com uma fortuna de centenas de bilhões de dólares. Mas nunca vi qualquer prova factível desta fortuna, ou onde ela está. Não acredito que Putin esteja planejando comprar um apartamento para aposentadoria na Flórida”.
Embora alvo intenso de especulações, nas declarações do Kremlin a renda de Putin é equivalente a cerca de 131.000 dólares por ano. Entre os bens declarados, todas na Rússia e fora do alcance americano, estão “um apartamento de 77 metros quadrados, uma garagem de 18 metros quadrados, dois carros antigos Volga GAZ M21, um Lada Niva SUV e um trailer”.
Contrariando os dados oficiais, ativistas ligados ao proeminente opositor Alexei Navalny, preso em um centro de detenção nos arredores de Moscou, divulgaram no ano passado o que disseram ser uma investigação colossal sobre suposta a riqueza do presidente, expondo o que eles alegam ser o “palácio de Putin” no Mar Negro.
O documento contém alegações de vastos esquemas de corrupção relacionados ao que eles dizem ser propriedades de Putin, estimados em cerca de 1,4 bilhão de dólares.
O luxuoso complexo, de 17.691 metros quadrados citado pelo opositor incluiria 11 quartos, vinhedos, um estádio de hóquei sobre o gelo, um cassino, várias salas de estar e refeitórios, um teatro particular, um cinema, além de spa. Nos vinhedos, música clássica seria tocada 24 horas por dia, aparentemente para ajudar a amadurecer as uvas, segundo membros da associação de vinhedos da região que ouviram a música a tocar durante uma visita à quinta.
Navalny também afirma ter descoberto um esquema complicado para financiar a propriedade e outras despesas pessoais do presidente. O relatório afirma que Putin, no início de sua Presidência, fechou um acordo com oligarcas russos e ricos empresários para “doar” parte de sua renda a uma firma de investimentos. Mas 35% dessas doações iriam então para uma conta bancária na Suíça de uma empresa registrada em Belize, afirma Navalny.
Apesar das especulações, todas negadas pelo Kremlin, “a realidade é que provavelmente há poucas pessoas além de Putin que sabem quanto há de dinheiro e onde ele está”, escreve Timothy L. O’Brien, analista da Bloomberg. “Isso torna difícil para o sistema financeiro entrar em ação, ou penalizar Putin pessoalmente”.
Já prevendo a dificuldade, a Casa Branca sinalizou na segunda-feira que é mais possível uma ação contra figuras “dentro ou perto do círculo íntimo do Kremlin”. Isso impediria que filhos de certas elites russas entrassem em universidades de prestígio nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo.