O Partido Democrata conquistou a maioria dos assentos da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos nas eleições de meio de mandato realizadas na terça-feira 6. Isso deve dificultar a vida do republicano Donald Trump nos próximos dois anos.
As apurações ainda prosseguem, especialmente na costa oeste. Até agora, contudo, os democratas já têm garantidos 219 assentos, dos 435 da Câmara. Os republicanos têm por enquanto 199 lugares.
São 27 assentos que antes pertenciam a republicanos e que, nos próximos dois anos, serão controlados pela oposição. Os democratas não detinham o controle da Câmara havia oito anos. Nos últimos dois, a composição da Casa foi amplamente favorável a Donald Trump, com 236 deputados do Partido Republicano e 193 da oposição Democrata.
Com a maioria dos assentos, os democratas terão, além dos votos a mais, maior orçamento para desenvolver projetos, mais funcionários em seus gabinetes e controle sobre os comitês especiais da Câmara.
A partir de agora, portanto, muitos dos projetos do presidente Trump dependem, além de sua ambição de se reeleger em 2020, de sua boa vontade para trabalhar de perto com a oposição. Até o momento, contudo, ele não mostrou nenhuma inclinação para isso.
Nas mãos dos democratas, esta casa do Congresso terá igualmente condições de iniciar um processo de impeachment que, mesmo não aprovado, consumirá muito da energia e do tempo do governante, bem como da confiança de seus eleitores. A Câmara passa a funcionar como um contrapeso ao Executivo.
Apesar da vitória na Câmara, os republicanos mantiveram seu controle no Senado. A conjuntura poderia, em última instância, dificultar a aprovação de projetos democratas que passaram na Câmara e travar o governo. Donald Trump também continuará a ter poder para indicar juízes e membros da Suprema Corte.
Porém, o resultado desta terça mostra uma pequena perda de influência do presidente no cenário político dos Estados Unidos.
“Obrigada, amanhã será um novo dia para a América”, declarou Nancy Pelosi, líder da minoria democrata na Câmara e deputada reeleita pela Califórnia. “Esta vitória vai ajudar na restauração dos freios e contrapesos sobre o governo de Trump”, completou em discurso.
Impeachment
Com a maioria na Câmara dos Deputados, os democratas têm agora a possibilidade de iniciar um processo de impeachment contra Donald Trump.
Desde que a investigação sobre a interferência russa nas eleições presidenciais de 2016 se iniciou, o ‘fantasma’ do processo para retirar o presidente do cargo ronda o governo dos Estados Unidos. O procurador Robert Mueller e sua equipe tentam determinar se houve ou não conluio entre autoridades de Moscou e a campanha eleitoral de Donald Trump – e se o republicano sabia e autorizara a interferência.
No ano passado, seis deputados democratas tentaram iniciar uma discussão sobre o tema na Casa, mas foram bloqueados pela maioria republicana.
Porém, apesar de agora liderar a Câmara, o Partido Democrata tem se mostrado reticente em relação à questão. As lideranças já afirmaram, em diversas oportunidades, que pretendem esperar o desenvolvimento da investigação de Mueller antes de tomar qualquer ação.
A oposição também acredita que um processo de impeachment pode afastar os eleitores, já que após os processos que tentaram afastar o ex-presidente democrata Bill Clinton do governo, o Partido Republicano foi derrotado nas eleições para o Congresso em 2000.
“A liderança democrata não quer prosseguir com isso, a menos que Mueller descubra algo muito grande”, afirma David Karol, analista político da Universidade de Maryland. “A Câmara pode impugnar, mas o Senado é quem condena, e os democratas não querem dar início ao processo só por protocolo”.
“Os democratas serão cuidadosos”, concluiu.
Mesmo que os democratas apoiassem a proposta, para o processo de afastamento de Trump se concretizar, tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado teriam que considerar o presidente desqualificado para o cargo e aprovar sua destituição com pelo menos dois terços dos votos da Casa.
Com o resultado das eleições desta terça, esse cenário seria quase impossível, já que os republicanos se fortaleceram na Câmara Alta.
Investigação sobre as eleições de 2016
Apesar da relutância em iniciar o processo de impeachment, os democratas já deixaram claro suas intenções de apoiar e expandir ao máximo as investigações sobre a interferência russa nas eleições de 2016 e o possível conluio entre a campanha de Trump e Moscou.
Com a maioria na Câmara, os deputados da oposição podem bloquear qualquer tentativa republicana de suspender o inquérito. Também podem incentivar os investigadores a convocar mais entrevistas sobre o caso, inclusive com figuras do círculo interno do presidente, como seu filho Donald Trump Jr. e seu genro Jared Kushner.
Além disso, o Partido Democrata pode propor e aprovar a reabertura da investigação sobre o caso pelo Comitê de Inteligência da Câmara. Em abril, o órgão dominado pelos republicanos concluiu seu inquérito afirmando que não havia nenhuma evidência de que a campanha de Trump conspirou com Moscou.
As conclusões foram muito contestadas pela minoria democrata na época.
“Os democratas na Câmara podem agora investigar a administração Trump e tentar envergonhá-lo de várias formas, evidenciando a corrupção e incompetência de sua administração”, afirma Karol. “Mas ainda não está claro se isso terá um grande impacto eleitoral em 2020”.
Investigações sobre Trump e seu gabinete
A partir de agora, os democratas também devem conseguir aprovar inspeções e investigações minuciosas sobre as declarações de imposto de renda do presidente Donald Trump e os negócios nacionais e internacionais da Trump Organization.
Trump sempre resistiu em revelar suas declarações de renda, contrariando uma tradição entre os políticos que concorrem à Presidência dos Estados Unidos.
Desde a campanha eleitoral de 2016, a imprensa americana tem especulado sobre quais são as fontes de renda de Trump e se há possíveis conflitos de interesse em seus negócios com outros países e figuras políticas dos Estados Unidos.
Com mais votos na Câmara, os democratas podem solicitar uma cópia das declarações do presidente ao Secretário do Tesouro, Steve Mnuchin. Poderiam até mesmo tornar os documentos públicos. Porém, com certeza, enfrentarão muita resistência da Casa Branca nessa questão.
Os deputados também devem tentar convocar membros do gabinete de Trump e funcionários da Trump Organization para depor nos comitês da Câmara e esclarecer se há algum tipo de esquema de corrupção, fraude ou conflito de interesse em seus negócios com outros países, inclusive com a Rússia.
Trump continuará se comportando como Trump
A perda do controle da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos deixará o Partido Republicano com uma bancada parlamentar ainda mais conservadora, mais ligada ao presidente Donald Trump e mais unida em torno da retórica provocadora e da agenda radical do mandatário.
Embora os republicanos moderados que permanecerão na Câmara possam ver o resultado como um veredicto sobre a estratégia do presidente de se dedicar incansavelmente ao tema da imigração ilegal na reta final da campanha, eles serão uma pequena minoria.
Em resumo, Trump continuará sendo Trump. Ainda que alguns republicanos possam culpá-lo pelas derrotas de terça-feira, é improvável que se rebelem, especialmente levando em conta que o partido manteve o comando do Senado.
Nos últimos dois anos o presidente se mostrou pouco inclinado a mudar seu estilo agressivo ou se tornar conciliador. Ele sabe que continua sendo, sem sombra de dúvida, a figura mais popular de seu partido.
Isso significa que, mesmo diante de uma oposição democrata mais intensa, Trump deve postular sua agenda de “A América Primeiro”, que prioriza questões delicadas como a imigração ilegal e o protecionismo comercial. Isso, por sua vez, aprofundará sua reformulação dramática de um partido que foi definido pelo conservadorismo fiscal, social e nacional durante décadas.
Saber que os democratas da Câmara não liberarão fundos para um muro na fronteira com o México, por exemplo, não impedirá Trump de continuar voltando ao assunto – ele pode até achar politicamente mais eficaz transformar seus opositores na Casa em vilões.
Os republicanos que continuarem na Câmara também terão pouco interesse em cooperar com a nova maioria democrata, o que concentrará o poder republicano no Congresso no Senado e poderia deixar o governo praticamente travado.
(Com Reuters)