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O dilema dos refúgios sem o vírus: abrir fronteiras ou manter isolamento?

Os últimos locais livres da doença avaliam o que vale mais, correr o risco de contágio ou sofrer os impactos da quarentena

Por Sabrina Brito Atualizado em 4 jun 2024, 14h23 - Publicado em 20 nov 2020, 06h00
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  • ANTÁRTICA - Navio brasileiro se aproxima do continente gelado: estudos feitos a distância - (Jonne Roriz/.)

    Há algo de raro em alguns dos lugares mais extraordinários do mundo além das paisagens de tirar o fôlego: eles mantêm distância segura das regiões urbanas, livrando-se dos riscos — ou benefícios, a depender do ponto de vista — do progresso. Ser considerado um local inóspito, portanto, é algo que pode ser bastante positivo, a despeito das dificuldades que o isolamento possa trazer. Na pandemia do novo coronavírus, a constatação nunca foi tão verdadeira. Com sua impressionante capacidade de propagação, o vírus da Covid-19 espalhou-se por quase todos os cantos do planeta. De aldeias na Índia ao sertão brasileiro, de comunidades geladas no Alasca às tribos africanas, quase nenhum território da Terra ficou livre de ser contaminado. Ressalte-se: quase nenhum. Há refúgios que permaneceram intactos, exatamente como estavam antes da pandemia. Isso é bom, mas nem tanto. Sem trocas com outros humanos, e principalmente sem o dinheiro dos visitantes, as economias podem entrar em colapso, o que impõe aos moradores uma escolha difícil: é melhor o isolamento total ou expor-se ao perigo da doença?

    A maior região do planeta livre do coronavírus abrange algumas ilhas e nações do Pacífico Sul, como as pequeninas Micronésia, Palau, Samoa, Tonga e Tuvalu. Além desses paraísos conhecidos pelas praias intocadas, o continente antártico também não contabiliza casos de Covid-19. É fácil entender os motivos. O primeiro deles é óbvio: a dificuldade de acesso. Encravadas no meio do oceano, as ilhas indevassadas — ou pelo menos a maioria delas — não têm sequer conexões com voos regulares. A segunda razão diz respeito à resposta imediata das autoridades. Palau, com apenas 18 000 habitantes, fechou em março as fronteiras e as portas de hotéis, restaurantes e lojas. A vizinha Tonga foi mais radical: no começo da pandemia, a ilha passou por um trancamento rígido, em que era proibido até sair de casa.

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    GALÁPAGOS - Isolamento: a falta de comida levou à reabertura da ilha – (Reisegraf/Shutterstock)

    Do ponto de vista da saúde, a estratégia funcionou. Agora, contudo, a conta começa a chegar. As ilhas do sul do Pacífico têm no turismo sua maior fonte de renda. Em Palau, o setor responde por 40% do PIB, uma das participações mais altas do mundo. Com o sumiço dos visitantes, o dinheiro também desapareceu. O resultado são níveis recorde de desemprego e, em alguns casos, até desabastecimento, já que o comércio com outras regiões também foi limitado. Nas Ilhas Marshall, imunes ao vírus até outubro, o maior desafio é a pesca. Barcos que visitaram regiões com infecções confirmadas foram proibidos de ancorar, enquanto os demais precisam esperar catorze dias no mar antes de aportar. Como resultado, as receitas geradas pela atividade caíram 30%, algo jamais visto.

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    A Antártica, com seus 14 milhões de quilômetros quadrados de neve e gelo, vive o que se pode chamar de isolamento dentro do isolamento. O continente, o único do globo sem coronavírus, recebe todos os anos milhares de cientistas de diversos países — inclusive brasileiros —, que passam pequenas temporadas para explorar a região. Em algumas bases, ninguém entra ou sai. Segundo Christine Wesche, coordenadora de logística do Programa Antártico da Alemanha, o principal objetivo é manter o vírus longe do gelo, e não serão medidos esforços para que isso aconteça. Ou seja: a observação astronômica, a investigação das mudanças climáticas e o estudo da vida animal, experimentos que deveriam estar em curso, serão adiados ou, em certos casos, feitos a distância, a partir de sensores remotos. Para os cientistas, é angustiante postergar pesquisas de valor inestimável, mas o risco de levar o vírus para o continente precisa ser evitado.

    Alguns símbolos ambientais não resistiram à chegada do vírus, mas ao menos conseguiram aliviar os danos causados por ele. É o caso das Ilhas Galápagos, no Equador, que serviram de inspiração para o naturalista britânico Charles Darwin conceber a teoria da evolução das espécies. Galápagos chegou a ter 100 registros oficiais de Covid-19, o que levou as autoridades a restringir a entrada de visitantes. Para o empresário Felipe Trujillo, dono do hotel Iguana Crossing Boutique, na Ilha Isabela, que faz parte de Galápagos, a decisão foi acertada, mas difícil de ser aceita pela comunidade. “O cenário era de cidade fantasma”, diz ele. “Em certo ponto, virou uma questão de vida ou morte: se a Covid-19 não nos matasse, a falta de comida mataria”, disse, destacando que os suprimentos de Galápagos vêm do continente. Enquanto a vacina não chegar, o que agora parece bem próximo, o dilema continuará atormentando os moradores desses refúgios. É o preço de ser um paraíso terrestre.

    Publicado em VEJA de 25 de novembro de 2020, edição nº 2714

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