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Nascido para mudar

Archie, o bebê que mistura as origens negras de Meghan ao sangue azul de Harry, veio ao mundo reforçando o choque de modernidade na Casa de Windsor

Por Lizia Bydlowski
Atualizado em 30 jul 2020, 19h47 - Publicado em 10 Maio 2019, 07h00

It’s a boy! Embrulhadinho em uma manta creme, a carinha pouco aparecendo (menos ainda o cabelo… e nunca se especulou tanto sobre um cabelo), pesando 3,2 quilos, Archie Harrison Mountbatten-­Windsor, o muito aguardado bebê de Harry e Meghan, os duques de Sussex, veio ao mundo às 5h26, quando clareava o dia 6 de maio. O primeiríssimo anúncio, começando exatamente pela informação de que era um menino, apareceu, muito modernamente, no Instagram do casal. Só horas depois foi divulgado de modo formal o nascimento, e o tradicional cavalete de apoio para o comunicado impresso foi montado no portão do Palácio de Buckingham, a casa da bisavó Elizabeth. Como prometeram implicitamente meses atrás, ao avisar que pretendiam tratar a chegada do primeiro filho como “assunto particular”, Harry e Meghan quebraram vários protocolos. Afinal, essa é mesmo a missão não escrita do mais heterodoxo dos casais na realeza britânica neste século XXI: romper barreiras, sem arranhar o encanto do conto de fadas.

Em vez da pose na porta do hospital, diante de uma multidão de fotógrafos e populares pacientemente na espera — o ritual que Kate e William repetiram à risca por três vezes, que Diana também cumpriu com seus dois filhos, e antes dela as mães e os pais da alta nobreza obedecem há quarenta anos —, Meghan e Harry apresentaram o filho ao mundo dois dias depois do nascimento no imponente St. George Hall, no Castelo de Windsor, a um pulinho de casa: eles moram em Frogmore Cottage, uma das residências do, digamos, condomínio. Sem aglomeração: Meghan, de vestido branco cinturado, sapato Louboutin salto 10, barriga ainda proeminente e rosto inchado do parto de anteontem, e Harry, de terno claro e carregando o bebê adormecido, falaram por alguns minutos diante de menos de dez repórteres, fotógrafos e cinegrafistas — entre eles, para muxoxo da imprensa inglesa, uma equipe da rede americana CBS. O pai acariciava seu embrulhinho (até então sem nome) com o polegar, a mãe alisava a touquinha de tricô, os dois riam sem parar e, ao irem embora, a mão dela cruzava as costas e pousava no ombro dele, em manifestações explícitas de carinho, pouco usuais entre as grossas paredes da residência real mais longamente ocupada em toda a Europa.

MISTURA FINA – Archie em família: bisavó rainha, avó descendente de escravos (Chris Allerton/SussexRoyal/Reuters)
(Arte/VEJA)

Como o duque e a duquesa de Sussex torcem o nariz para costumes “arcaicos” (a revelação é dos oniscientes tabloides), o anúncio do nome também foi no Instagram, junto com uma foto do bebê sendo mostrado, enrolado na mesma manta, na intimidade do castelo, à rainha e ao príncipe Philip, sob o olhar da avó materna, a americana descendente de escravos Doria Ragland. Antes disso, algumas horas depois do nascimento do bebê, Harry, de 34 anos, havia dado uma entrevista-­relâmpago em cenário inusitado, na estrebaria do castelo, à frente de dois cavalos negros em suas baias. O local sinalizou que a família estava acomodada no Frogmore Cottage, um casarão reformado de alto a baixo, a 40 quilômetros de Londres. A pergunta que não queria calar era: o parto tinha sido lá?

Sem que os dois interessados dissessem uma palavra, os tabloides, sempre eles, foram revelando nas últimas semanas que 1) Meghan dispensara o ginecologista da família real e decidira fazer o parto em casa, com parteira, na presença da mãe e de Harry; 2) a decoração do quarto não era nem azul nem rosa; e 3) a babá viria dos Estados Unidos, a terra natal da mãe. Como o local do nascimento não foi divulgado, coube de novo aos tabloides esclarecer que a data-limite passara (o previsto era o fim de abril. Segundo quem? Os tabloides) e, no domingo 5, a equipe de segurança de Meghan e Harry, discretamente, os levou a um hospital londrino, onde ela teve o bebê — sim, com Doria e Harry junto — e, pouco depois, voltaram todos para casa. Sempre alertas, os repórteres buscavam desesperadamente descobrir se o parto foi induzido. A questão ainda não tem resposta.

A rigor, o pequeno Archie não é um royal, o apelido carinhoso dado pelos súditos ao alto escalão da realeza. O rebaixamento na hierarquia ocorre por obra e graça do rei George V, autor das regras nobiliárquicas que governam a Casa de Windsor — aliás, também responsável por britanizar o sobrenome da família, que antes atendia pelo excessivamente germânico Saxe-Coburg and Gotha. Em 1917, a I Guerra Mundial destronara vários monarcas e uma legião de príncipes, duques e condes vagava pela Europa sem uma coroa para chamar de sua. Preocupado em preservar os títulos da alta nobreza para poucos, uma regra básica de sobrevivência, George V ordenou que na Grã-Bretanha só seriam príncipes e princesas, com direito ao tratamento de Sua Alteza Real, a prole do monarca, a dos filhos — só dos filhos — dele e, por fim, o filho mais velho do filho mais velho do herdeiro do trono.

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A primeira exceção à regra não tardou. Seu sucessor, George VI, só teve duas filhas, ambas — o.k. — princesas. Quando Elizabeth, a herdeira, ficou grávida, surgiu o problema: sendo mulher, seu bebê não seria Alteza Real. O rei mais que depressa mudou o decreto para ela, e só para ela, que viria a dar à luz três príncipes e uma princesa. Em 2012, Elizabeth fez a mesma coisa em relação à prole do herdeiro William, que tem hoje dois pequenos príncipes e uma princesinha em casa. Com Harry é diferente: ele é príncipe, mas seus descendentes, não. Archie pode vir a ser, quando a rainha enfim passar o bastão para Charles. Ele também tem direito a um título menor do pai ou, no mínimo, a um “master” ou “lorde” antes do nome. O anúncio no Instagram mostra que os pais não querem nada disso. Bastam Archie, tradicional nome inglês que mal aparecia nas casas de aposta (Alexander e Arthur eram os primeiros), Harrison, escolha mais americanizada que significa “filho de Harry”, e Mountbatten-Windsor, os nomes de família de Philip e Elizabeth.

Manter os filhos longe dos holofotes é preocupação constante tanto de Harry quanto de William, que viram a mãe-celebridade Diana ser seguida incessantemente por paparazzi e morrer de modo trágico, em um acidente de carro, tentando fugir deles. William, herdeiro de Charles, só mostra os pequenos George, 5 anos, Charlotte, 4, e Louis, 1, em ocasiões selecionadas. Mas a margem de manobra dos duques de Cambridge para burlar protocolos é muito menor que a de Harry, o príncipe estepe. Por isso, ele casou-se com Meghan, que é americana, divorciada, filha de mãe negra e pai branco (Thomas Markle, com quem ela não fala e que soube do nascimento do neto pelo noticiário) e ex-atriz de uma série de sucesso.

Esse casal que ninguém previa formar-se no coração da monarquia britânica, a mais rica, conhecida e popular do mundo, planta agora em seu meio o primeiro bebê inter-racial de raiz (a mãe da rainha Victoria teria algum sangue africano, mas nada que se compare à pele e aos dreadlocks da vovó Doria). Se Meghan já era um ícone, Archie virou símbolo de novos tempos nos redutos de imigrantes da Grã-Bretanha, que ainda é 67% branca, mas tem na comunidade multirracial a minoria que mais cresce no país. Ele terá dupla cidadania, britânica e americana, no que conta com a companhia de duas priminhas, filhas do neto mais velho de Elizabeth, Peter Phillip, com a canadense Autumn. E, se tudo der certo, será feminista, desejo manifestado por Meghan ainda na gravidez. Esse Archie promete.

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Publicado em VEJA de 15 de maio de 2019, edição nº 2634

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