Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Marcação cerrada: o teste do governador Gavin Newsom na Califórnia

Por lá, é possível eleger uma pessoa e, no meio do caminho, removê-la do cargo em um referendo

Por Caio Saad 11 set 2021, 08h00

Imagine eleger o prefeito, o governador, até o presidente, e, tempos depois, considerando que a pessoa não está fazendo o trabalho direito, ter ferramentas para tentar tirá-la do cargo e pôr outra no lugar — pelo voto. É exatamente o que vai acontecer na Califórnia: na terça-feira 14, os eleitores vão às urnas decidir se o governador democrata Gavin Newsom, que ganhou de lavada (62%) a eleição de 2018, fica ou vai embora. Mesmo que atraente, esse tipo de referendo, conhecido como recall, é bem pouco usado mundo afora, sendo os Estados Unidos seu palco mais frequente. Como tudo nos últimos tempos, o recall de Newsom caiu no fosso da polarização que divide o país ao meio, virou ponto de honra dos republicanos e está chacoalhando os meios políticos no estado mais consistentemente democrata de toda a federação.

A reclamação principal contra o governador é sua atuação na pandemia, que os promotores da ação consideram excessiva por haver imposto fechamento de escolas e negócios e rigoroso lockdown — aquelas medidas ancoradas em amplas evidências científicas que, mesmo assim, os negacionistas acham bobagem. Os críticos também condenam o grande aumento da população de rua, atribuído ao preço da moradia, e a projetos de Newsom em favor de imigrantes sem documentos. Pegou muito mal, ainda por cima, o jantar com lobistas de que ele participou em um restaurante estrelado, todo mundo sem máscara, em plena pandemia, quando convocava a população a não sair de casa.

Sendo o recall californiano o mais fácil de ser convocado, por exigir um número de assinaturas de apoio igual ou maior que 12% do comparecimento da disputa anterior, os republicanos, capitaneados pelo ex-policial Orrin Heatlie, se mobilizaram nas redes sociais para levar o projeto adiante — em meio à desmotivação geral do lado democrata. Beneficiado por uma extensão do prazo (por causa da Covid-19), o abaixo-assinado caminhou e o referendo virou realidade. Pior: as pesquisas — que, diga-se, já foram bem mais confiáveis — apontam pouca diferença nas intenções de voto. “O entusiasmo republicano é grande. Mas só um em cada quatro eleitores registrados no estado é do partido e, para ganhar, vão precisar dos independentes”, explica David McCuan, professor de política americana na Universidade Sonoma State, na Califórnia.

EM CAMPANHA - O democrata Newsom: apelos ao eleitorado desmotivado -
EM CAMPANHA - O democrata Newsom: apelos ao eleitorado desmotivado – (Jeff Chiu/AP/Image Plus)

No referendo, os eleitores respondem a duas perguntas: 1) se Newsom deve sair; e 2) se sim, quem deve sucedê-lo. São 46 esperançosos, todos amadores na política, e o favorito é o conservador Larry Elder, locutor de programas de rádio que já chamou o aquecimento global de “besteira” e acha que o valor do salário mínimo deve ser “zero vírgula zero zero”. Nascido na democracia da Grécia Antiga, o recall consta da legislação, federal ou regional, de diversos países como Argentina, Peru, Equador e Japão, mas é considerado, entre as práticas democráticas, a mais raramente usada. Na própria Califórnia, a única vez que um governador foi tirado do cargo se deu em 2003: o democrata Gray Davis foi substituído pelo ator Arnold Schwarzenegger, que daí deslanchou uma carreira política.

Continua após a publicidade

Preocupado com os números das pesquisas, o Partido Democrata convocou um pelotão digital para disparar meio milhão de mensagens por dia incentivando os eleitores a votar no dia 14. Californiana, a vice-presidente Kamala Harris marcou presença em um comício e Joe Biden também pode comparecer. “Não duvidem nem um segundo: este recall tem tudo a ver com a capacidade do Partido Democrata de manter o controle da Câmara dos Deputados em 2022. O ‘não’ será ouvido em alto e bom som não só no estado, mas no país inteiro”, alerta New­som.

Embora a Califórnia tenha 22 milhões de democratas registrados e aptos a votar e Biden tenha tido lá quase o dobro de votos de Donald Trump, o governador se ressente neste momento da má vontade de uma fatia essencial: os latinos, que compõem 30% do lado democrata e estão insatisfeitos com o desemprego e outros efeitos da pandemia, mais profundos na sua comunidade. “O recall da Califórnia é a coisa mais importante que acontece na política americana neste momento”, afirma o veterano estrategista Garry South. Neste fim de verão escorchante, com seca e incêndios florestais nunca vistos, uma crise política era só o que faltava na Califórnia.

Publicado em VEJA de 15 de setembro de 2021, edição nº 2755

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.