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‘Maior risco de guerra nuclear está na região do Paquistão’

Sul da Ásia é uma área que merece atenção internacional, tanto ou mais do que é dedicado hoje ao controverso programa nuclear do Irã, aponta especialista

Por Luís Bulcão
28 Maio 2012, 12h29

“Ninguém sabe ainda como lidar com essa ligação entre terrorismo e ação militar convencional que pode escalar em uma guerra nuclear. Não há precedentes.”

Na semana passada, o Irã sentou – mais uma vez – para dialogar com o Grupo 5+1 (os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU – Estados Unidos, Rússia, China, França e Grã-Bretanha – mais a Alemanha). O assunto – de novo – é o controverso programa nuclear do qual o regime de Mahmoud Ahmadinejad se recusa a abrir mão, o que aumenta o temor da comunidade internacional de que o país esteja prestes a desenvolver uma bomba atômica. Após dois dias de negociações, o resultado foi o mesmo de todas as conversas anteriores: nada resolvido, e a marcação de uma nova data para que a novela recomece. E no dia seguinte ao fim de mais essa tentativa de acordo, uma nova preocupação paira no ar. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) – a mesma que em novembro passado afirmou que o Irã está, sim, cada vez mais perto de fabricar uma arma nuclear – diz ter descoberto evidências de urânio enriquecido a um nível de pureza superior ao limite de 20%.

Mas enquanto o mundo volta suas preocupações à República Islâmica, uma outra região – tão ou mais perigosa – está sendo subestimada: o sul da Ásia, nos arredores do Paquistão. Essa é a percepção de um dos mais importantes cientistas políticos especializados no assunto, George Perkovich, diretor do Programa de Políticas Nucleares do Fundo Carnegie Endowment para a Paz Internacional, que esteve no Brasil para palestrar em um encontro promovido pela Fundação Getúlio Vargas. Ele diz que um possível ataque ao Irã não vai impedir o país de fabricar uma bomba e que teme um conflito entre Paquistão e Índia. “Ninguém sabe ainda como lidar com essa ligação entre terrorismo e ação militar convencional que pode escalar em uma guerra nuclear. Não há precedentes.” Confira, a seguir, os principais trechos da conversa:

George Perkovich
George Perkovich (VEJA)

Os Estados Unidos ameaçam, mas não parecem dispostos a bombardear o Irã. Por quê? Bombardear o Irã não é uma solução. Os líderes militares têm dito que podem destruir qualquer alvo que sejam capazes de identificar, mas isso não vai ser suficiente para resolver o problema no Irã. A preocupação agora é que Israel – e, particularmente, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o ministro da defesa Ehud Barak, dois homens que parecem ter um limite mais curto em relação ao que podem suportar do Irã – tem uma percepção diferente da dos EUA. Para eles, pode ser necessário empregar o uso da força contra o Irã antes que os EUA considerem realmente essa possibilidade. Esse é o grande desafio. Mas quanto aos EUA, não vejo interesse em um ataque preventivo agora.

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Como se posicionaria os Estados Unidos, caso Israel resolvesse atacar? É uma situação difícil. Mesmo que os EUA não apoiem um ataque israelense, terão de dizer ao Irã para não retaliar contra seus aliados – os sauditas, os Emirados Árabes, o Catar – nem contra nossas bases militares, e não atacar navios no Golfo. Porque se os iranianos fizerem qualquer coisa do tipo, os Estados Unidos terão de se envolver na guerra. Então, mesmo que o governo americano não dê apoio às ações de Israel, as retaliações do Irã podem levá-los à guerra. E é isso o que Israel quer.

Há outro meio de impedir o Irã de construir uma bomba? A principal forma de fazer com que o Irã não construa a bomba é reafirmar, como Ahmadinejad alega, que esse não é o objetivo do Irã. Segundo ele, o Irã não tomou a decisão de fabricar uma arma nuclear. O que o país quer é ter a capacidade para dar a si a opção. O programa iraniano começou após Saddam Hussein bombardear o país com armas químicas, nos anos 1980. A motivação é que qualquer país iria pensar duas vezes antes de atacar um Irã capaz de construir uma bomba nuclear e retaliar. Acho que a principal maneira de pará-los é não ameaçar invadí-los e assegurar, em primeiro lugar, que seus vizinhos, e então os Estados Unidos, não são ameaças e que eles não precisam de armas nucleares. Acho que isso é possível. As sanções são muito importantes para aumentar os preços dentro do Irã e fazer com que seus líderes escolham com cuidado as suas prioridades.

Instalações da usina nuclear de Bushehr, ao sul de Teerã
Instalações da usina nuclear de Bushehr, ao sul de Teerã (VEJA)

Em quanto tempo o Irã poderia construir uma arma atômica? Nem mesmo os técnicos e serviços de inteligência fazem estimativas não tão claras. Acho que o Irã pode chegar lá em menos de dois anos agora. Então, é necessário buscar acordos que limitem o nível de enriquecimento de urânio e aumente a transparência e o acesso das inspeções, e também fazer com que o Irã se comprometa a não fazer certos experimentos relacionados à construção da bomba. Há experimentos relacionados à geração de energia, mas há testes específicos, como implodir metais. Isso você faz quando quer construir armas nucleares. Se você atingir um acordo com tudo isso e se o Irã violar esse acordo, você terá o aviso: “Ok, agora eles estão fazendo armas nucleares”.

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É nesta região onde mora o risco de uma guerra nuclear hoje em dia? O maior risco está no sul da Ásia, na região do Paquistão. A Índia foi atacada por terroristas em 2001 e em 2008. Os ataques vieram de grupos do Paquistão. Se houver outro ataque, haverá pressão por retaliação por parte da Índia. O Paquistão diz que se isso acontecer, vai usar armas nucleares. Ninguém sabe ainda como lidar com essa ligação entre terrorismo e ação militar convencional que pode resultar em uma guerra nuclear. Não há precedentes.

Você acredita que o Paquistão esteja tomando as medidas necessárias para prevenir ataques isolados contra a Índia? Não. E os paquistaneses reconhecem isso. Se estivessem fazendo o suficiente, o problema seria absorvido. O Paquistão e seus serviços de inteligência claramente têm uma estratégia de manter esses pequenos grupos operando para projeções no Afeganistão. No final das contas, isto está enfraquecendo o Paquistão, porque alguns desses grupos estão se voltando contra o país. Mas é evidente que o Paquistão não está fazendo o que pode para combater esses grupos.

Que medidas os EUA estão tomando em relação a isso? Os Estados Unidos têm diversos objetivos. De um lado, precisamos do apoio da inteligência paquistanesa para levar suprimentos para operações no Afeganistão. Isso limita o poder de exigir o combate a esses grupos dentro do país. Haverá maior capacidade de lidar com o problema após a retirada das tropas do Afeganistão, em 2014. Mas, no final das contas, você não pode interceder tanto. O Paquistão deve escolher por suas próprias razões não tolerar esses grupos, que estão levando o Paquistão à ruína. Os paquistaneses devem se rebelar contra isso e os EUA não podem forçá-los. Além disso, o governo americano perdeu muita legitimidade no Paquistão. Nosso poder lá é limitado.

É possível sonhar com um mundo sem armas nucleares? Desde 1945, armas nucleares não foram utilizadas. Há uma consciência em crescimento de que há apenas uma coisa que as armas nucleares são capazes de fazer: impedir que alguém invada o seu território. Mas você não pode usar essas armas para fazer com que alguém faça algo que não quer fazer, não pode usá-las para resolver problemas regionais. Elas não o tornam rico, não fazem a sua população feliz. Com o tempo, podemos reduzir o apelo por armas nucleares. Guerras entre superpoderes não levam a nada. Na II Guerra Mundial vimos isso. O Japão e Alemanha perderam. As pessoas vão perder interesse por armas nucleares à medida que essa consciência cresce. À medida que o poder é distribuído internacionalmente, podemos sonhar, sim. As coisas que você precisa fazer para tornar possível um mundo sem armas nucleares são coisas que deveríamos estar fazendo de qualquer forma: temos que construir confiança entre Índia e Paquistão, estabilizar a relação entre Taiwan e China, assegurar à Rússia que a Otan não vai atacá-la. São coisas que deveriam ser perseguidas porque tornariam o mundo um lugar melhor, de qualquer maneira. O resultado poderia ser um mundo também sem armas nucleares.

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