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Joe Biden renova esperanças dos moderados de derrotar Trump

Pré-candidato ressurge das cinzas na Superterça e passa Bernie Sanders em número de delegados

Por Ernesto Neves Atualizado em 4 jun 2024, 14h35 - Publicado em 6 mar 2020, 06h00
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  • Campanhas eleitorais são sempre um prato cheio para reviravoltas inesperadas, e a que acaba de acontecer nos Estados Unidos entra no rol das espetaculares. No sábado 29, contabilizados os resultados dos três primeiros estados a escolher seus delegados à convenção que vai definir o candidato democrata à Presidência, Joe Biden amanheceu como cachorro quase morto, atropelado pelo avanço triunfal de Bernie Sanders. No alvorecer da quinta-feira 5, era Biden quem erguia os braços, vitorioso, com 670 delegados, segundo projeção do New York Times, 81 a mais que Sanders. No curto intervalo de três dias, duas rodadas de primárias fizeram a corrente mudar.

    Na Carolina do Sul, Biden ganhou de lavada e provou que ainda tinha bateria para seguir na disputa. Foi o sinal para que a máquina partidária se mobilizasse a seu favor, dois pré-candidatos saíssem da disputa e lhe manifestassem apoio e a notória maioria silenciosa, ávida por um moderado com chances reais de ganhar a eleição, se animasse a ir votar na data que realmente importava: a Superterça 3, em que catorze estados escolheram seus delegados. As estatísticas comprovam essa movimentação: dos eleitores que decidiram na última hora, 47% cravaram Biden e apenas 17% votaram em Sanders. “Biden claramente consolidou o voto moderado e saiu da Superterça como favorito”, diz Zachary Peskowitz, cientista político da Emory University, em Atlanta.

    Democratic 2020 U.S. presidential candidate Sanders rallies with supporters in Salt Lake City, Utah
    FREADA BRUSCA - Sanders: um balde de água fria, depois do começo triunfal (Jonathan Ernst/Reuters)

    Com essa façanha, Biden, de 77 anos, recuperou o favoritismo do início do ano passado, que foi perdendo com derrapadas de memória, falta de propostas concretas e, entre janeiro e fevereiro, três derrotas consecutivas em primárias. Na derrocada também foi perdendo doadores, enquanto Sanders, na base apenas de pequenas contribuições, virava uma máquina de arre­cadação. A Superterça foi sua redenção. Ganhou em dez estados, em alguns não fez campanha na TV nem pisou recentemente. Levou o cobiçado Texas, recheado de delegados, contrariando as previsões. Venceu em Massachusetts, berço eleitoral de Elizabeth Warren, outra adversária de esquerda que chegou a empolgar mas que, na quinta-feira 5, anunciou que deixaria a corrida. Chegou em primeiro na Virgínia, um crucial swing state (por se alternar entre republicanos e democratas). Ainda recebeu o apoio de Michael Bloomberg, que, decepcionadíssimo, deixou o páreo. O bilionário ignorou as primárias anteriores e investiu mais de 500 milhões de dólares em uma estreia triunfal na Superterça. Saiu dela com doze delegados e uma vitória irrelevante na possessão americana nas Ilhas Samoa.

    Com a disputa democrata reduzida a dois pré-candidatos, a campanha se acirra, a oito meses da eleição (aqui faltam dois anos, mas não parece, como aponta a coluna de Murillo de Aragão, ao lado). Sanders está longe de ser carta fora do baralho: ganhou na Califórnia, onde 415 delegados estavam em jogo, e tem pela frente quase todo o Oeste americano, com larga concentração de latinos, que, ao lado dos jovens, formam boa parte do seu eleitorado (veja a comparação à esq.). Já Biden, além de mais palatável, é visto como tendo maior chance de vencer Trump — ainda que o fantasma das artes do filho Hunter na Ucrânia deva voltar a assombrá-lo (leia o quadro na pág. 66). Nas pesquisas, o presidente é reprovado por 52% da população, porém o agregador de apostas Odds Checker calcula que ele tenha 60% de probabilidade de ganhar um segundo mandato, talvez não no voto popular, mas no Colégio Eleitoral — o fantasma do Partido Democrata. Foi nessa reta final, em que o que conta é a vantagem em cada estado, que Trump venceu Hillary Clinton em 2016, mesmo tendo ela 3 milhões de votos a mais.

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    AH, ESSES FILHOS PROBLEMÁTICOS

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    VIDA ATRIBULADA - Hunter: drogas e romance com a viúva do irmão (Paul Morigi/Getty Images)

    Nem bem Joe Biden começava a colher os louros da vitória, senadores republicanos já se moviam para convocar seu filho Hunter a depor. Assunto: um assento no conselho diretor da Burisma, a enrolada companhia de gás da Ucrânia. Soa familiar, e é — esse emprego detonou a pressão de Donald Trump sobre o colega ucraniano, Vladimir Zelensky, para que desencavasse irregularidades dos Biden no país, justificativa para um pedido de impeachment que acabou rejeitado. Advogado de 50 anos, Hunter Biden tem uma queda por conselhos empresariais: além da Burisma, atuou em uma companhia romena e em outra chinesa. A vaga na Burisma foi obtida em 2014, ano em que o então vice Biden foi enviado à Ucrânia para ajudar o governo — a pedido do próprio — em uma campanha anticorrupção. A esperança da tropa de choque trumpista é trazer para a discussão alguma indicação de que Biden pai deu um empurrãozinho na nomeação de Biden filho e de que a real função deste era facilitar o acesso da empresa a autoridades americanas — uma pedra, até agora não comprovada, no telhado de vidro do filho-problema do senador.

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    Robert Hunter Biden tem uma longa ficha corrida de abuso de drogas e álcool. Foi expulso das Forças Armadas por usar cocaína e já passou por “sete ou oito” rehabs. Credita seus problemas, em parte, à perda da mãe e de uma irmã em um acidente de carro quando tinha 2 anos. Em 2015, o irmão mais velho, Beau, morreu de câncer no cérebro, e ele desabou. “Fiquei viciado em crack”, contou recentemente. Mesmo assim, deu uma sacudida na vida amorosa. Acabou um casamento de vinte anos e engatou um romance com a viúva do irmão (não necessariamente nessa ordem), que encerrou para se casar em maio com a sul-africana Melissa Cohen, que está grávida. Em janeiro, outra bomba: o pagamento de pensão para a mãe de um filho seu, de 1 ano e meio. Atualmente desempregado, mas, pelo jeito, muito bem de vida, Hunter Biden mora em uma mansão em Los Angeles e se dedica à pintura de telas abstratas.

    Publicado em VEJA de 11 de março de 2020, edição nº 2677

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