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Itália e Suécia apontam para ascensão do ultraconservadorismo na Europa

A vitória da neofascista Giorgia Meloni na Itália e de neonazistas na Suécia comprovam a tendência

Por Caio Saad 1 out 2022, 08h00

Palco principal dos horrores da II Guerra, a Europa durante décadas praticamente aboliu o nazismo e o fascismo do rol dos assuntos palatáveis, limitando sua menção, no máximo, à condenação de atos do passado. A onda conservadora que se espalha pelo planeta, no entanto, está mudando esse estado de coisas. O ponto mais alto da transformação até agora se deu na Itália, terceira maior economia da União Europeia: com 26% dos votos, mais do que qualquer outro, o partido Irmãos da Itália, originário do movimento neofascista, venceu as eleições para o Parlamento e alavancou sua líder, a veemente e magnética Giorgia Meloni, para o cargo de primeira-ministra — nas palavras dela, a “redenção” daqueles que “passaram décadas baixando a cabeça”. Pouco antes, outro líder da extrema direita, o sueco Jimmie Akesson, havia alçado sua legenda ao posto de segunda maior do país, conquistando lugar na nova coalizão de governo e ajudando a comprovar o que muitos relutavam até então em enxergar: que o ultraconservadorismo voltou a ter voz ativa na Europa.

Os primeiros passos ideológicos de Meloni, 45 anos, se deram no âmbito do Movimento Social Italiano (MSI), criado no pós-guerra para preservar os ideais fascistas e dissolvido nos anos 1990. Ela cresceu e apareceu entoando lemas de nacionalismo extremado e insurgindo-se contra o euro e a União Europeia. Em nome de “Deus, pátria e família”, o moto de Benito Mussolini e de seu partido, discursa com convicção contra o aborto e ameaça reverter o direito ao casamento gay. Mas o grosso de sua ultraconservadora artilharia — como, de resto, a de toda a extrema direita europeia — volta-se para os imigrantes. Meloni defende a ideia de que se instale um “bloqueio naval” no Mediterrâneo para impedir que botes de desesperados atraquem nos portos italianos e dissemina a ilusória teoria de uma conspiração em marcha para fazer dos brancos cristãos uma minoria na Europa.

DESVIO - Akesson: neonazista no poder no berço da social-democracia -
DESVIO - Akesson: neonazista no poder no berço da social-democracia – (Jonas Ekstromer/AFP)

Trilhando a conhecida rota “paz e amor” pré-eleições, nos últimos tempos, Meloni suavizou o tom, pediu moderação aos apoiadores nos comícios e tentou sair da trincheira radical. “Partiu dos italianos a clara indicação de que a centro-direita deve guiar a Itália”, proclamou no discurso de vitória. Nessa versão “Meloninha”, ela reduziu as críticas à UE, admitiu que Mussolini e o fascismo prejudicaram a Itália e postou-se firmemente do lado da Ucrânia contra a invasão russa, esse um ponto de discórdia com seus parceiros de coalizão, Matteo Salvini, da Liga, e Silvio Berlusconi, da Força Itália, ambos admiradores de Putin — Berlusconi acaba de afirmar que a Rússia atacou para colocar “pessoas decentes” no governo de Kiev. A nova coalizão de extrema direita italiana ainda demora a assumir o governo (provavelmente no fim de outubro ou começo de novembro), mas já é amplamente vista como um perigo para a unidade e a democracia na UE.

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A Suécia, berço da social-democracia e seus ideais de igualdade e bem-estar, parece ecoar a virada italiana, ao derrapar para a extrema direita: “É hora de o povo nos dar a chance de fazer a Suécia grande novamente”, bradou, sorridente e aplaudidíssimo, Akesson, líder do Partido dos Democratas Suecos (que de democrata não tem nada, ancorado em discurso neonazista), emulando o bordão de Donald Trump, o guru da direita radical. A legenda levou pouco mais de 20% dos votos — uma espécie de patamar mágico do ultraconservadorismo europeu —, e a primeira-ministra Magdalena Andersson, há menos de um ano no cargo, renunciou, abrindo caminho para uma aliança de direita chefiada por Ulf Kristersson, do direitista Partido Moderado.

MODELO - Orbán sendo condecorado por Vucic na Sérvia: o pregador de uma celebrada “democracia iliberal” -
MODELO - Orbán sendo condecorado por Vucic na Sérvia: o pregador de uma celebrada “democracia iliberal” – (Andrej Isakovic/AFP)

A campanha do Democratas Suecos se concentrou em três temas: a inflação de 9% (a maior desde 1991), a alta da criminalidade e, pairando acima desses dois problemas, a sempre demonizada imigração “desenfreada”. Com um histórico de acolhimento de refugiados políticos, a Suécia recebeu mais imigrantes per capita do que qualquer outro país europeu na crise migratória de 2015, sendo a maioria deles de países muçulmanos. Segundo analistas, os sociais-democratas, há oito anos no poder, fizeram pouco para assimilar os imigrantes, abrindo espaço para a direita atribuir a eles a disparada na criminalidade. “A questão da lei e da ordem se tornou peça central nesta eleição”, explica Anamaria Dutceac Segesten, professora de relações internacionais na Universidade de Lund, na Suécia.

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O triunfo da extrema direita no ninho da social-democracia europeia ecoou pelo continente. “Em todos os pontos da Europa as pessoas querem retomar o controle de suas vidas”, celebrou a musa da direita francesa Marine Le Pen, que neste ano disputou a Presidência com Emmanuel Macron e perdeu, mas elegeu a terceira maior bancada da Assembleia Nacional. Partidos desse espectro já integraram coalizões governistas na Finlândia e na Áustria e estão na corrida na Espanha, Holanda e Alemanha. “Mesmo que seu apoio parlamentar ocorra fora do governo, eles acumulam um poder de veto significativo”, diz Göran von Sydow, diretor do Instituto Sueco para Estudos de Políticas Europeias.

BANDEIRA - Refugiados no Mediterrâneo: culpados por todos os males -
BANDEIRA - Refugiados no Mediterrâneo: culpados por todos os males – (Francisco Seco/AP Photo/Image Plus)

Le Pen foi das primeiras a cumprimentar Meloni. “O povo da Itália decidiu tomar as rédeas de seu destino, elegendo um governo patriótico e nacionalista”, elogiou. Também choveram parabéns do ultraconservador Mateusz Morawiecki, primeiro-ministro da Polônia, e do húngaro Viktor Orbán, prócer da “democracia iliberal” no qual Meloni se espelhava antes da amolecida ideológica das últimas semanas. Recentemente condecorado por seu parceiro nacionalista Aleksandar Vucic, presidente da Sérvia, Orbán, no poder há quatro mandatos, lidera um governo autoritário com tamanha lista de desmandos que a União Europeia declarou recentemente não poder mais considerar a Hungria uma democracia plena. Com os reforços agora de Meloni e Akesson, a linha de frente do conservadorismo se instala, com armas e bagagens, no tabuleiro político europeu, com planos de se espalhar cada vez mais.

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Publicado em VEJA de 5 de outubro de 2022, edição nº 2809

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