Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

Irlanda: como o braço político do IRA ganhou a eleição

Durante quase um século, o Sinn Féin foi uma sigla nanica acorrentada ao estigma de sua ligação com terroristas; agora, ela venceu

Por Ernesto Neves Atualizado em 4 jun 2024, 14h51 - Publicado em 14 fev 2020, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Os irlandeses são um povo de longa e bem preservada memória. Há quase um século, desde que dois terços de sua ilha se separaram da Grã-­Bretanha para formar a República da Irlanda, dois partidos quase iguais, o Fianna Fáil e o Fine Gael, se revezam no poder, ambos vindos da ala do movimento separatista que aceitou a exigência britânica de manter uma faixa de terra, a Irlanda do Norte, sob seu controle. Os militantes do contra, por seu lado, formaram o Sinn Féin, que viria a se tornar o braço político do temido Exército Republicano Irlandês (IRA), um grupo terrorista que durante quase três décadas promoveu atentados a bomba que mataram cerca de 3 500 pessoas. Um acordo de paz pôs fim às ações violentas em 1998 e, sete anos depois, o IRA formalmente depôs as armas e foi extinto. Nada disso mudou o estado das coisas na política irlandesa.

    A centro-direita continuou a governar, ora com um, ora com outro partido, e o Sinn Féin, mais à esquerda, seguiu amargando o estigma da ligação com os radicais do IRA e a posição de nanico entre as agremiações. De repente, a reviravolta: na eleição de sábado 8, o Sinn Féin surpreendeu todo mundo e saiu vencedor, com 24,5% dos votos. “Ele se beneficiou sobretudo dos votos dos jovens que não eram nascidos no período em que o IRA atuava e, portanto, não lhe fazem tanta restrição”, diz Niamh Hardiman, professora de ciências políticas da University College Dublin.

    O principal fator apontado para a derrota dos partidos tradicionais é a escassez de moradias por que passa a Irlanda. Depois de mergulhar em uma profunda crise econômica em 2009, o país se recuperou e progride como poucos na Europa, mas esse aquecimento resultou em um salto dos aluguéis de até 40% nos últimos três anos e em um aumento constante no número de sem-­tetos — que o Sinn Féin promete amenizar investindo imediatamente 6,5 bilhões de euros na construção de 100 000 casas. O sistema de saúde, um orgulho nacional, foi afetado pelo corte de custos do governo e está sobrecarregado. Por fim, a concretização do Brexit não prevê como a fronteira entre a Irlanda (que é da União Europeia) e a Irlanda do Norte (que deixou de ser) permanecerá sem controle algum — uma cláusula do acordo de paz. Esse cenário fez aumentar a insatisfação com os políticos no poder.

    O Parlamento acabou dissolvido em janeiro, após uma moção de desconfiança contra o gabinete do primeiro-ministro Leo Varadkar, gay e filho de indianos que prometeu um governo de avanços nos costumes e nos direitos e acabou engolido pela deterioração geral do padrão de vida. No outro lado do ringue, o Sinn Féin se tornou mais palatável quando o líder Gerry Adams, político sobre o qual pairam suspeitas de ter atuado na direção do IRA (ele sempre negou), afastou-se e foi substituído por Mary Lou McDonald, de 50 anos, que deu cara nova e moderna ao partido.

    IRA-ATENTADO-1981
    VIOLÊNCIA – Belfast em guerra em 1981: bombas do IRA causaram 3 500 mortes (./AFP)
    Continua após a publicidade

    Surpreendido pelo próprio sucesso, o Sinn Féin não apresentou candidatos suficientes para obter maioria no Parlamento e ficou com uma cadeira a menos que o Fianna Fáil (22% dos votos), que estava na oposição. O Fine Gael de Varadkar acabou em terceiro, com 21% dos votos. Começa agora a dura negociação para que se alcance uma coalizão que permita a algum partido assumir o governo. Nada garante que o Sinn Féin será bem-sucedido nessa empreitada, mas, se for, é certo que a reunificação voltará à pauta. “O Brexit complicou o status da Irlanda do Norte, onde 56% do povo votou por permanecer na UE”, diz Simon Fraser, ex-ministro britânico das Relações Exteriores. Em pesquisa recente, 51% dos norte-irlandeses disseram que acham melhor unir-se à república do que acompanhar o Brexit — o maior nível de aceitação da unificação em 100 anos. Na Irlanda, dois terços da população apoiam a ilha unificada. Mesmo que a formação do novo governo acabe nas mãos de um partido tradicional, a vitória do Sinn Féin veio mostrar que o país das memórias imutáveis entra, definitivamente, em um novo tempo.

    Publicado em VEJA de 19 de fevereiro de 2020, edição nº 2674

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Semana Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    Apenas 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

    a partir de 35,60/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.