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Horror na Páscoa

Reivindicado pelo EI, o mais sanguinário ataque terrorista no antigo Ceilão deixou vários mortos e trouxe à tona o extremismo latente nos países asiáticos

Por Kátia Mello
Atualizado em 30 jul 2020, 19h49 - Publicado em 26 abr 2019, 07h00

Mulheres agarradas a caixões, choro e reza. Mais de 1 000 cingaleses participaram na terça-feira 23 de um funeral coletivo em um cemitério especialmente preparado na Igreja de São Sebastião, na cidade costeira de Negombo, onde uma centena de católicos foi morta durante a missa no Domingo de Páscoa. A carnificina que deixou o Sri Lanka em luto somava ao menos 250 mortos até a quinta-feira 25, entre os quais 45 crianças e 39 estrangeiros, e cerca de 500 feridos. Eles foram vítimas de seis explosões praticamente simultâneas que atingiram em cheio quatro hotéis de luxo e três templos lotados na capital, Colombo, e nas cidades de Negombo, Katana e Batticaloa. Trata-se do pior atentado em um único dia no antigo Ceilão, assombrado há décadas pela violência sectária. Os terroristas tinham um alvo certeiro: a minoria cristã. Na população de 21 milhões de pessoas, de maioria budista, os cristãos são 7,3%; outros 9,7% são muçulmanos.

Dois dias depois da barbárie, o Estado Islâmico (EI) reivindicou a responsabilidade pelo massacre, colocando-se como agente insuflador da chama do sectarismo religioso, sempre latente em diversas nações asiáticas. Não foi a primeira vez. O grupo terrorista, que atacou o Ocidente em anos recentes, tem se empenhado em arregimentar extremistas simpatizantes da sua causa em áreas conflagradas do continente, como focos rebeldes em Bangladesh, nas Filipinas, na Índia e no Paquistão. “A movimentação do Estado Islâmico pela Ásia não é coisa de agora, já acontece há algum tempo”, diz Michael Kugelman, vice-diretor do Departamento de Ásia no Wilson Center, em Washington. Kugelman também refuta a hipótese, levantada por membros do governo do Sri Lanka, de que a mortandade da Páscoa seja uma represália ao atentado contra duas mesquitas que matou cinquenta pessoas na Nova Zelândia em março. “É impossível planejar um ataque dessas proporções, com tantos detalhes, em um mês”, afirma.

Segundo Hassan Hassan, um dos autores do livro Isis: Inside the Army of Terror (Isis: por Dentro do Exército do Terror), os grupos jihadistas sunitas, dos quais o Estado Islâmico faz parte, perderam território na Síria e no Iraque (o “califado” do EI na região foi varrido do mapa) e transferiram o alistamento e o treinamento de extremistas para outros pontos de sua extensa rede internacional. Os primeiros locais onde voltaram a erguer a cabeça, reivindicando atos terroristas, foram justamente na Ásia — nunca, porém, com a devastadora crueldade das explosões no Sri Lanka. Nesse contexto, tanto analistas quanto as autoridades cingalesas não descartam novos ataques, com uma consequência potencialmente arrasadora: a deflagração de mais uma rodada de violência étnico-­religiosa em um país que alcançou a paz em 2009, depois de 26 anos de rebelião separatista da minoria tâmil, hinduísta. Os Tigres da Libertação, nome de seu grupo terrorista, são considerados os inventores dos homens-­bomba. Segundo estimativa da ONU, mais de 40 000 civis morreram nos últimos meses de conflitos.

O presidente Maithripala Sirisena foi duramente criticado por demorar a divulgar detalhes sobre os atentados. Mostrou, em contrapartida, máxima presteza em cortar os serviços de internet no país, sob a alegação de que queria impedir que os terroristas se comunicassem. Os mais prejudicados foram os familiares das vítimas, que tiveram grandes dificuldades em obter informações. Sirisena atribuiu a execução dos atentados a um pouco conhecido grupo local, o National Thowheeth Jama’ath (NTJ), com o suposto apoio do movimento radical islamita Jammiyathul Millathu Ibrahim (JMI), da Índia. Ambos atuariam sob a influência do EI.

DESTRUIÇÃO –  Interior de uma igreja atacada: o alvo eram os católicos (Dinuka Liyanawatte/Reuters)

Manchou ainda mais a imagem das autoridades cingalesas o fato de três alertas sobre a iminência de um ataque terrorista no país terem sido emitidos. Os Estados Unidos foram os primeiros a lançar o sinal vermelho, no começo do mês. Da Índia partiram dois avisos de que uma ação estava sendo planejada contra igrejas, um na véspera das explosões e o outro duas horas antes. Mas nada foi feito. Aparentemente, a inação decorre da hostilidade entre o grupo político do presidente e o do primeiro-ministro Ranil Wickremesin­ghe. Ambos alegaram que as informações não chegaram a eles. Sessenta suspeitos de ligação com os atentados foram presos e, na quarta-feira 24, Siri­sena anunciou uma reestruturação da segurança no país.

De acordo com as investigações, oito homens-bomba e uma mulher-bomba executaram os ataques nas igrejas e nos hotéis. A agência de notícias do EI divulgou um vídeo dos supostos jihadistas, todos com o rosto coberto, exceto um, identificado como Mohammed Zaharan, que seria o líder da ação. Pelo menos parte dos suicidas vinha de famílias de classe média e alta. Um deles formou-se na Inglaterra e fez pós-graduação na Austrália. Os irmãos Inshaf e Ilham Ibrahim eram filhos de um importante empresário em Colombo. Em seguida aos atentados, a comunidade muçulmana no Sri Lanka passou a ser alvo de insultos e agressões por parte de grupos de populares, nas ruas e nas lojas. Neste momento, ninguém fala em paz na ilha das especiarias.

Publicado em VEJA de 1º de maio de 2019, edição nº 2632

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