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Herdeira de Fujimori pretende retomar projeto político do pai

Apesar de o ditador ter sido condenado por assassinato e ser acusado de corrupção, nome da família é forte entre os mais pobres e nas zonas rurais

Por João Marcello Erthal, de Lima
20 out 2010, 08h21

“Meu pai e eu nos encontramos uma vez por semana. Ele me dá conselhos, mas nem sempre concordamos”

Do canto da sala, com sorriso congelado em bronze, um busto de Alberto Fujimori observa a mesa de reunião. A imagem do ditador condenado a 25 anos de prisão pelo assassinato de rebeldes do Sendero Luminoso e acusado de crimes como o desvio de 15 milhões de dólares está em cada cômodo do gabinete da bancada fujimorista no Congresso Nacional do Peru. Reclinada sobre uma destas estátuas, Keiko Fujimori – herdeira de sangue e votos do ex-presidente – também sorri diante dos resultados das últimas pesquisas de intenção de votos para as eleições presidenciais do país, que serão realizadas em abril de 2011.

Com uma plataforma populista semelhante à do pai e forte apelo nas zonas rurais, a candidata aparece em primeiro lugar nessas pesquisas, praticamente empatada com o atual prefeito de Lima, Luis Castañeda. Mas a disputa será acirrada. Outros dois adversários – Alejandro Toledo e Ollanta Humala – estão cerca de 10 pontos percentuais atrás dos primeiros candidatos.

Para o escritor peruano Mario Vargas Llosa, a pequena vantagem de Keiko é ilusória. Adversário de Alberto Fujimori nas eleições de 1990, ele diz que a família tam grande rejeição entre os peruanos. “Para o país, seria uma catástrofe total que o segundo turno da eleição fosse entre Humala e Keiko Fujimori. Mas acho essa possibilidade muito remota. Hoje, creio que Castañeda e Toledo são os nomes mais viáveis”, disse Llosa, em passagem pelo Brasil.

No dia em que o escritor recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, Keiko deu a seguinte entrevista ao site de VEJA.

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As recentes pesquisas sobre intenção de votos para as eleições presidenciais do Peru apontam o seu nome com uma ligeira vantagem. A que a senhora atribui esse desempenho?

Acredito, em primeiro lugar, que há uma memória positiva, uma gratidão pelas realizações do meu pai. Nosso país teve um grave problema de terrorismo que foi praticamente derrotado no governo Fujimori. Tínhamos uma economia problemática, e foi meu pai quem conseguiu conter a inflação, inserindo o país na comunidade financeira internacional. Ele também deixou obras importantes, com impacto muito positivo em comunidades espalhadas por todo o Peru. Em segundo lugar, temos no partido que formei, o Força 2011. Este grupo tem uma equipe técnica séria, preparada, que tem demonstrado capacidade de ação para enfrentar os problemas que a população peruana enfrenta hoje. E, em terceiro, apesar de ser feio falar de mim mesmo, digamos que também tive um trabalho importante no período em que meu pai foi presidente. Quando ele se separou da minha mãe, assumi o cargo de primeira-dama. Ocupei esta posição por seis anos e na última eleição fui a deputada mais votada do país.

Imagens de Alberto Fujimori no gabinete
Imagens de Alberto Fujimori no gabinete (VEJA)

Mas o sobrenome Fujimori também está associado à corrupção e à ditadura. Como pretende enfrentar isso na campanha?

A população do Peru sabe que me posicionei contra a terceira reeleição de meu pai. Esta é uma prova incontestável de meu compromisso com a democracia. Pedi publicamente que o povo se pronunciasse sobre a possibilidade de meu pai participar ou não de uma eleição.

Com relação à corrupção, que atacou todos os governos e, sem dúvida, também o de meu pai, fui uma das poucas pessoas no fujimorismo que pediu publicamente a saída de Vladimiro Montesinos (ex-assessor de Alberto Fujimori que, como o ex-presidente, foi condenado este ano pela chacina de 15 pessoas em 1991) . Isso causou muito incômodo no governo na época, mas defendi minha posição.

Na última pesquisa, em uma pergunta sobre que candidato tem mais condições de enfrentar a corrupção, fiquei em segundo lugar (o candidato Humalla ficou em primeiro). A população do Peru sabe que sempre tive atitude transparente, inclusive quando enfrentei meus processos. Acredito, portanto, que essa atitude contra a corrupção está clara para a população do Peru.

Qual será a missão do próximo presidente do Peru?

Meu país passa por um momento econômico extraordinário. Enfrentamos a crise financeira internacional de forma bastante satisfatória e mantivemos nossas contas no azul. A política macroeconômica do presidente Alan Garcia é boa, e este ano cresceremos 8,5%, uma marca extraordinária na região. Mas temos um grande problema: 30% do país estão na pobreza. São mais de 10 milhões de peruanos que vivem em situação de muita necessidade.

O próximo presidente terá que diminuir a desigualdade, incrementar a infraestrutura e aumentar as oportunidades para o país. Manter a economia nesse rumo é necessário, mas as políticas sociais devem ser muito mais dinâmicas, mais eficientes, para transformar os recursos que chegam ao Peru em benefícios concretos para a população.

Incluir a população pobre nos benefícios do desenvolvimento econômico não é algo fácil nem rápido. Por onde um governo Keiko Fujimori começaria a enfrentar a pobreza?

O governo Furjimori criou um programa chamado Foncodes (Fundo Nacional de Compensação e Desenvolvimento Social). Consistia em empregar orçamentos relativamente baixos, de 5 mil ou 10 mil dólares, em obras que tinham grande impacto nas comunidades. Por exemplo, canais de irrigação em áreas agrícolas, ou pontes, ou simplesmente escolas e postos médicos.

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O Foncodes fez milhares de obras e foi premiado pelo Banco Mundial em 2003, quando meu pai já não era presidente, como um dos programas de maior impacto contra a pobreza. Temos no Peru, portanto, um programa reconhecido por organismos internacionais, que funcionou bem, mas foi abandonado pelo simples motivo de lembrar o nome Fujimori. O que penso, obviamente, é retomar estas ações, levando em conta que hoje temos o dobro do orçamento de 1999.

Referências ao ditador estão por toda a parte no gabinete da bancada fujimorista
Referências ao ditador estão por toda a parte no gabinete da bancada fujimorista (VEJA)

Como é a participação de seu pai na campanha e no seu programa de governo?

Nós nos encontramos uma vez por semana. Ele me dá conselhos, mas nem sempre concordamos. Desde criança tive algumas opiniões discrepantes e tomei decisões divergentes. Algumas vezes me equivoquei, é verdade. Ele é uma pessoa muito tolerante e entende que sou eu a presidente do Força 2011, que sou eu a candidata.

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A eleição para a prefeitura da capital, Lima, está sendo desempatada entre duas candidatas. A que se deve a força das mulheres na política no Peru e na América Latina?

Não foi um processo fácil. Foi algo que levou muitos anos, começando com a conquista do direito ao voto. Dentro dos lares formamos a convicção de que as mulheres deveriam ocupar um espaço no mercado e nas estruturas de poder. Em meu país, onde ainda há um resquício de machismo, nossas vitórias vão aos poucos se tornando mais visíveis e mesmo os homens veem com naturalidade que mulheres ocupem cargos públicos.

A próxima prefeita de Lima será uma mulher, A Fiscal da Nação (posto mais alto do Ministério Público) é uma mulher, a defensora pública é uma mulher, tivemos mulheres na presidência do Congresso. Essa maior confiança vem se refletindo, felizmente, também nas urnas.

No Brasil, uma mulher tem chance de chegar à presidência. A senhora conhece os dois candidatos que disputam o segundo turno, Dilma Rousseff e José Serra?

Não tive a oportunidade de conhecê-los ainda. Mas, por ser mulher, me alegraria muito que fosse Dilma Rousseff a nova presidente. Além disso, sou uma admiradora do presidente Lula. Acredito que o Bolsa-Família seria um programa muito benéfico se usado para ajudar a população mais pobre do Peru.

O escritor Mario Vargas Llosa, que enfrentou sem pai em uma eleição e sempre foi um crítico do fujimorismo, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura este ano. Como recebeu esta notícia?

Recebi com muita alegria. Por mais que haja divergências políticas, e apesar de ele ter sempre feito duras críticas ao fujimorismo, esta é uma conquista muito importante para o Peru. O Nobel é uma conquista que alegra a todo o povo do Peru. Saúdo e felicito o escritor.

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