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Em busca do tempo perdido, UE vai restringir exportações de vacinas

Decisão vem depois que burocracia e trapalhadas na fase das encomendas puseram as nações do bloco em último lugar em imunização entre os ricos

Por Ernesto Neves Atualizado em 26 mar 2021, 09h49 - Publicado em 26 mar 2021, 06h00

Porta de entrada no Ocidente para o novo coronavírus, a Europa se tornou a primeira deste lado do mundo a fechar portas e fronteiras, paralisar a vida e a economia e amargar recorde em cima de recorde de mortes e infecções diárias. Foi, portanto, com um estrondoso suspiro de alívio que a vacinação contra a Covid-19 teve início na União Europeia no dia 27 de dezembro de 2020. Parecia que ia ser um passeio — afinal, o continente conta com uma robusta rede de laboratórios de ponta e excelentes sistemas de saúde pública.

Doses da vacina contra a Covid-19

Passados três meses, porém, os resultados são decepcionantes: só 9% receberam a primeira dose, a pior taxa entre as economias avançadas, ante 25% nos Estados Unidos e mais de 40% no Reino Unido. Diante do atraso, a Comissão Europeia elaborou uma lei de emergência que determina um período de seis semanas em que, independente de contratos prévios, os laboratórios em seu território só poderão exportar para países carentes de vacinas se, em contrapartida, também venderem para a Europa. “Temos orgulho de sediar produtores que (…) fornecem para o mundo todo. Mas estradas abertas são caminhos de duas mãos”, advertiu a presidente da comissão, Ursula von der Leyen.

arte vacinação

O epicentro da tensão revolve em torno da vacina Oxford-AstraZeneca, patenteada no ex-aliado, agora rival, Reino Unido. A União Europeia deveria receber 90 milhões de doses no primeiro trimestre, mas foi informada pelo laboratório que só teria 30 milhões, devido a compromissos que ele havia firmado anteriormente. Pior: a previsão de 180 milhões de doses até junho foi rebaixada para 70 milhões. A possibilidade de cortar a exportação de vacinas é cogitada desde então. Até agora, só um pequeno lote de 300 000 doses para a Austrália — país que tem o vírus sob controle — foi barrado na Itália. Na mesma Itália, o destino final de 29 milhões de doses estocadas em um armazém perto de Roma está sob investigação — as autoridades querem garantias de que será alguma nação necessitada. O mais prejudicado pela suspensão de exportações é o Reino Unido, receptor de boa parte da Oxford-AstraZeneca fabricada em solo continental. O primeiro-ministro Boris Johnson já acenou com represálias, avisando que “o prejuízo no longo prazo de bloqueios pode ser muito grande”. Embora a restrição mire a vacina anglo-sueca, remessas da Pfizer-BioNTech e Moderna também serão atingidas.

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Em meio à pendenga da distribuição, a vacina da Oxford-AstraZeneca passou na Europa por um processo de mancha de reputação. Alemanha, Itália, Espanha, Irlanda e França suspenderam seu uso devido à suspeita de que provoca coágulos, não comprovada em testes. Também sem a devida evidência científica, sua efetividade entre os idosos foi posta em xeque — o presidente francês Emmanuel Macron disse que era “quase ineficaz” para maiores de 65 anos. Uma consequência nefasta dessa disputa é o aumento da desconfiança dos europeus em relação a vacinas em geral e à da AstraZeneca em particular: em meio à escassez, só 45% das doses dela entregues aos governos europeus foram utilizadas. “Se essa atitude se mantiver, teremos sérios problemas para avançar com a vacinação”, diz Antoni Trilla, da escola de saúde pública da Universidade de Barcelona.

Ao agir em bloco, a União Europeia emperrou o processo de aquisição de vacinas. Cada negociação precisava ser submetida e aprovada por todos os 27 países-membros, o que permitiu que outros governos passassem na frente. Além disso, a UE fixou o preço máximo das doses em 19 dólares (Israel pagou 25). Absteve-se ainda de embarcar na decisão de Estados Unidos e Reino Unido de abocanhar praticamente toda a vacina produzida dentro de suas fronteiras. “Sob o ponto de vista da saúde, essa abordagem foi uma tragédia”, diz Guntram Wolff, especialista em políticas públicas do Bruegel, instituto baseado em Bruxelas. Pisando em 27 calos, Boris Johnson chegou a dizer que o segredo de seu sucesso foi “o capitalismo, a ganância”. Encostada na parede, sem vacinas suficientes, a UE registra 25% das novas infecções no mundo, embora some 6% da população. Os bloqueios e regras de isolamento permanecem, para insatisfação dos europeus fartos de restrições e ansiosos pelas férias que se avizinham (veja reportagem na pág. 66). A Comissão Europeia garante que renegociou prazos com os laboratórios e que os países vão receber cerca de 100 milhões de doses mensais a partir de abril — suficientes para inocular 70% dos adultos neste semestre. Tomara que dê certo.

Publicado em VEJA de 31 de março de 2021, edição nº 2731

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