O Reino Unido vai às urnas nesta quinta-feira, 12, para eleger um primeiro-ministro pela terceira vez em menos de cinco anos. As eleições parlamentares não serão responsáveis apenas pela mudança de governo, mas também pelo futuro do país, já que a principal questão em jogo é a controversa e arrastada saída do país da União Europeia (UE).
As chamadas “eleições do Brexit” devem trazer fortes consequências para a economia, o comércio, a política externa e o cotidiano dos britânicos – para alguns, são as eleições mais relevantes no país desde a II Guerra Mundial.
Enquanto a legenda do atual primeiro-ministro Boris Johnson, o Partido Conservador, promete a saída da UE, com o slogan “Fazer o Brexit”, o Partido Trabalhista do líder da oposição, Jeremy Corbyn, promete uma retirada mais branda e até um novo referendo popular, com a opção de manter-se no bloco. Outras legendas, como o Partido Liberal Democrata e o Partido do Brexit, também estão concorrendo, mas com chances reduzidas de impactar o Parlamento.
No país, a escolha do parlamentar é feita por distrito, onde ganha automaticamente o candidato mais votado. O efeito Brexit tem potencial de sufocar pequenos partidos, já que eleitores tendem a votar taticamente, e não em quem realmente gostariam de eleger.
O cenário é desfavorável para os trabalhistas, que têm 34% das intenções de voto contra 43% dos conservadores, de acordo com o ranking do portal de notícias Politico. Mesmo assim, o resultado ainda está indefinido: nenhum dos candidatos é especialmente atraente ao público, que não confia em nenhum dos dois (a YouGov, empresa de pesquisa de mercado, estimou que 54% das pessoas acredita que Johnson quebra suas promessas, e 57% consideram Corbyn um líder ruim). Além disso, as pesquisas britânicas não acertaram os resultados de eleições anteriores recentes.
A incerteza aumenta as expectativas para um Parlamento “pendurado”, em que nenhuma das legendas consegue a maioria dos assentos. Neste caso, os partidos mais votados devem tentar construir alianças com outras siglas e formar um governo de coalizão. “Nessas circunstâncias é difícil não haver outro referendo sobre o Brexit. Só não é clara qual será a escolha apresentada ao público”, diz Daniel Stevens, professor de política da Universidade de Exeter, no Reino Unido.
Segunda chance
Boris Johnson é o candidato do Brexit. Quando assumiu o cargo em julho, prometeu que o Reino Unido sairia da UE até 31 de outubro: “É tudo ou nada”, dizia.
Porém, derrota após derrota em um Parlamento muito dividido, Johnson se viu encurralado e incapaz de cumprir sua promessa. Em outubro, foi aprovada uma emenda que impedia o país de deixar a UE sem acordo um acordo formal com os países do bloco, e o prazo para a saída teve de ser adiado para 31 de janeiro. Para tentar destravar o impasse, o premiê decidiu convocar novas eleições.
Caso a manobra funcione, Johnson pode obter um novo e revigorado mandato para finalmente aprovar um acordo final com a UE e concretizar o Brexit. Mas ele corre o risco de repetir o fracasso da antecessora Theresa May, que perdeu sua maioria no Parlamento quando convocou eleições antecipadas em 2017.
A vantagem atual de Johnson sobre Jeremy Corbyn nas principais pesquisas eleitorais é apenas metade da margem que May tinha sobre o candidato trabalhista em 2017, antes de levar seu partido a um resultado desastroso que a impediu de ratificar seu acordo do Brexit e afundou sua carreira política.
Apesar da imagem desgastada, o ex-prefeito de Londres foi bem sucedido em reunir sob o guarda-chuva do Partido Conservador grande parte dos eleitores que apoia o Brexit. O premiê recebeu apoio até mesmo de Nigel Farage, líder do radical e nacionalista Partido do Brexit, que prometeu não concorrer nos distritos onde os conservadores já têm cadeiras.
“Os conservadores têm sido muito bons em dizer aos eleitores o que querem ouvir, apesar de não detalharem como o farão”, diz Christopher Stafford, pesquisador de opinião pública na Universidade de Nottingham.
Além de garantir a saída do Reino Unido em janeiro, Johnson também promete negociar um novo acordo comercial com a UE até o dia 31 de dezembro de 2020, quando termina o período de transição proposto pelos europeus para minimizar os danos do Brexit. Outras propostas incluem mais financiamento para o Serviço Nacional de Saúde (NHS) – que o político já foi acusado de querer privatizar –, e para a polícia, devido a um aumento na violência no país.
Há mais um entrave, contudo, para sua reeleição. Boris Johnson ainda precisa reconquistar nas eleições seu assento como parlamentar pelo distrito de Uxbridge, um subúrbio do noroeste de Londres, para garantir sua continuidade na Casa.
Porém, o distrito de Johnson já não é um lugar tão garantido para os conservadores quanto foi uma década atrás e o premiê corre o risco de perder em casa para o candidato trabalhista Ali Milani, de 25 anos. O jovem muçulmano é morador do subúrbio – ao contrário de Johnson, que apenas faz visitas ocasionais por lá – e afirma que sua proximidade com os moradores é uma vantagem.
Se o imigrante iraniano surrupiar sua cadeira no Parlamento, o Partido Conservador vai precisar fazer uma manobra elaborada para controlar os danos. “Não é possível ser primeiro-ministro por um período significativo de tempo sem estar na Casa dos Comuns. Um membro do parlamento da legenda vai precisar deixar o cargo por Johnson”, afirma Peter Sloman, professor de política britânica da Universidade de Cambridge.
Guinada à esquerda
Líder dos trabalhistas desde 2015, o autodenominado socialista Jeremy Corbyn se apresenta como alternativa após quase uma década de governos conservadores. Durante a campanha eleitoral, já propôs, entre outras medidas, confiscar 10% das ações das grandes empresas para repassá-las aos funcionários e promover um vasto programa de nacionalização.
Apesar das posições radicais, foi bem nas eleições de 2017, perdendo para Theresa May por apenas 2,4 pontos porcentuais. Mas, desde então, sua popularidade despencou.
De acordo com o monitor político Ipsos Mori, 44% dos eleitores “gostam” de Boris Johnson, em comparação com 23% que “gostam” de Corbyn. Foi o pior índice de popularidade de um líder de um dos dois principais partidos desde 2007.
Tachado de antissemita – já chamou os grupos radicais islâmicos Hamas e Hezbollah de “amigos” e é acusado de não combater o antissemitismo dentro de seu próprio partido –, também desperta aversão por sua posição em relação ao Brexit.
Ao contrário do adversário, o líder trabalhista não foi capaz de criar uma base eleitoral forte, porque insiste em ficar em cima do muro sobre a saída da União Europeia. Corbyn indicou que se for eleito pretende renegociar em até três meses um acordo com os europeus que garanta os laços entre o Reino Unido e a UE, visando atrair os votos de quem quer um Brexit brando. Ao mesmo tempo, chegou a prometer que poderia promover uma nova consulta popular com a opção de manter o país no bloco, para seduzir os eleitores anti-Brexit. Com sua indefinição, corre o risco de não agradar a ninguém.
Embora especialistas concordem que uma vitória trabalhista seria surpreendente, o comparecimento às urnas pode ser um fator decisivo para a escolha nesta quinta-feira. O voto no Reino Unido não é obrigatório e as eleições fora de data, as primeiras em dezembro desde 1923, podem contar com menos eleitores devido ao mau tempo e à escuridão de um dia de inverno europeu.
Porém, se muitos jovens decidirem votar, o resultado pode ser favorável para os trabalhistas (mais de 3 milhões de pessoas se registraram para votar desde que a eleição foi convocada, segundo o jornal britânico The Guardian, e dois terços delas têm menos de 34 anos).
Com o futuro do Brexit ainda indefinido, uma coisa é certa: os próximos anos no Reino Unido continuarão agitados.
(Com reportagem de Julia Braun)