No dia 26 de agosto de 1920, a 19ª emenda à Constituição dos Estados Unidos entrou oficialmente em vigor quando o então secretário de Estado, Bainbridge Colby, assinou sua ratificação. O texto fazia uma promessa às mulheres: seu direito ao voto “não seria negado” por causa do sexo. Mas o que o movimento sufragista americano tem a ver com o Brasil?
Além da data ter sido ressignificada em 1973, tornando-se oficialmente o Dia Internacional da Igualdade Feminina, as brasileiras foram inspiradas pelo sufrágio universal nos Estados Unidos, fundando a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) em 1922.
Uma década depois, as brasileiras conquistaram o direito ao voto – ainda restrito a mulheres casadas autorizadas pelos maridos, ou solteiras com renda própria. Só em 1934 essas restrições foram eliminadas e, em 1946, o Código Eleitoral tornou o voto feminino obrigatório, como já era o masculino.
Contudo, mais de meio século depois, nesta data que comemora a igualdade feminina, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer na erradicação da desigualdade de gênero. Segundo a ONG Fórum Econômico Mundial, o país está na posição 92 de igualdade em uma lista com 153 colocados, atrás de Venezuela, Belarus e Etiópia. A lista analisa critérios econômicos, educacionais, de saúde e políticos.
As disparidades na educação e na saúde foram praticamente eliminadas, mostra o levantamento da ONG, mas o mesmo material revela que ainda há uma lacuna total de 31% entre os gêneros em terras tupiniquins. De acordo com o Fórum, precisaríamos de 59 anos para eliminar as desigualdades de gênero no Brasil – sem considerar, é claro, possíveis retrocessos.
“O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, com disparidade de renda maior que Colômbia, Honduras e Quênia, e essa desigualdade tem raça e gênero”, afirma Marta Bergamin, professora de sociologia do trabalho da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Segundo ela, as mulheres – principalmente negras – enfrentam barreiras de oportunidades no mercado de trabalho porque o papel de cuidadoras a elas atribuído dificulta a qualificação.
Mesmo depois que uma mulher adentra o mercado de trabalho tem dificuldade tanto para obter postos mais altos quanto para equiparar seu salário ao de colegas do sexo masculino. “Não conseguem superar as condições iniciais, cumprindo quase que um destino social”, diz Bergamin.
E parece que a situação tende a piorar: após sete anos de quedas consecutivas no Brasil, em 2019, houve um aumento da diferença dos salários de mulheres e homens de 9,2% em relação ao ano anterior. A disparidade passou a ser de 47,24%, com homens ganhando em média 3.946 reais e mulheres de 2.680 reais.
Baixa representatividade
O país destaca-se negativamente na região da América Latina, em 22º lugar entre seus 25 vizinhos. De acordo com o Fórum Econômico Mundial, “a baixa taxa de participação feminina na força de trabalho, combinada com a persistência das desigualdades salariais e de renda, pesa no desempenho do país”. Mas é o poder político – ou falta dele – o maior obstáculo para o desempenho geral do Brasil.
Enquanto mais da metade da população do país é feminina, há apenas duas mulheres no gabinete de 23 membros do presidente Jair Bolsonaro (122º no ranking mundial) e só 18% dos membros do Congresso são mulheres (114º no ranking mundial).
“A subrepresentação feminina na política prejudica políticas públicas voltadas para o direito das mulheres”, diz Beatriz Sanchez, cientista política doutoranda da Universidade de São Paulo (USP). “Enquanto muitos países latino-americanos têm um sistema eleitoral de lista fechada, com alternância de gênero, continuamos com um sistema de lista aberta, o que significa que mulheres precisam concorrer por conta própria dentro de seus partidos”, explica.
Embora o Tribunal Superior Eleitoral tenha determinado que 30% dos fundos destinados ao financiamento de campanha de cada legenda seja destinado a candidaturas femininas, é um desafio garantir que suas campanhas apareçam tanto quanto as masculinas. Para Sanchez, o sistema de lista fechada asseguraria a participação política das mulheres.
Problema escancarado
Neste ano, devido à pandemia de coronavírus, a desigualdade entre homens e mulheres ficou ainda mais evidente. As denúncias de violência contra a mulher dispararam – em abril, quando o isolamento social durava mais de um mês, as ligações ao 180 aumentaram 40% em relação ao mesmo mês de 2019, segundo o Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos.
Além disso, o papel de cuidadora ainda atribuído à mulher foi exacerbado devido ao fechamento de creches e escolas, obrigando muitas mães e guardiãs a trabalharem de casa cuidando de crianças, ou até abandonarem o trabalho para cumprir o papel.
Mesmo com o problema já existente agora escancarado, o progresso se dá a passos lentos. Para Sanchez, contudo, mesmo que o governo central não adote a pauta como bandeira, a pandemia pode tornar-se um catalisador de mudanças. “O espeço doméstico ganhou destaque, com colegas de trabalho adentrando as casas por meio de reuniões de vídeo, e a visibilidade da pauta aumentou”, diz. “Há mulheres em muitas outras frentes lutando por políticas públicas para atacar a desigualdade de gênero.”