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Cúpula da Amazônia: várias promessas e poucos avanços concretos

O encontro, onde Lula tentou mais uma vez se lançar como liderança no assunto sob holofotes globais, acabou sem que ele conseguisse emplacar suas propostas

Por Ernesto Neves Atualizado em 11 ago 2023, 10h35 - Publicado em 11 ago 2023, 06h00

As mudanças climáticas e os prejuízos que elas acarretam, evidenciadas claramente na sequência de desastres causados por este verão mais quente de que se tem notícia no Hemisfério Norte, instalam a Amazônia no centro das atenções — a maior floresta tropical do mundo influencia o clima de todo o planeta e sua preservação é crucial para o meio ambiente. Como resultado desse protagonismo, Belém, capital do Pará, sediou agora em agosto a Cúpula da Amazônia, com a presença de cinco presidentes — do Brasil, Peru, Colômbia, Bolívia e Guiana — e representantes de outras três nações, Equador, Suriname e Venezuela (Nicolás Maduro desmarcou na última hora, alegando uma otite), e um território ultramarino, a Guiana Francesa, sobre os quais a floresta se espalha. Sempre pronto a usar um palco internacional para tentar se firmar como protagonista do xadrez global, Lula ressaltou que a preservação da Amazônia “é o passaporte para que todos os países da região deixem a posição subalterna de exportadores de matérias-primas”. De preferência, com ele na liderança. No balanço final, porém, o encontro resultou em várias promessas e poucos avanços concretos.

AMEAÇA - Área desmatada: preservação da floresta é preocupação mundial
AMEAÇA - Área desmatada: preservação da floresta é preocupação mundial (Rafael Vilela/Getty Images)

A Declaração de Belém elenca uma lista de compromissos em comum para a região, mas os termos vagos das resoluções, que não têm prazos para se concretizar nem fontes de financiamento estabelecidas, evidenciam a complexidade da agenda ambiental e as divergências entre os países envolvidos. Lula não conseguiu incluir no caderno de responsabilidades a promessa de desmatamento zero até 2030, rejeitada pela Bolívia. Na falta de unanimidade sobre a meta, ele precisou reafirmar seguidas vezes que no país ela continua de pé, com ou sem a cooperação dos demais governos. “O Brasil é protagonista da questão ambiental, mas ainda não foi capaz de envolver seus vizinhos nos objetivos mais ambiciosos”, diz Natalie Unter­stell, do Instituto Talanoa, dedicado a políticas de enfrentamento das mudanças do clima.

Ponto mais sensível da Cúpula, a exploração de petróleo na Amazônia também ficou fora do documento final por falta de consenso. O assunto divide o próprio governo brasileiro, colocando de um lado a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, contrária à proposta, e de outro o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Em maio, o Ibama vetou o pedido da Petrobras para realizar uma perfuração de teste no mar, a 179 quilômetros da costa do Amapá. E a polêmica deve voltar em breve ao noticiário. Na última semana, o vazamento de um parecer da Advocacia-­Geral da União considerou desnecessária a realização de estudos ambientais para a liberação de poços.

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AQUI PODE - Guiana: exploração de petróleo na foz de rio amazônico
AQUI PODE - Guiana: exploração de petróleo na foz de rio amazônico (Matias Delacroix/AP/Imageplus)

Em Belém, Lula se esquivou o quanto pôde de tomar partido na questão, incendiária. “Você acha que eu vim aqui para discutir isso?”, rebateu, ao ser questionado. Mesmo assim, o apoio do Ministério de Minas e Energia — e, por tabela, do governo Lula — à exploração foi criticado frontalmente pelo presidente da Colômbia, Gustavo Petro. “Há enorme conflito ético, sobretudo entre as forças progressistas, que deveriam estar ao lado da ciência”, disse Petro, que defende a eliminação completa de combustíveis fósseis. É assunto que deverá envolver demoradas negociações, pesquisas sérias e decisões sensatas, em que se equilibre as necessidades econômicas com o respeito ao ambiente. No segundo mandato de Lula, brigas desse quilate, lembre-se, resultaram na saída de Marina do governo.

Do outro lado do ringue, a Guiana já extrai petróleo do mar na foz do rio amazônico Demerara — com o óleo que tira de poços marítimos, o país deve se tornar em breve o quarto maior produtor mundial. “A decisão de explorar ou não petróleo depende de estudos aprofundados e planejamento”, afirma Eugênio Pantoja, diretor de políticas públicas e desenvolvimento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

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LIMPEZA - Destruição de garimpo ilegal: novo grupo de ação
LIMPEZA - Destruição de garimpo ilegal: novo grupo de ação (Comunicação/Ibama//)

Nas questões menos delicadas, a Cúpula da Amazônia conseguiu apresentar alguns bons resultados, mas que precisam sair do papel. O encontro reativou a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), instrumento jurídico criado em 1978 que só se reuniu três vezes, a última em 2009, e a incumbiu de criar um centro integrado de combate ao crime sediado em Manaus. A iniciativa, capitaneada pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, é considerada fundamental para enfrentar o poderio do narcotráfico, hoje principal financiador de atividades ilegais como mineração e extração de madeira. Decidiu-­se também pela formação de um Painel Intergovernamental Técnico-­Científico da Amazônia, órgão de colaboração entre pesquisadores nos moldes do IPCC, que assessora a ONU no terreno ambiental. Outro compromisso assumido, esse recebido com mais ceticismo, foi o de não permitir o alcance do chamado ponto de não retorno, definido como o momento em que a destruição do bioma ultrapassar 20% de seu território. Se isso vier a acontecer, advertem os climatologistas, a floresta perderá a capacidade de reciclar água e emitir o vapor que produz as chuvas constantes e volumosas, levando a selva mais seca a ser substituída por savana.

A sobrevivência da Amazônia ocupa papel cada vez mais central na geopolítica mundial e a manutenção da floresta é condição-chave para o andamento de negociações internacionais, incluindo a que o Mercosul trava com a União Europeia para criar uma zona de livre comércio entre as duas regiões. Na mesa está a busca de soluções sustentáveis para o futuro de 50 milhões de pessoas que vivem no extenso território, um grupo diverso que abarca 420 etnias indígenas distribuídas por oito países. “No último meio século, a Amazônia perdeu uma área equivalente à de Alemanha e França somadas, sem que isso resultasse em progresso”, observa Márcio Holland, professor de economia da Fundação Getulio Vargas. “É urgente adotarmos um novo modelo, baseado em bioeconomia, baixo carbono e inclusão.” Mudar a lógica predatória que sempre predominou na Amazônia exige postura bem mais incisiva do que o que se viu nessa reunião de cúpula. Mas sempre é um começo.

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Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2023, edição nº 2854

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