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Covid-19: Refugiados empreendedores tentam se reinventar na quarentena

“É como estava quando cheguei ao Brasil e não conhecia a língua: Sem conseguir sair de casa”, diz Muna Darweesh, dona de um restaurante de comida árabe

Por Caio Mattos Atualizado em 9 abr 2020, 16h12 - Publicado em 9 abr 2020, 07h00

Mais de 13 milhões de pequenos negócios, envolvendo 21,5 milhões de pessoas, estão vulneráveis ao impacto econômico causado pela pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2), estima o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) em boletim de 24 de março. Dentre aqueles que buscam se reinventar frente ao isolamento social, refugiados que empreendem no ramo da gastronomia na cidade de São Paulo comparam as dificuldades da situação àquelas que enfrentaram no momento em que chegaram no Brasil.

“Eu precisei me reinventar de novo, assim como já tinha feito quando cheguei no Brasil, quando estava sem emprego e sem saber o que fazer”, disse Yilmary de Perdomo, que mantém um buffet de culinária venezuelana conhecido como Tentaciones de Venezuela.

Perdomo chegou no Brasil com visto de turista para pedir refúgio em 2016 e é uma das 11.231 pessoas protegidas por esse status pelo governo brasileiro, segundo o mais recente relatório do Comitê Nacional para os Refugiados, publicado em 2018.

O Tentaciones de Venezuela perdeu pelo menos 6.000 reais em serviços de café da manhã, coffee breaks e feiras gastronômicas, que foram cancelados em decorrência das medidas de isolamento social para conter o avanço da epidemia da Covid-19 no Brasil — o Ministério da Saúde registra pelo menos 4.500 enfermos e mais de 150 mortes.

O delivery, o único serviço que Perdomo mantém durante a quarentena, ainda não registra mais de dois ou três pedidos por dia. “As pessoas estão preocupadas em relação à duração da crise e também há o medo do contato físico com o entregador”, afirma a empreendedora a VEJA.

Nessa situação, Perdomo tem investido na venda de alimentos congelados e de pães caseiros. A empreendedora enxerga potencial especialmente na venda de congelados pela praticidade “é fácil para o cliente comprar e manter em casa” —, e pretende preservá-los no seu cardápio após o fim da quarentena.

A independência financeira dos que emigram para salvar suas próprias vidas é um objetivo primordial da Agência das Naçcões Unidas para os Refugiados (Acnur). No Brasil, o organismo atua especialmente em favor da qualificação profissionais dos refugiados e no reforço da vocação empreendedoras, por meio de parcerias com instituições locais.

“Ter autonomia reduz os riscos aos quais as pessoas refugiadas estão expostas e as ajuda a responder em momentos difíceis como este da pandemia. E a resiliência característica dessas pessoas tem como base suas capacidades individuais, o apoio das comunidades de acolhida e a resposta do poder público. Assim, asseguramos um ambiente seguro e produtivo para as pessoas afetadas por esta crise”, afirma o representante do ACNUR no Brasil, Jose Egas.

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O venezuelano Carlos Escalona, proprietário do serviço de catering Nossa Janela, investe durante a quarentena na ampliação de seu cardápio. Foto publicada em 26/12/2019
O venezuelano Carlos Escalona, dono  do serviço de catering Nossa Janela, investe durante a quarentena na ampliação de seu cardápio. Foto publicada em 26/12/2019 (Facebook/Reprodução)

Conterrâneo de Perdomo, Carlos Escalona fundou no final de 2017 o catering Nossa Janela que, assim como o Tentaciones de Venezuela, serve pratos típicos da culinária venezuelana, como arepas, feitas com o masa pan, o equivalente à farinha de milho.

O jornalista venezuelano chegou no Brasil há cerca de quatro anos após denunciar um caso de corrupção na administração pública e se tornar alvo de perseguição política da ditadura de Nicolás Maduro. Escalona trouxe seus pais e sua namorada, que ajudam a manter o Nossa Janela. Em eventos maiores, o empreendimento ainda conta com o apoio de um amigo, Rafa, proveniente do Togo, país da costa oeste da África.

Além de suspender seus planos de alugar um ponto fixo para atender aos clientes, o estado de quarentena causou um prejuízo de mais de até 9.000 reais apenas em eventos cancelados. “Por enquanto, estamos praticamente parados”, disse Escalona a VEJA.

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“A ideia é aproveitar esse período para testar várias receitas e ampliar o nosso menu”, explica o empreendedor venezuelano. Escalona pretende centrar as inovações no cardápio do café da manhã, em especial em doces como um bolo de cenoura adaptado à culinária venezuelana.

“Considerando a nossa experiência em 2018 e 2019, os primeiros trimestres sempre foram fracos. Os melhores meses para o Nossa Janela estão entre agosto e dezembro. Mas temos que ver como será a situação com a quarentena”, concluiu Escalona.

As sírias Muna Darweesh, do Muna Sabores e Memórias Árabes, e Salsabil Matouk, do Cozinha Salsabil, também estão buscando se reinventar para manter seus empreendimentos na ativa durante a quarentena. 

“Quando eu cheguei no Brasil em 2014, estava até mais difícil. Eu estava sem dinheiro. Agora já temos uma casa e um carro”, disse Matouk

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Darweesh, que abriu o seu negócio em 2014, investe na venda de marmitas. Ela tem conseguido vender até cinco por dia, em média, embora tenha dia que não saia nenhuma. Diferentemente de Perdomo, a refugiada síria não pretende manter a novidade no cardápio para depois do fim da quarentena, enxergando as marmitas apenas como uma solução temporária. “As marmitas dão muito trabalho para pouco dinheiro”, disse Darweesh a VEJA.

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Já Matouk, que mantém o Cozinha Salsabil praticamente sozinha desde 2016, está em isolamento social em sua casa em São Caetano do Sul, no ABC Paulista, e pretende desenvolver um sistema de entrega diária por bairros da cidade de São Paulo. O objetivo é acabar com a taxa de entrega, que tem sido cobrada dos clientes da capital paulista desde o início da quarentena. Matouk tentou investir no mercado de São Caetano, mas não tem conseguido fazer mais de 250 reais por semana.

Com o cancelamento ou adiamento de eventos marcados até junho, o Cozinha Salsabil perdeu quase 10.000 reais. “Quando eu cheguei no Brasil em 2014, estava até mais difícil. Eu não tinha dinheiro. Agora, já temos uma casa e um carro”, disse Matouk a VEJA.

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Darweesh também compara a quarentena à época da chegada de sua família ao país em 2013. “Estou como estava quando cheguei ao Brasil. Também não conseguia sair de casa porque não conhecia a língua, a cidade e as pessoas”.

O Muna Sabores e Memórias Árabes já sofreu com o cancelamento de eventos até mesmo dias antes do início da quarentena no estado de São Paulo, em vigor de 24 de março a 7 de abril, como decretada pelo governador, João Doria

Até o final da primeira semana de quarentena, cinco clientes cancelaram os serviços de Darweesh e o Muna Sabores e Memórias Árabes perdeu pelo menos 4.000 reais.

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