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Como Trump usa investigação para se promover na campanha eleitoral

A apuração sobre pagamento pelo silêncio de uma atriz pornô pode levar o ex-presidente à prisão — e ele usa isso para apontar 'caça às bruxas'

Por Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h07 - Publicado em 31 mar 2023, 06h00

Adepto das mensagens incendiárias em letras maiúsculas denunciando complôs internacionais contra as posições políticas que defende e uma “caça às bruxas” em andamento contra sua pessoa, o ex-presidente Donald Trump dedicou os últimos dias a condenar o sistema jurídico e mobilizar sua base diante de um novo “golpe”: sua iminente prisão. Chegou a marcar o dia: terça-feira, 21 de março, que começou e acabou sem novidade. No fim de semana seguinte, falando no primeiro comício este ano, no Texas, de sua pré-candidatura à Presidência na eleição de 2024, Trump voltou a se colocar como vítima do “globalismo” e das manobras do bilionário George Soros, o malvado favorito da direita, e a denunciar a perseguição promovida contra “o homem mais inocente da história deste país”. Nas redes, previu “morte e destruição” caso fosse de fato indiciado em um processo em Nova York — o mais avançado e o mais escandaloso entre os vários de que é alvo atualmente. Na falta de coisa melhor, ser ou não ser fichado na polícia virou o mote da campanha trumpista no momento.

O caso em questão, ferrenhamente investigado pelo promotor Alvin Bragg — “um psicopata depravado”, no idioma trumpista —, trata da compra do silêncio da atriz pornô Stormy Daniels às vésperas da eleição de 2016, que levou Trump à Casa Branca. Stormy ameaçava revelar uma noite de sexo e outros encontros com ele ocorridos dez anos antes, comprometendo as chances do então candidato. O advogado Michael Cohen, uma espécie de faz-tudo de Trump, pagou a ela 130 000 dólares, obtendo em troca um documento assinado de que não abriria a boca. O chefe o reembolsou via “honorários advocatícios”. É essa última transferência que está em xeque: Bragg tenta provar que o ex-presidente maquiou depósitos bancários para fins ilícitos e, pior, que o dinheiro talvez tenha saído do caixa de campanha. Indiciado na quinta-feira, 30, se tornou o primeiro presidente americano alvo de um processo criminal. Agora, Trump tem de comparecer ao tribunal, tirar foto e registrar digitais, como qualquer suspeito, e em seguida ser levado ao juiz (possivelmente algemado), que determinará sua fiança. Se condenado, pode pegar de multa a quatro anos de cadeia.

Desde o início das investigações, Stormy já contou ao mundo os mais escabrosos detalhes de sua relação com o ex-presidente. Cohen rompeu com o chefe e confirmou os pagamentos, em delação premiada. Trump, o próprio, segue afirmando que nunca teve nada com a atriz (“cara de cavalo não faz meu gênero”, disse, estúpido). Uma foto de um candidato algemado ou atrás das grades seria, obviamente, danosa para qualquer campanha à Presidência — até para Trump. Mas levar o tema para a campanha eleitoral, em tom de indignação e desafio, tem provado ser uma estratégia eficiente. A possibilidade de o ex-presidente ser preso conduziu o bonde trumpista para a porta de Mar-a-Lago, seu endereço na Flórida, onde faz barulho desde então, e arrancou manifestações de apoio das lideranças republicanas, inclusive Ron DeSantis, governador da Flórida e seu maior rival na pré-campanha (neste caso, com a ressalva de que “eu não entendo nada dessa coisa de pagar pelo silêncio a uma atriz pornô a respeito de algum suposto caso”). Na remotíssima hipótese de ser mesmo preso, nesse ou em qualquer dos outros quatro inquéritos de que é alvo por motivos variados, Trump poderia, mesmo assim, se eleger e voltar ao poder. Pelas leis do país, para isso bastaria ter 35 anos e ser americano — ainda que sua Casa Branca fosse uma cela de prisão.

Publicado em VEJA de 5 de abril de 2023, edição nº 2835

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