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Como são as 8 horas de espera para ver a rainha Elizabeth II

Repórter de VEJA conta a epopeia para testemunhar um momento histórico — e, sim, os britânicos furam fila

Por Carolina Barbosa, de Londres
Atualizado em 16 set 2022, 17h50 - Publicado em 16 set 2022, 15h24

A missão não é para os fracos. Enfrentar a extensa fila para ver o caixão da rainha Elizabeth II, morta no dia 8 de setembro aos 96 anos, envolve paciência, resiliência e determinação em graus elevados. Na quinta-feira 15, o percurso bateu um recorde: o formigueiro humano alcançou 8 quilômetros, cruzando os mais icônicos cartões-postais londrinos. O ponteiro do relógio marcava 14h52 quando ingressei nesta jornada, na área de Southwark.

A epopeia começou antes. Para chegar ao fim da fila, foram 35 minutos de caminhada a partir da movimentada estação London Bridge. A previsão era de uma jornada de 12 horas de espera até Westminster Hall, a sede do Parlamento do Reino Unido, onde jaz a monarca, segundo anunciavam voluntários e policiais que regiamente monitoram a operação e distribuem água para os sedentos súditos. Detalhe 1: uma pulseirinha verde dada a todos que encaram a maratona deixa claro que não há garantia de sucesso para quem se dispõe a esperar – e esperar. Detalhe 2: tem britânico que fura fila, sim.

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Placa indica direção da fila pra ver caixão da rainha Elizabeth II. 16/09/2022 (Carolina Barbosa/VEJA)

Acontece de tudo em um aglomerado humano como esse. Na “linha de largada”, vê-se um público diversificado: de bebês de colo e engravatados que trabalham na City londrina a idosos com dificuldade de locomoção e falantes dos mais distintos idiomas. Tomadas por empolgação, pessoas escorregaram na grama enlameada pela chuva no afã de apressar o passo ao mesmo tempo em que clicavam a paisagem. Dá-se aí a primeira falsa sensação de que a fila está andando, vai ser rápido. Não vai.

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Fila para ver caixão da rainha Elizabeth II, em Londres. 16/09/2022 (Carolina Barbosa/VEJA)

Uma mulher radicada no Leste da Inglaterra, logo à minha frente, revelou obstinação e, por que não?, solidariedade: “Eu não vou desistir, custe o que custar”, avisou. “Mas, se você quiser ir ao banheiro, seguro o seu lugar”, prontificou-se. “Esse esforço é uma forma de retribuir tudo o que ela fez por nós nesses mais de setenta anos como monarca. Vai constar nos livros de História”, avaliava outra companheira de espera, que veio da Escócia só para a despedida real.

“É um momento único, a última chance de ver a rainha. Imagina poder contar isso a meus descendentes depois”, animava-se um queniano que passou a maior parte da vida na Inglaterra e se apresentou apenas como Mac, de 64 anos. Ele relatou que tentava concluir a peregrinação pela terceira vez. Na primeira, ainda no início da semana, antecipou-se à chegada do corpo à cidade, mas a fila se avolumava. Desistiu. Voltou à ativa e já amargava espera de três horas quando deu-se conta de que estava sem a tal pulseirinha de acesso. Não esmoreceu, e lá estava de novo Mac, no aguardo. “Comi pouco e não bebi muita água para não ficar com vontade de ir ao banheiro”, explicou.

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Eis uma preocupação muito concreta para quem se habilita à travessia até Westminster Hall. Em nome dela, me contive por cinco horas, mesmo avistando banheiros químicos logo ali ao lado. Não precisava do sacrifício. Percebi que estava em vigor um esquema britanicamente organizado na confiança, que viria a utilizar: você vai, volta e retoma o seu lugar, sem ser questionado. Para fazer o tempo passar menos vagarosamente, três amigas da Irlanda brindaram com vinho tinto em copo plástico: “À rainha e ao futuro do rei”. A essa altura, a rota já desviava da London Eye, a famosa roda-gigante, e uma turma mais cansada se sentava sobre uma mureta. Dá vontade de desistir? Claro.

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London Eye perto de fila para ver caixão da rainha Elizabeth II, em Londres. 16/09/2022 (Carolina Barbosa/VEJA)

 

Próximo das 7 da noite, com os termômetros marcando 16 graus, a dureza se acentuou. O vento batia forte, e o grasnar dos gansos no Tâmisa soava como um alarme. Uma senhora passou mal e foi prontamente atendida por uma equipe de primeiros-socorros. Refeita, seguiu firme em seu propósito, ao lado de um grupo de jovens que se equilibravam havia horas sobre seus saltos plataforma. Mesmo de tênis, minhas costas doíam e as pernas começavam a formigar. Me afligia ter uma mochila à mão, já que, ao longo da caminhada, há uma profusão de avisos sobre tudo o que é vetado em Westminster: flores, velas, fotografias, líquidos, alimentos, cadeados, cadeiras, apitos, objetos cortantes. E, quanto mais perto do fim, mais a fiscalização se intensificava.

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Lista de itens proibidos para entrar em Westminster. 16/09/2022 (Carolina Barbosa/VEJA)

Ao cruzar a ponte, onde a fila dá angustiantes pausas, e adentrar o complexo do Parlamento, às 19h50, a sensação é de alívio. Mas calma lá. Descobri que justamente ali está concentrada a muvuca. Mac, o parceiro de fila queniano, impressionou-se: “Como pode caber tanta gente neste quintal?”. Os voluntários mantinham-se atentos: “Are you ok? Do you need something? Keep going” (Você está bem? Precisa de algo? Vá em frente!) eram algumas das frases que soltavam aos que aparentavam exaustão.

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Estava, afinal, perto da equipe que faz a minuciosa revista da bolsa, à base de raio-x e detectores de metais. Passada a sabatina (uma meia dúzia de aspirantes a entrar nas dependências do Parlamento foi barrada na reta final por ter levado seus animais de estimação), se desemboca na fila que dá acesso ao imponente salão de pedra, na parte mais antiga do edifício. Sobe-se dezenas de degraus e, do alto, sob um telhado de vigas, avista-se pela primeira vez o caixão da rainha.

Um silêncio sepulcral toma conta do recinto, favorecido por dois tapetes de tom ocre, capazes de amortecer os passos dos plebeus, que descem para o átrio tendo a oportunidade de observar bem de perto o túmulo. Sobre um catafalco (plataforma de quatro níveis em carpete vermelho sobre o qual foi exposto), ele reina no centro, com a Coroa e seus 2 868 diamantes reluzentes, além do cetro que Elizabeth II carregou em sua cerimônia de coroação, em cima. No entorno, havia dez soldados – quatro da Torre de Londres, dois da Guarda Real, uma dupla da Cavalaria Real e mais dois Granadeiros. Eles praticamente não se movem. Mesmo sua respiração é discretíssima.

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Fila para ver caixão da rainha Elizabeth II, em Londres. 16/09/2022 (Carolina Barbosa/VEJA)

São cerca de dez minutos lá dentro, a depender do ritmo de cada um. Muita gente vestia preto, em demonstração de luto. Em frente ao caixão, uma mulher chorava e enxugava as lágrimas. Outras faziam o sinal da cruz, uma oração ou curvavam-se em reverência à monarca. Tudo de forma inaudível, à exceção do choro de um bebê, provavelmente exaurido após as oito horas de espera. É difícil dar os próximos passos em frente e sair dali.

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A repórter Carolina Barbosa, de VEJA, após sair de Westminster (Carolina Barbosa/VEJA)

Naquele ponto da minha cruzada, as pernas já latejavam e parecia que os ossinhos dos pés iam se partir. Com o corpo moído, sobrevivi. Enquanto escrevo este texto, após um banho e algumas horas dormidas, noto que ainda estou com a pulseira verde no punho, quem sabe para eternizar aquele momento tão singular e inesquecível por tudo o que envolveu. A saga de 8 quilômetros valeu. “God save the queen”. 

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