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Como a China conseguiu frear o avanço do coronavírus

Registro diário de novos casos no país passou de mais 2.000, há menos de três semanas, para menos de 100 nos últimos quatro dias

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 11 mar 2020, 14h28 - Publicado em 11 mar 2020, 13h19
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  • Enquanto o número de infecções causadas pelo coronavírus cresce ao redor do mundo, a China vê o total de novos casos no país diminuir dia após dia. O sucesso do modelo de quarentena implementado por Pequim no epicentro do surto da Covid-19 já foi elogiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “ambicioso”, mas também recebeu críticas por sua natureza autoritária.

    O registro diário de novos casos na China passou mais de mais 2.000 há menos de três semanas para menos de 100 nos últimos quatro dias. Nas últimas 24 horas, foram diagnosticados apenas 24 novos pacientes no país.

    Ao todo, o país tem atualmente 80.924 pacientes infectados em todo seu território. Pelo menos 3.119 chineses morreram desde o início da epidemia, enquanto outros 61.600 foram curados.

    Como a China freou o coronavírus?

    A resposta chinesa à epidemia foi baseada principalmente em quarentenas extremamente rigorosas nas cidades mais afetadas. Quase 60 milhões de pessoas foram isoladas na província de Hubei e restrições de viagem severas foram implementadas dentro do país, além da obrigatoriedade do isolamento para cidadãos que viajaram ao exterior e estrangeiros.

    Além disso, o governo ainda proibiu a circulação de carros e qualquer outro meio de transporte público pelas cidades mais afetadas, e ordenou o fechamento temporário de fábricas e empresas. Seguiram abertos apenas hospitais, supermercados, farmácias e outros serviços vitais.

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    Foram investidos bilhões de dólares na luta contra a Covid-19. O governo chinês ainda ergueu em tempo recorde dois hospitais dedicados exclusivamente para o tratamento de pacientes com coronavírus.

    “O que os chineses fizeram é inédito no mundo”, diz Eliseu Alves Waldman, epidemiologista e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). “Eles se inspiraram nas quarentenas hospitalares instaladas durante a epidemia de Sars em 2003 e ampliaram o modelo para conter um vírus que se espalhava muito mais rápido”.

    Nas ruas, drones e robôs alertavam sobre o risco de caminhar ao ar livre sem máscaras e aconselhavam a população a ficar dentro de suas casas e manter a higiene básica. Os drones ainda foram usados para espalhar desinfetantes pelas ruas e transportar medicamentos.

    A tecnologia foi ainda um grande aliado do governo no quesito vigilância. Detectores de temperatura corporal foram instalados em lugares como praças públicas e metrôs para identificar pessoas com febre, um dos sintomas da doença. O sistema funcionava em conjunto com a já utilizada rede de monitoramento, que inclui coleta de dados sobre viagens, vigilância de redes sociais e da internet e o uso de softwares de reconhecimento facial.

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    A OMS elogiou os esforços chineses na luta contra a epidemia e concluiu em um relatório no final de fevereiro que a “abordagem ousada” de Pequim  “mudou rapidamente o curso de uma epidemia crescente e mortal”.

    “Diante de um vírus anteriormente desconhecido, a China lançou talvez o esforço de contenção de doenças mais ambicioso, ágil e agressivo da história”, afirmou a OMS.

    Especialistas, contudo, alertam para a dificuldade de reproduzir o modelo adotado por Pequim em países democráticos e nos menos desenvolvidos. “Formalmente, em países que respeitam os direitos individuais não se pode proibir o direito de ir e vir e se depende muito mais da adesão da população”, diz o professor Eliseu Waldman.

    Após semanas de isolamento rigorosamente monitorado, os moradores de Hubei passaram a mostrar sinais de raiva e frustração. As redes sociais chinesas foram inundadas de postagens de cidadãos lamentando a perda de seus empregos por conta da quarentena ou relatando a dificuldade de pagar as contras e encontrar comida nos supermercados.

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    Para o pneumologista e pesquisador sênior do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Elie Fliss, tal abordagem rigorosa de quarentena não funcionaria também em países com estruturas demográficas e arquitetônicas diferentes da chinesa, como as do Brasil, por exemplo. “Nas comunidades de baixa renda e periféricas do Brasil, as casas são muito próximas umas das outras e muitas pessoas vivem em um único domicílio”, afirma. “O isolamento não traria benefício tão grande”.

    Fim do ciclo e volta à rotina

    O médico do Hospital Oswaldo Cruz acredita que o ciclo do coronavírus na China esteja chegando ao fim. “As viroses em geral tem um ciclo e a diminuição no número de novos casos indica que o ciclo desse vírus está passando”, avalia.

    Com a redução do surto, o presidente Xi Jinping visitou nesta terça-feira 10 a cidade de Wuhan, onde acredita-se que a epidemia tenha começado. A cidade de 11 milhões de habitantes está interditada desde o final de janeiro, mas a visita de Xi sinalizou que a maré está virando a favor do governo.

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    Funcionários do transporte público de Wuhan e trabalhadores envolvidos na fabricação de suprimentos médicos e necessidades diárias foram autorizados pelo governo da província de Hubei a retornar ao trabalho. Outras indústrias que impactam cadeias de suprimentos nacionais ou globais também podem voltar a trabalhar com a permissão das autoridades relevantes

    Em toda a China, a produção industrial está sendo normalizada aos poucos. Embora a economia ainda esteja operando cerca de 25% abaixo de seus níveis normais, a atividade deve ser totalmente restabelecida até o final de abril, previu Françoise Huang, economista-sênior da Euler Hermes.

    Embora esteja relaxando algumas restrições, o governo de Hubei disse que os limites impostos aos transportes em Wuhan continuarão em vigor, e as escolas da província continuarão fechadas até segunda ordem.

    Para os especialistas, o retorno à rotina e às atividades normais de trabalho e estudo dos cidadãos será um grande teste para a China e seu modelo de contenção do surto. Caso as medidas tenha sido de fato eficientes e o ciclo do surto tenha chegado ao fim, tudo deve voltar à normalidade em breve.

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    É possível confiar nos números?

    Críticos da política chinesa vem atacando a confiabilidade dos dados divulgados pelo governo, que já escondeu informações importantes sobre a epidemia em seus primeiros meses e puniu médicos que tentaram alertar sobre a seriedade da doença.

    Ainda no início do surto, muitos hospitais entraram em colapso e não conseguiram atender o enorme número de pacientes que davam entrada nos pronto-socorros diariamente. A imprensa internacional ainda relatou a falta de kits para a realização de testes de coronavírus, o que significa que muitas pessoas podem não ter sido examinadas e diversas infecções mais brandas podem ter passado despercebidas.

    O governo ainda alterou a forma de contabilizar os novos casos em diversos momentos, mudando drasticamente o total de casos de um dia para o outro. Mudanças do tipo são comuns em grandes epidemias, mas também podem ser um indício da falta de precisão dos dados.

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