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Com que câmbio eu vou? A diversidade de cotações do dólar na Argentina

Sem reservas para suportar a demanda pela moeda americana, o governo do país resolveu criar um leque inédito: são dezessete ao todo

Por Marina Guimarães, de Buenos Aires
20 nov 2022, 08h00

Já faz tempo que os argentinos, descrentes da capacidade de seus governos de pôr ordem na combalida economia, adotaram o dólar como moeda preferencial. A predileção pelas verdinhas ganhou mais força ainda nos últimos anos, marcados por inflação em alta, dívida externa descon­trolada e retração econômica. Neste amargo fim de ano, em que a espiral inflacionária bateu nos 80%, com previsão de chegar a 100% antes do réveillon, a demanda do público é intensa — quase tanto quanto o esforço do Banco Central para manter no cofre as poucas reservas que tem e, se possível, ainda arrecadar algum. A inventiva fórmula implementada pelos economistas de Alberto Fernández para, de um lado, não desvalorizar ainda mais o peso e, de outro, esticar e puxar a corda do câmbio foi criar praticamente uma cotação para cada situação. São atualmente dezessete, cada qual com seu próprio e criativo nome (veja alguns no quadro abaixo).

arte Argentina

Um dólar compra atualmente cerca de 170 pesos no mercado oficial e quase 300 no paralelo, que é tecnicamente ilegal, mas usado por todo mundo. A taxa oficial só é aplicada na compra direta no caixa do banco, onde o limite é de 200 dólares por mês. Nas demais transações, adicionam-se à cotação do dia impostos maiores ou menores, dependendo das circunstâncias. Quer trazer uma banda internacional, que cobra cachê em moeda americana? Use o dólar Coldplay, meros 30% mais caros (o governo quer incentivar a inclusão da Argentina nas turnês). Também são de mãe para filho os impostos do dólar tecno, que privilegia empresas de TI dispostas a investir no país. Em outubro, os agricultores indignados com as perdas de receita devido ao peso subvalorizado foram beneficiados com a cotação temporária de um dólar soja. Já para viagens internacionais, muito procuradas nesta véspera de Copa do Mundo, as taxas duplicam o valor do chamado dólar Catar, efeito que se repete no dólar cartão de crédito (para pagar compras feitas no exterior).

 

Dono de uma agência de marketing e produtor agropecuário com negócios no exterior, Marcelo Miranda, 47 anos, é obrigado a circular diariamente — muito a contragosto — por esse cipoal de cotações. “Uso o blue para guardar e investir, o oficial para contratos de serviço on-line, o dólar cartão para pagar despesas fora, o Netflix para plataformas de streaming”, explica. “Tem de ser muito esperto para não perder dinheiro com essas múltiplas cotações.” O aperto na compra da moeda americana começou no final do mandato de Mauricio Macri, quando a saída de dólares do país, ao ritmo de 10 milhões anuais, impactou as reservas já debilitadas e levou à redução do limite individual mensal de 10 000 para 500 dólares. “A demanda se voltou, então, para o mercado paralelo e o abismo em relação à taxa oficial abriu espaço para o surgimento, agora, dos vários câmbios”, explica o economista Juan Manuel Telechea, diretor do Instituto de Trabajo y Economía (ITE).

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INCERTEZA NOS NEGÓCIOS - Juan Pablo Casaccione, que faz equipamentos para cicloturismo com produtos importados, reclama da burocracia e do câmbio múltiplo. “Sem segurança, os preços no exterior estão ficando inviáveis”, afirma. -
INCERTEZA NOS NEGÓCIOS – Juan Pablo Casaccione, que faz equipamentos para cicloturismo com produtos importados, reclama da burocracia e do câmbio múltiplo. “Sem segurança, os preços no exterior estão ficando inviáveis”, afirma. – (./Arquivo pessoal)

O empresário Juan Pablo Casaccione, 57 anos, dono de uma empresa de equipamentos para turismo de bicicleta, que exporta para a Europa e os Estados Unidos, depende de matéria-­prima e tecidos importados e, na hora de pagar, apela para o dólar paralelo. “É tanta burocracia para comprar meros 200 dólares nos bancos que prefiro ir direto ao mercado negro”, explica. Um recurso a que muitos que recebem em dólar por contratos no exterior recorrem são as plataformas de criptomoedas, em que não se paga imposto e a taxa de conversão é mais barata. Segundo pesquisa de uma delas, a Rapyd, argentinos e peruanos lideram o ranking latino-americano de uso de agências financeiras digitais.

A um ano da eleição presidencial, o governo argentino funciona em estado de semiparalisação, consequência do conflito aberto entre Fernández e sua vice, a poderosa ex-presidente Cristina Kirchner, pelo domínio das rédeas do país. Os passos na economia são demarcados pelas exigências do FMI, com quem a Argentina tem uma dívida de 44 bilhões de dólares. Nessas condições, pouca esperança há de alguma melhora a curto prazo da periclitante situação política e econômica. Resta à população torcer muito por um bom desempenho na Copa do Mundo.

Publicado em VEJA de 23 de novembro de 2022, edição nº 2816

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