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Com 879 milhões de eleitores, Índia encerra maior votação do mundo

Comissão Eleitoral transporta urnas em elefantes e monta cabines até mesmo para um único eleitor para estimular participação no "Festival da Democracia"

Por Pietra Carvalho
Atualizado em 16 Maio 2019, 07h00 - Publicado em 16 Maio 2019, 07h00

 Entre os dias 11 de abril e 19 de maio, a Índia executou a maior e mais complexa eleição geral do mundo para escolher 543 representantes da Lok Sabha, a Câmara dos Deputados. O pleito abrange 879 milhões de eleitores – seis vezes mais do que no Brasil – que falam pelo menos 16 línguas locais. Envolve ainda o uso de elefantes, camelos e muares para fazer chegar as urnas eletrônicas aos grotões do país, além de uma lista de sinais, como flores e animais, para os analfabetos identificarem os partidos preferidos. 

De seu resultado, previsto para o dia 23, sairá o próximo primeiro-ministro desta república parlamentarista, considerada a maior democracia do mundo tanto no universo de eleitores quanto nos cuidados para que cada um deles tenha participação garantida. A eleição, para isso, é dividida em seis etapas, em uma logística acurada e complexa.

Apesar do alto índice de analfabetismo da população (cerca de 25%), pelo menos dois terços dos eleitores indianos costumam comparecer às urnas, mais do que a média em vários países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, 41% dos cidadãos com idade de voto não votaram para presidente na eleição de 2016, que levou o magnata Donald Trump à Casa Branca.

A logística por trás do sucesso desta eleição geral, chamada no país de “Festival da Democracia”, demanda o segundo maior orçamento entre as votações do mundo, de 5 bilhões de dólares, e pelo menos 11 milhões de funcionários da Comissão Eleitoral (CEC).

O órgão é responsável por garantir que cada eleitor tenha acesso a uma urna em um raio de até dois quilômetros de sua casa, segundo a regra prevista nas leis indianas. Para isso, seus funcionários chegam a caminhar por horas em desertos, selvas e geleiras e atravessam até mesmo um oceano.

Mesmo um homem que mora sozinho na remota Floresta de Gir, no estado de Gujarat, teve sua própria zona eleitoral, com uma urna eletrônica. Com a falta de estradas em diversas regiões do país, os comissionários chegam a levar os equipamentos de votação nas próprias costas ou montados em burros, elefantes e camelos.

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Em Calcutá, painel com a lista de lugares que contarão com urnas eletrônicas para a terceira fase das eleições regionais na Índia
Painel com a lista de locais de votação em Calcutá: terceira das seis fases das eleições na Índia. (Piyal Adhikary/EFE/VEJA)

Salvo essas exceções, a maioria das zonas eleitorais no país atende entre 900 e 1.000 pessoas. Nas grandes cidades, são comportados  1.400 votos, no máximo, por cabine e nas áreas rurais, 1.200.

Taj Mahal, Gandhi e a democracia

S.Y Quraishi, ex-comissário chefe eleitoral, escreveu sobre “a maravilha indocumentada” das eleições indianas em um livro de mesmo nome, publicado em 2014. Nele, o primeiro líder muçulmano da CEC se vangloriou dos três maiores patrimônios do país: o Taj Mahal, Mahatma Gandhi e a democracia.

Apesar de sua magnitude, o ciclo eleitoral da Índia se desenvolve ao longo de apenas 10 semanas. No dia 10 de março, o governo anunciou as datas da eleição geral pelos 29 estados, divididos em 640.000 vilas.

Duas semanas depois, a Comissão Eleitoral anunciou quais candidaturas eram válidas. Neste ano, foram registrados candidatos de 2.354 partidos, dos quais apenas 35 deles compõem o Parlamento atual.

Pelo grande número de pessoas e províncias, muitas de difícil acesso, os 879 milhões de eleitores, equivalentes à soma das populações do Brasil e de toda a Europa, não votam simultaneamente, sendo divididos territorialmente em sete rodadas de eleição.

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Eleitores formam fila para votar na primeira fase da eleição em Alipurduar, Índia – 11/04/2019 (Rupak De Chowdhuri/Reuters)

Símbolos

Na urna, os eleitores indianos podem votar em opções como um papagaio, um pente ou uma manga, apenas três das centenas de símbolos disponíveis, cada um deles representando um partido. O do atual primeiro-ministro, Narendra Modi, é uma flor de lótus, a flor nacional indiana, a mesma em que a deusa hindu Ganesha se senta.

Qualquer objeto familiar à maioria da população pode se tornar um símbolo eleitoral na Índia. Para garantir a preferência dos eleitores, os partidos estampam seu símbolo, equivalente ao número dos candidatos no Brasil, em cartazes e panfletos.

Estes ícones fazem parte do processo eleitoral indiano desde 1951, quando o país ganhou independência do colonialismo britânico. À época, 80% da população era analfabeta, e esta alternativa viabilizou um processo democrático mais amplo.

Para fomentar a participação popular, cada um dos comissionários, que montam os pontos de votação nos vilarejos, também usam a comunicação direta com o povo. Cada um deles é responsável por cerca de 1.000 eleitores e visitam pessoalmente as residências para falar sobre a importância da participação política, até mesmo orientando sobre a localização da zona eleitoral mais próxima.

Em entrevista à filial indiana do jornal Quartz, um dos dois comissários-chefes eleitorais, Ashok Lavasa, explicou que este número é calculado para que os fiscais da Comissão possam manter controle da votação, além de facilitar que eles sejam conhecidos pela comunidade que atendem.

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Além disso, o título de eleitor é entregue em mãos por eles, já que é difícil rastrear a entrega dos documentos por correio, dada a imprecisão e o volume dos dados. Mas, apesar desta força-tarefa, os indianos podem apresentar outros 11 tipos de documentos ao comparecer às urnas, disponíveis por um período de oito a nove horas no dia determinado para cada região.

Urnas são carregadas por funcionários do CEC e por um cavalo nas proximidades da ponte de Srikhola, na fronteira entre a Índia e o Nepal – 17/04/2019 (Diptendu Dutta/AFP)

Marca antifraude

Apesar dos inúmeros casos de corrupção envolvendo o governo indiano, os comissionários se esforçam para distanciar as eleições de qualquer escândalo. No último dia 10, por exemplo, a CEC proibiu a veiculação de um filme sobre a vida do atual primeiro-ministro, Narendra Modi, considerado por seus adversários como uma peça publicitária. A Comissão afirmou que “qualquer biografia que possa influenciar a campanha eleitoral não deve ser divulgada.”

Já na urna eletrônica, o processo é bastante parecido com o do Brasil. Protegidos pela cabine, os eleitores selecionam o símbolo de sua preferência e confirmam a escolha, com um ruído confirmando o registro de voto. Depois, a pessoa pode ver por uma pequena janela um papel de auditoria comprovando a ausência de irregularidades – algo que no Brasil ainda não é possível.

Para garantir que ninguém vote mais de uma vez, ao sair da urna o eleitor recebe uma marca de tinta em um dos dedos, com posição e tamanho pré-determinados. Ela permanece por até três meses e é uma solução de baixo custo para evitar fraudes.

Mulher exibe marca de tinta  no dedo após votar em Majuli: controle por três meses – 11/04/2019 (Adnan Abidi/Reuters)

Mas com a diferença de semanas entre a primeira e a última zona eleitoral, o que fazer com os votos já registrados? Para evitar uma possível influência em outras regiões, a Comissão opta por deixar as urnas encerradas em cofres fortes, vigiados por seguranças, até o fim da votação em todo o país, em 15 de maio.

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Representantes dos candidatos podem acompanhar os seguranças das urnas, e câmeras de vigilância também fazem parte da fiscalização. As imagens captadas são exibidas do lado de fora dos bancos responsáveis, visíveis a todos que estiverem passando.

Os candidatos e suas equipes também podem acompanhar a abertura dos cofres, quando as cédulas impressas de votação são distribuídas por mesas de contagem, onde são tabuladas. Às vezes, os votos são recontados por até 20 vezes, até que os representantes partidários e a Comissão atestem a legitimidade do processo.

Segundo o comissário Lavasa, a contagem em si leva menos de um dia, algo semelhante ao Brasil, apesar do volume muito maior de votos. Em comparação, nos Estados Unidos, o país com as eleições mais caras do mundo, o sistema leva até quatro semanas para finalizar a apuração – embora os resultados sejam divulgados antes, com base em estimativas com baixo risco de erro.

Os resultados das eleições devem ser anunciados no próximo dia 23 e também são informados de porta em porta por membros da CEC. Depois da contagem, as urnas são enviadas de volta para os cofres fortes, onde permanecem lacradas por 45 dias,  para o caso de haver algum recurso.

Modi x Ghandi

O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi: voto na cidade de Ahmedabad – 23/04/2019 (Amit Dave/Reuters)

A expectativa é de que Narendra Modi seja reeleito primeiro-ministro. Seu partido, o Bharatiya Janata, deve continuar com a maioria no Parlamento, mesmo perdendo alguns assentos.

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Seu maior rival é o Partido do Congresso Nacional Indiano, do político Rahul Gandhi – sem nenhum parentesco com o herói nacional, Mahatma, porém neto da ex-primeira-ministra Indira. O partido tenta se recuperar de sua pior performance nas eleições parlamentares. Representada pela palma de uma mão, conquistou apenas 44 deputados em 2014.  

Rahul Gandhi, do Partido do Congresso Nacional Indiano: voto em Nova Délhi – 12/05/2019 (Adnan Abidi/Reuters)

Mesmo entre centenas de partidos, estes dois grupos angariaram metade dos votos há cinco anos, polarizando o poder da Lok Sabha. Dos 545 assentos parlamentares, apenas dois não estão em jogo nas eleições, sendo reservados para membros da comunidade anglo-indiana nomeados pelo presidente da Índia.

A Índia é uma república parlamentarista, e o cargo de presidente, atualmente ocupado por Ram Nath Kovind, tem caráter cerimonial, sem funções executivas, de acordo com a Constituição. Kovind foi eleito pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, com apoio de aliados de Modi, e faz parte da comunidade ‘dalit’, os intocáveis ou excluídos do sistema de castas do país.

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