Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

As cidades que procuram por imigrantes — há caso até de mesada

Cidades que estão penando com a queda da natalidade e o consequente encolhimento da população lançam políticas para atrair gente de fora

Por Amanda Péchy
Atualizado em 20 set 2019, 10h08 - Publicado em 20 set 2019, 06h30

É conhecida na Itália a brincadeira sobre uma de suas mais acanhadas regiões, Molise, um naco do território ao sul que tem o privilégio de ser emoldurado por montanhas e banhado pelo Mar Adriático. “Molise não existe”, cutucam os italianos que não são de lá a propósito da situação demográfica da província: ela é um vazio de gente. Dos 136 vilarejos enfileirados na bucólica paisagem tomada de casebres, com um castelinho aqui, uma pista de esqui acolá, 106 contabilizam menos de 2 000 habitantes. Para evitar que a região vire terra de ninguém, literalmente, o governo lançou uma campanha para atrair moradores. Vai pagar 700 euros (em torno de 3 500 reais) por mês durante três anos a quem quiser fincar residência nesse lugar que não perde a pose. “Molise existe e resiste”, agora alardeiam os locais. E, sim, brasileiros, desde que se encaixem nos pré-­requisitos, sobretudo o de terem cidadania europeia, podem se fixar em uma das ruelas e tentar vida mais pacata. “Pessoas de várias nacionalidades se interessaram, inclusive do Brasil”, conta o governador Donato Toma.

Em todo o Velho Continente, nenhum país viu o número de bebês encolher tanto quanto a Itália: a média atual é de 1,32 filho por mulher, fração que ganha contornos mais compreensíveis quando se sabe que, para que uma população não seja reduzida, cada casal precisa gerar pelo menos dois filhos. Essa é a chamada taxa de reposição, ou seja, o necessário para o contingente de um país manter-­se estável. Foi-se o tempo em que a Europa era embalada por elevados níveis de natalidade. “Nos últimos cinquenta anos, a baixa fertilidade levou a uma importante queda populacional”, afirma Jesus Crespo, diretor de análise econômica do Centro Wittgens­tein de Demografia, na Áustria.

Desde o século XIV, quando a peste negra matou em massa no continente, as populações só vinham aumen­tando em todo o mundo, em um ritmo bastante acelerado. Para se ter uma dimensão da disparada, pessoas atualmente na faixa dos 80 anos viram a população mundial triplicar, até alcançar os atuais 7 bilhões. Em certas partes do globo, como a África, os índices de natalidade ainda fazem os números inflar. Mas, nas nações desenvolvidas, a situação é de um drástico encolhimento, fenômeno que vai se agravar sob o impulso de um balaio demográfico que inclui casamentos tardios, maior escolaridade, alto custo na criação de filhos e o ainda crescente ingresso das mulheres no mercado de trabalho. No Brasil, a previsão é de declínio populacional em três décadas e também de cada vez menos bebês.

(./.)

Na Europa, as cidades mais esvaziadas estão situadas em zonas rurais, onde o êxodo de jovens se impõe. “Essa debandada ocorre há décadas nessas áreas, mas seus efeitos vêm sendo enfatizados pela baixa migração para lá, já que não há nada que movimente a economia”, observa George Leeson, diretor do Instituto de Envelhecimento Populacional da Universidade de Oxford. Por isso as políticas de atração de gente envolvem muitas vezes a exigência de montar um negócio próprio, como em Molise e na comuna de Albinen, encravada na porção de língua alemã da Suíça. Em 2017, o governo local anunciou que daria o equivalente a cerca de 100 000 reais a solteiros e 200 000 reais a casais dispostos a viver em meio às montanhas. Condição: investir algo como 800 000 reais na região e fincar base naquelas bandas por pelo menos uma década. Está funcionando.

Continua após a publicidade

Um dos países que penam com a queda da natalidade é Portugal, entre os destinos que mais interessam aos brasileiros pelo idioma e pela proximidade cultural. O “visto dourado”, concedido a cidadãos de fora da União Europeia, dá direito à almejada cidadania portuguesa em troca de o recém-­chegado fazer girar as finanças: ou bem investe cerca de 2,5 milhões de reais em uma propriedade, ou cria dez vagas de emprego no país. Mas a peneira está se estreitando. O número de recusas de visto a brasileiros dobrou de 2017 para 2018. O que mais pesa na aceitação do imigrante — e isso vale como verdade universal — é a compreensão do que ele vai somar à economia. Do outro lado do Atlântico, o Canadá acompanha essa mesma lógica. Conhecido por programas que incentivam a vinda de pessoas para ocupar as vastas porções despovoadas de seu território, o país agora está apostando alto para preencher o vazio de províncias rurais de exuberante beleza, como Saskatchewan, tomada de lagos de cartão-postal. Quem cursar graduação ou pós-­graduação naquelas paragens poderá receber até 20 000 reais por mês do governo.

(./Shutterstock)

Com os ventos da demografia derrubando as taxas de natalidade, iniciativas pró-imigração estão se disseminando mesmo em nações em que a xenofobia vem sendo assustadoramente cultivada — como a própria Itália. “A região de Molise, ao sul, está distante do norte, que é notoriamente mais refratário à imigração”, pontua o demógrafo José Eustáquio, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE. Para que essas políticas façam mesmo a diferença, elas precisam verdadeiramente abrir às pessoas janelas de oportunidades palpáveis. “Do contrário, o imigrante vem, experimenta, mas não permanece”, pondera Leeson, da Universidade de Oxford. Há cinco anos, o ítalo-americano Robert Pardi deixou o frenesi do dia a dia de investidor em Nova York para testar a existência à beira do Adriático, em Molise. Aprovou e não planeja outro modo de vida. “Desacelerei o ritmo e encontrei a paz ao aprender a desfrutar as coisas simples”, comemora Pardi. Para ele, Molise existe e resiste.

Publicado em VEJA de 25 de setembro de 2019, edição nº 2653

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.