Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Chuva de mísseis: a vingança de Putin contra os avanços da Ucrânia

No esforço para apagar a noção de que o inimigo está levando a melhor na guerra, o líder russo dá provas de seu poderio bélico

Por Caio Saad 15 out 2022, 08h00

Inaugurada depois da anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, a ponte de 20 quilômetros sobre o Estreito de Kersh, com acesso simultâneo para trens e carros, serviu a dois propósitos: solidificar o domínio russo sobre a província que tomou da Ucrânia, com base em um referendo fraudado, e, desde a nova invasão do vizinho em fevereiro, viabilizar o fluxo vital de tropas e suprimentos para a guerra. Foi, portanto, um duplo baque, no orgulho e na operação militar do Kremlin, a misteriosa explosão que, no sábado 8, danificou sua estrutura e bloqueou a passagem. A ponte reabriu horas depois, mas o estrago perdurou em forma de humilhação — Vladimir Putin, o todo-poderoso presidente autocrata da Rússia, sofrera mais uma derrota nas mãos do inimigo ucraniano, que não assumiu a autoria do atentado, mas nem precisava.

Putin prometeu vingança, e cumpriu. Ao longo da semana, despejou uma chuva de mísseis sobre dezenove centros urbanos na Ucrânia, entre eles a capital, Kiev, que causou a morte de ao menos catorze civis. O ataque a locais e estruturas sem relação direta com a frente de batalha desgasta o discurso oficial de que executa uma “operação militar” contra “traidores neonazistas” no país vizinho, mas foi aplaudido na Rússia — e, para Putin, isso é o que importa. Encostado na parede por uma sequência de erros na ofensiva ucraniana, ele vem apertando cada vez mais os parafusos da monumental máquina bélica e estratégica a seu dispor. A questão é: até onde pretende chegar?

HUMILHAÇÃO - Explosão na ponte para a Crimeia: golpe no orgulho do Kremlin -
HUMILHAÇÃO - Explosão na ponte para a Crimeia: golpe no orgulho do Kremlin – (./AFP)

Acusando o golpe da explosão na ponte, Putin apareceu em rede nacional vociferando sobre o “ataque contra uma infraestrutura civil”, que levou à prisão de oito pessoas, entre elas cinco russos, segundo o anúncio oficial. “O regime de Kiev se colocou em pé de igualdade com os mais odiosos grupos terroristas internacionais. É simplesmente impossível deixar crimes desse tipo sem resposta”, bradou o presidente. A resposta prometida se traduziu em 84 mísseis e drones de destruição lançados apenas no primeiro dia, o mais vasto ataque simultâneo a cidades ucranianas desde o início da guerra. Mesmo em Zaporizhzhia, sede da maior usina atômica da Europa e uma das quatro áreas anexadas neste mês por Moscou em outra rodada de referendos fraudados, caíram bombas.

O ataque foi amplamente condenado até pelos semialiados China e Índia — no caso deles, indiretamente, em mensagem a favor da paz negociada. O G7 se reuniu emergencialmente e o presidente americano Joe Biden prometeu mandar mais armas para a Ucrânia e atender ao pedido do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky de entrega urgente de sistemas antimísseis, reforçando o papel fundamental do Ocidente nesta guerra: armar e treinar as forças da Ucrânia, que resistem bravamente.

Continua após a publicidade
ESCALADA - Putin: mísseis são recados para a linha dura e o Ocidente -
ESCALADA - Putin: mísseis são recados para a linha dura e o Ocidente – (Gavriil Grigorov/SPUTNIK/AFP)

Tanto o bombardeio quanto as anexações e, antes delas, a convocação de 200 000 reservistas anunciados por Putin são medidas tomadas, acima de tudo, para acalmar a linha dura da cúpula russa, inconformada com a incapacidade de suas tropas de esmagar um inimigo supostamente muito mais fraco. Encaixa-se nesse propósito a nomeação para o comando-geral da invasão de Sergei Surovikin, o “general do Armagedom” — em menos de 48 horas no cargo, ele deu o sinal verde para os bombardeios recentes. “Putin quer mostrar que a situação está sob controle, apesar das críticas”, afirma Alex Brideau, analista da consultoria de pesquisa de risco político Eurasia. Distante da frente de combate, o ataque de mísseis destruiu redes de fornecimento de água e de energia e despedaçou vidraças e janelas em diversas áreas, interrompendo serviços imprescindíveis e aumentando os riscos para a população civil às vésperas do inverno rigoroso.

Mas Putin também cumpriu uma agenda externa ao lançar mísseis sobre a Ucrânia: provar para o Ocidente que não está para brincadeiras e deixar subentendida a ameaça que ele mesmo proferiu de, em última instância, apelar para armas nucleares táticas, um arsenal da Guerra Fria que nunca foi usado. “O Kremlin acredita que precisa convencer o Ocidente a forçar Zelensky a negociar”, analisa Vladimir Frolov, do instituto de pesquisas americano Carnegie Endowment for International Peace. A Rússia tem bala na agulha para bombardear a Ucrânia inteira, mas isso resultaria em isolamento total e acirraria o ímpeto de retaliação da Otan, a aliança militar ocidental, além de mergulhar o país no atoleiro de uma ocupação militar em território hostil. Ciente dos riscos desse cenário, o mais provável é que Putin esteja mesmo, por enquanto, buscando firmar posição e pressionar o governo de Kiev a aceitar seus termos de retirada. Por enquanto.

Publicado em VEJA de 19 de outubro de 2022, edição nº 2811

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.