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Michel Prieur: ‘o Brasil não pode virar as costas para o resto do mundo’

Professor de direito ambiental defende mudança urgente nas políticas brasileiras e maior cooperação internacional em prol do planeta

Apresentado por Atualizado em 29 jul 2019, 22h26 - Publicado em 29 jul 2019, 07h00

Um dos maiores especialistas em direito ambiental, o francês Michel Prieur, da Universidade de Limoges, na França, foi um dos criadores do princípio da não regressão, que, uma vez aceito pela comunidade internacional, proibirá o recuo dos Estados no grau de proteção ambiental já alcançado. Representante de seu país no Conselho Europeu de Direito Ambiental e estudioso de legislações nacionais, entre elas a do Brasil, Prieur é otimista quanto à possibilidade de o governo brasileiro retomar o controle do desmatamento da Amazônia. Alerta, porém, para o fato de que o contínuo desrespeito ao planeta Terra pode configurar uma violação à própria democracia. De passagem por São Paulo, para uma conferência na Pontifícia Universidade Católica (PUC), Prieur deu a seguinte entrevista exclusiva a VEJA.

O que falta para que o princípio de não regressão no direito ambiental seja adotado internacionalmente? Falta dar um caráter formal, torná-lo a base de um tratado internacional, já que o conceito ainda não está inserido nas Constituições. Conseguimos incluir essa obrigação na lei do Equador e já se discute esse tema na França. No documento final da conferência Rio+20, de 2012, há uma menção à não regressão, mas apenas como recomendação de sua adoção. É preciso que seja obrigatório.

E no Brasil? Não está na Constituição ainda, mas já foi criada jurisprudência em decisões judiciais no passado. Uma mudança na lei pode ajudar muito o país, pois o Congresso, o Executivo e os tribunais seriam obrigados a cumprir o princípio da não regressão, e qualquer violação se tornaria crime. Enquanto não for formalizado, as áreas de meio ambiente do Ministério Público e o Tribunal Superior de Justiça têm de interceder, como já fizeram no passado em decisões sobre mudanças no Código Florestal.

O governo brasileiro tem sido criticado internacionalmente por realizar mudanças na política ambiental. Estamos caminhando na direção oposta à da que a não regressão propõe? O Brasil segue um caminho perigoso, pois o crescimento econômico não é eterno e há um limite para o uso dos recursos minerais, da água e dos alimentos. O atual governo é apenas temporário, por isso acredito que ainda é possível manter os índices de preservação a longo prazo. Mas o país precisa respeitar os tratados internacionais sobre mudança climática e biodiversidade que já ratificou, pois retrocessos significam nada menos que uma violação ao direito internacional ambiental.

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“O Brasil segue um caminho perigoso, pois o crescimento não é eterno e há um limite para o uso dos recursos minerais, da água e dos alimentos”

O governo brasileiro segue o caminho de alguns países que justificam o abandono de práticas e pactos internacionais alegando que esses compromissos violam sua soberania nacional. Esse argumento faz sentido? Não, é uma grande bobagem. Os tratados internacionais são firmados pelos próprios Estados, não caem dos céus. Os compromissos fechados por um país são ratificados ante o direito internacional, e abrir mão deles é abrir mão da comunidade mundial. O Brasil faz parte do planeta, não pode escolher simplesmente sair e virar as costas para o resto do mundo.

O Brasil tem se provado incapaz de controlar o desmatamento, especialmente na Amazônia. Há também negligência? São as duas coisas juntas, e é preciso tomar cuidado, pois questões ambientais devem ser consideradas como parte do Estado de direito. Segundo essa lógica, desrespeitar as florestas seria um desvio das bases da democracia.

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Há um senador brasileiro que propôs uma nova lei para acabar com as áreas de preservação nas propriedades rurais, pois acredita que elas violam a propriedade privada. Como vê essa questão? Essa justificativa é uma bobagem, porque não há contradição entre propriedade privada e proteção ao meio ambiente. A Constituição brasileira assegura que a propriedade privada não é somente de interesse privado e pode ser usada como um instrumento para o interesse público. Proteger as florestas e matas é de bem comum.

O senhor acredita que metas ainda mais ambiciosas do que as atuais podem ser alcançadas em novos compromissos internacionais e até em uma próxima revisão do Acordo de Paris sobre Mudança Climática, apesar da objeção de países como Estados Unidos e Brasil? Sim, temos de acreditar nisso. O progresso é um movimento permanente, esteve presente na formação da civilização, do homem e dos Estados. O meio ambiente depende do progresso coletivo e da solidariedade da humanidade. Um país não pode caminhar sozinho na contramão.

Quais podem ser as consequências para uma nação que decida abandonar o progresso coletivo em favor do meio ambiente? Isolamento, pois Brasil e Estados Unidos são apenas dois países em meio à maioria. Vivemos em um mundo onde há interdependência entre tudo, seja econômica, científica ou das florestas e do ar. Não há fronteiras para o clima e para a biodiversidade. A interdependência é a realidade biológica da humanidade, não há mais como estar sozinho.

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“Não há fronteiras para o clima e para a biodiversidade. A interdependência é a realidade biológica da humanidade e não há mais como estar sozinho”

Donald Trump vem encorajando a indústria do carvão e do petróleo e anunciou que deixaria o Acordo de Paris. Acredita que esse é um caminho perigoso? Com certeza, mas Trump não é seguido por todos os americanos. Na Califórnia e em outros estados, por exemplo, ainda se aplicam os acordos internacionais. Além disso, os Estados Unidos ainda são juridicamente parte do Acordo de Paris, já que o anúncio feito pelo presidente até o momento não foi oficializado. Os diplomatas americanos ainda participam das reuniões de cúpula sobre mudança climática, e o assunto ainda é discutido no país.

A China vem adotando uma série de políticas para reduzir as emissões e proteger o meio ambiente. Podemos confiar nesses esforços? Os chineses estão fazendo progressos reais, ainda que pequenos. Eles têm implementado instrumentos jurídicos para a defesa do meio ambiente aos poucos e estão se esforçando para cumprir o Acordo de Paris. Acho que é tudo legítimo e creio que podemos confiar.

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A Europa baseia parte de sua matriz energética nas usinas nucleares. Acredita que é seguro trocar as usinas térmicas a carvão por nucleares? Não, o sistema nuclear é o pior, é um formato do século passado. Pelo perigo de acidentes como Chernobyl e Fukushima e, sobretudo, pelo risco para as gerações futuras, porque os dejetos radioativos são danosos para a saúde. Ainda não temos uma solução para o lixo nuclear, então é nosso dever como humanidade parar de produzi-lo.

Qual a alternativa? No século XXI há outros instrumentos alternativos para a energia, como o aproveitamento do sol, do vento, da biomassa agrícola e outros. Já há pesquisas que mostram que é mais barato utilizar esses meios alternativos do que a energia nuclear, que requer proteção contra riscos e planos para os dejetos.

A mineradora Vale foi condenada pela primeira vez pelo rompimento da barragem em Brumadinho (MG). Antes dessa tragédia houve outro acidente envolvendo a empresa no mesmo estado. O senhor vê negligência? Sim, porque há muitas técnicas para diminuir os riscos em explorações de minério e em barragens. É possível fazer minas sustentáveis para explorar e proteger o ambiente ao mesmo tempo. Mas é preciso que o governo aprove normas ambientais muito mais rígidas, e as empresas precisam aceitar pagar um pouco mais caro para tornar o negócio seguro. Precauções têm de fazer parte do cálculo e são necessárias.

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A demanda por responsabilidade ambiental está crescendo. Acredita que essa tendência pode pôr mais pressão sobre as empresas e governos mais resistentes, para que adotem práticas sustentáveis? A economia verde é o futuro. Aos poucos se entende que há um interesse social e ambiental, mas também econômico, de utilizar instrumentos ambientalistas nas atividades do dia a dia. As empresas têm de satisfazer a demanda dos seus consumidores e, ao mesmo tempo, fazer peso sobre os governos. Há um movimento universal do público, das associações e, agora, das empresas, e os Estados devem acompanhar.

Nas eleições para o Parlamento Europeu, por volta de 20% dos eleitores votaram em partidos ambientalistas. Como incluir essa pauta nas demandas da população em um país como o Brasil, que ainda vive em instabilidade política e onde outras questões estão em primeiro plano? A educação ambiental deve fazer parte do movimento público e privado, para ganhar importância na consciência comunitária. Alguns países já estão mais avançados na questão, mas o Brasil pode construir sua base pouco a pouco. Aqueles que já estão envolvidos na causa também devem firmar petições e fazer pressão por ações públicas nos tribunais, porque o direito é um instrumento a serviço do povo.

 

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