PRORROGAMOS! Assine a partir de 1,50/semana

Venezuela: as manobras absurdas de Maduro para se manter na Presidência

A três meses da eleição, o ditador se mexe para sufocar a oposição, insuflar o nacionalismo e fazer de conta que rege uma democracia

Por Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jun 2024, 16h54 - Publicado em 13 abr 2024, 08h00

A paisagem caribenha de Barbados foi o cenário de um aguardado encontro que juntou à mesa integrantes do governo e da oposição da Venezuela, sob a mediação da Noruega, que ali se debruçaram sobre um tópico que põe o mundo democrático em alerta: haverá eleições livres e limpas na nação há mais de duas décadas nas mãos de um regime que vem se apossando das instituições, pilotado primeiro por Hugo Chávez (1954-2013) e hoje por seu sucessor, Nicolás Maduro? A julgar pelas costuras daquela reunião de outubro, emoldurada por um mar de raro turquesa, eram altas as chances de que Maduro ao menos garantisse o pleito em 2024, sobre o qual deixava pairar dúvidas. E assim foi: a data ficou marcada para 28 de julho, e os Estados Unidos logo relaxaram uma fatia das sanções que atingiam em cheio o setor de petróleo, onde pulsa a economia venezuelana.

Mas não demorou, e o governante exibiu suas garras colocando em marcha medidas que deixam claro seu roteiro para esticar a estada no Palácio Miraflores — um enredo que desmantela candidaturas capazes de lhe fazer frente e atrai a população com uma mescla de assistencialismo e jogos de cena, tudo sob o verniz de uma suposta democracia. Uma contundente imagem desse ímpeto autoritário é a cédula eleitoral, divulgada na terça-feira 9. A regra criada pelo Conselho Nacional Eleitoral, terreno em que o chavismo impera, estabelece que o espaço de cada candidato é definido com base no desempenho dos partidos nas eleições legislativas. Resultado: o nome de Maduro aparece nada menos do que treze vezes — contra três do governador Manuel Rosales, da oposição.

Pouco antes, no dia 3, Maduro havia promulgado uma lei estapafúrdia, que anexa o território de Essequibo, região rica em petróleo que pertence à Guiana e que ele resolveu reivindicar, calcado num plebiscito no qual a população (com comparecimento abaixo do esperado) votou a favor. Ao retomar uma pendenga que se arrasta desde 1880, o venezuelano não parece querer, ao menos por ora, invadir militarmente o vizinho, mas, sim, acender um sentimento nacionalista que pode reverter em seu favor. “Embora a crise fabricada por Maduro não tenha mobilizado tanta gente, ele segue batendo o tambor nacionalista e sugando o oxigênio da oposição”, afirma o cientista político Christopher Hernandez-Roy, do Center for Strategic and International Studies.

NÃO É MEME - A nova cédula de votação: Maduro aparece treze vezes
NÃO É MEME - A nova cédula de votação: Maduro aparece treze vezes (./Reprodução)

Neste sensível ponto, as manobras para eliminar qualquer sombra de risco em seu percurso rumo ao terceiro mandato têm sido incisivas e fatais à oposição. A Venezuela acumula um vasto histórico de pleitos em que a banda antigoverno perde forças ao se pulverizar por completo. Agora, porém, tudo conduzia a um nome único e com gás para enfrentar Maduro — María Corina Machado, 56 anos, vencedora das primárias e favorita nas pesquisas. Mas eis que o governo a inabilitou por quinze anos, elencando motivos pífios. “Foi uma decisão arbitrária. Eles controlam todos os órgãos públicos”, disparou a VEJA Corina, que escalou para seu lugar na corrida a xará Corina Yoris, uma professora universitária que não se registrou a tempo em razão de uma providencial trava no sistema. Por enquanto, o nome no páreo é o de Manuel Rosales, que o regime de Maduro considera mais palatável justamente por não representar perigo. Até 20 de abril, pode haver ainda uma troca de candidato — a ver que solução se apresentará. “As eleições na Venezuela são apenas uma forma de Maduro se manter no poder sob a aura de uma democracia funcional que não existe”, diz Benigno Alarcón, diretor do Centro de Estudos Políticos da Universidade Andrés Bello, em Caracas.

Continua após a publicidade

O absurdo conjunto de movimentos que faz tremular os pilares democráticos obrigou certos líderes a vir pela primeira vez aos holofotes. No Brasil, o presidente Lula, que mantinha o silêncio em torno da retirada de María Corina do pleito, resolveu se posicionar quando sua substituta, a outra Corina, esbarrou no mesmo paredão. “É grave que a candidata não possa se registrar”, disse Lula, que caminha sobre uma delicada corda bamba. Nos bastidores do Itamaraty, os mais chegados ao círculo presidencial contam que o chefe está ciente da necessidade de ir gradativamente elevando o tom, mas quer reforçar o diálogo — uma questão existencial que tende a levar a um morde e assopra. Até o presidente colombiano, Gustavo Petro, sempre condescendente com Maduro, falou sobre o episódio das duas Corinas: “Foi um golpe antidemocrático”, criticou. Já os Estados Unidos restabeleceram algumas daquelas sanções retiradas de cena no encontro do Caribe.

Atolada em índices socioeconômicos sofríveis, com 52% da população engolida pela pobreza, a Venezuela vem até apresentando sinais de melhora, resultado de mudanças implantadas por Maduro quando a crise alcançou patamar insustentável. Uma decisão foi ceder espaço à iniciativa privada, que vem ocupando áreas onde o governo não tem mais fôlego para estar. Ainda sob os ventos de Barbados, houve uma abertura a petroleiras americanas e estrangeiras, o que começa a dar frutos no dilapidado setor que já fez da Venezuela “a Arábia Saudita da América Latina”. “O problema é que a imensa maioria ainda está às voltas com o desafio de ter uma renda digna”, destaca um relatório da Universidade Andrés Bello. Para tentar suavizar a aridez de uma economia castigada, o governo recorre à tática de tantos outros populistas — 80% dos cidadãos recebem hoje benefícios sociais. E assim, de truque em truque, Maduro vai se eternizando no poder.

Publicado em VEJA de 12 de abril de 2024, edição nº 2888

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.