Dando continuidade à estratégia de acelerar a entrada em vigor de um pacote de medidas destinado a garrotear Judiciário – embora a palavra usada oficialmente seja “democratizar” -, o governo argentino não tardou em publicar no Boletim Oficial a lei que limita o uso de medidas cautelares contra o estado. A pressa é justificada pela provável contestação da nova regulamentação na Justiça – o Colégio Público de Advogados da capital já reclamou da inconstitucionalidade.
A nova regra foi aprovada na Câmara dos Deputados na última quinta-feira, quando também foi aprovada a criação de novas câmaras de cassação e a ampliação do Conselho de Magistratura de 13 para 19 integrantes – esta última medida terá de passar novamente pelo Senado, pois sofreu alterações.
Segundo o jornal Clarín, a votação no Senado, onde o oficialismo tem maioria, deverá ocorrer no próximo dia 8. Além das mudanças na proposta de ampliação do Conselho de Magistratura, devem ser analisados outros três projetos do pacote de “democratização”: o que regula a entrada na carreira jurídica, o que estabelece a publicidade das decisões da Corte Suprema, e o que obriga que sejam publicadas as declarações patrimoniais dos funcionários do Judiciário.
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Orçamento – Uma das mudanças foi rechaçada pelos ministros da Suprema Corte argentina. Os sete magistrados advertiram nesta terça que vão rejeitar qualquer tentativa do governo de trocar cerca de 5 bilhões de pesos em reserva orçamentária por títulos públicos. A manobra orçamentária foi introduzida no projeto de reforma do Conselho de Magistratura, uma das seis propostas enviadas pelo Executivo ao Legislativo. Para os magistrados, a mudança vai contra a aspiração do Judiciário de conseguir autonomia financeira. Mudança semelhante foi feita em outras instituições, como a Anses, organismo responsável pela seguridade social no país.
Segundo o jornal La Nación, a emenda incluída no projeto estabelece uma espécie de unificação entre os orçamentos da Justiça e do Poder Executivo, e permite que o governo possa tomar fundos excedentes do Judiciário e trocá-los por bônus, para obter uma fonte adicional de financiamento.
ONU – Também nesta terça, a brasileira Gabriela Knaul, relatora independente designada em 2009 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU para investigar e informar sobre a independência de juízes e advogados em todo o mundo, fez um apelo ao governo argentino para que reconsidere as propostas de reforma do Judiciário.
“O estado tem o compromisso de assegurar a independência da judicatura mediante o respeito de sua legislação aos padrões internacionais”, ressaltou. “Ao possibilitar que partidos políticos proponham e organizem as eleições dos conselheiros, coloca-se em risco a independência do Conselho de Magistratura, o que compromete seriamente os princípios de separação de poderes e de independência do Judiciário, que são elementos fundamentais de toda democracia e de todo estado de direito”.
Ela pediu ao governo argentino que “estabeleça procedimentos claros e critérios objetivos para a destituição e sanção a juízes” e pediu que seja assegurado um recurso efetivo aos magistrados para que possam questionar as decisões.
Em resposta, o Ministério de Relações Exteriores da Argentina divulgou um comunicado expressando seu “mal-estar” com o comunicado e criticando a relatora. “É um paradoxo que quem recebeu um mandato para proteger a independência de magistrados e advogados atropele princípios básicos de direito, prejulgando e adiantando conclusões sem ter recebido as respostas às perguntas enviadas na noite de sexta-feira”.
No comunicado, a chancelaria diz que a relatora “manifestou sua ignorância ou parcialidade política ao recomendar um diálogo participativo e inclusivo com a sociedade e a comunidade jurídica, desconhecendo que foi a própria sociedade civil que propôs e obteve várias das mudanças incorporadas aos projetos em debate”.
Embates – A relação da presidente Cristina Kirchner com os membros do Judiciário é complicada. Os magistrados reclamam das frequentes pressões, acusações pessoais e perseguições. As tensões se intensificaram com a discussão sobre a controversa Lei de Mídia, que se transformou em uma queda de braço entre o governo e o grupo Clarín, que seria o mais prejudicado com a limitação do número de licenças para operar emissoras de rádio e TV.