País que já foi conhecido como “a Suíça do Oriente Médio” pela prosperidade de sua economia, o Líbano enfrenta um pesadelo sem precedentes, enquanto lida com a pandemia do coronavírus. Castigada por severa recessão desde 2019, a pequena nação à beira do Mar Mediterrâneo vive um colapso econômico e social, com a explosão de miséria e a falência dos serviços públicos. Segundo analistas, é a pior crise do Líbano desde a Guerra Civil, entre 1975 e 1990. E ainda que os números sejam baixos, com 3.000 casos e 40 mortes, o coronavírus vem exacerbando a situação. Isso porque o bloqueio, que já dura três meses, paralisou o turismo, setor responsável por 20% do PIB.
Na última semana, o suicídio de um homem de 61 anos num movimentado café da capital, Beirute, deixou o país em choque. No momento em que tirou a vida, ele segurava sua ficha criminal sem anotações e a bandeira do Líbano. “Ele se matou porque não aguentava mais passar fome”, gritava o primo do homem ao chegar ao local.
ASSINE VEJA
Clique e AssineDe acordo com projeções do Banco Mundial, a crise deve empurrar metade dos libaneses para a pobreza extrema. Um em cada quatro não tem emprego, e os que possuem viram os salários perderem 90% do poder de compra desde o início do ano. O resultado é que, segundo dados do próprio governo, 75% precisam de ajuda humanitária para se alimentar. Segundo projeção feita pelo Fundo Monetário Internacional, o ano deve se encerrar com tombo de 12% do PIB.
A catástrofe libanesa teve início em outubro de 2019. Naquele mês, o sistema bancário começou a apresentar escassez de dólares e variações cambiais repentinas. A mudança era, na verdade, sintoma de insolvência fiscal. A recessão revelou que o governo libanês enveredou por um sofisticado sistema que se assemelha às pirâmides financeiras.
Isto é, o Banco Central tomava empréstimos de bancos comerciais a taxas de juro acima do mercado, e utilizava esse dinheiro para rolar suas dívidas e manter a libra libanesa artificialmente em câmbio fixo com o dólar. Esse esquema durou 22 anos e, segundo o Fundo Monetário Internacional, provocou perdas que superam os 90 bilhões de dólares. E deixou uma dívida pública impagável, que equivale hoje a 170% do seu PIB.
Sem os empréstimos, a libra passou a desabar. Apenas no último mês, calcula-se que a moeda tenha perdido 60% do seu valor. O problema é que o Líbano não tem indústrias e a agricultura é pouco desenvolvida. Assim, precisa importar em dólar praticamente tudo o que consome. No caso dos alimentos, impressionantes 90% são trazidos do exterior. Percentuais semelhantes também se aplicam a outros produtos industrializados, como roupas e combustíveis. Logo, a disparada no dólar implicou numa carestia generalizada.
Desde o fim do ano passado, o primeiro-ministro Hassan Diab impôs controle de saques para evitar uma quebradeira geral. Assim, em dias de semana, é comum ver filas de dobrar o quarteirão no entorno de agências. Em desespero, correntistas tentam em vão convencer os bancários a liberar um saque acima do permitido. Segundo analistas locais, o controle está atingindo sobretudo os pequenos correntistas, enquanto a elite do país tem acesso facilitado aos seus fundos.
Ao mesmo tempo em que lida com a inflação galopante, a classe média libanesa enfrenta o fracasso de serviços básicos. Os cortes de eletricidade são diários. Na capital, Beirute, de melhor infraestrutura, são até três horas por dia sem luz. No interior, bem mais precário, os habitantes ficam até 17 horas diariamente no escuro. A conexão por internet está entre as piores do mundo, e faltam ainda água potável e remédios. A corrupção também é endêmica. No ranking de 180 países da Transparência Internacional, o Líbano amarga a 137ª posição (para efeito de comparação, o Brasil está em 105ª).