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Aos ciganos em movimento restam as “fronteiras abertas”

Por The New York Times
17 set 2010, 16h48

Milhares de romanis da Romênia, também conhecidos como ciganos, chegaram a uma conclusão parecida nos últimos anos, indo para a riqueza relativa da Europa Ocidental e desencadeando um conflito no seio da União Europeia sobre quão abertas são suas “fronteiras abertas”

Bucareste é repleta de blocos de apartamentos da era soviética, e os mais cruéis entre eles – torres cinzas de um quarto com banheiro coletivo e sem água quente – são destinados à população romani. Romanis como Maria Murariu, 62 anos, que vive com seu marido agonizante em um quarto mal-cheiroso do tamanho de cela de cadeia. Ela não encontrou trabalho nos últimos cinco anos. “Não sobra muito para nós na Romênia”, disse ela recentemente, olhando para seu marido dormindo. “E agora que estamos na União Europeia temos o direito de ir a outros países. É melhor lá.”

Milhares de romanis da Romênia, também conhecidos como ciganos, chegaram a uma conclusão parecida nos últimos anos, indo para a riqueza relativa da Europa Ocidental e desencadeando um conflito no seio da União Europeia sobre quão abertas são suas “fronteiras abertas”. Uma reunião de cúpula de líderes europeus na quinta-feira descambou para a discórdia aberta sobre como lidar com imigrantes indesejados.

O presidente da França, Nicolas Sarkozy, prometeu continuar a desmantelar campos de imigrantes e rejeitou denúncias de funcionários da Comissão Europeia que autoridades francesas agiram ilegalmente ao deportar ciganos. A migração entre os 27 países da União Europeia se tornou uma questão explosiva durante a desaceleração econômica. A última expansão da união, que agregou nações relativamente pobres como Romênia e Bulgária em 2007, renovou a preocupação de que os pobres, que vão para longe de casa em busca de trabalho, vão se tornar um fardo também para os países mais ricos.

A migração dos ciganos também levantam questões sobre os compromissos de Romênia e Bulgária para cumprir as promessas que fizeram quando se juntaram à União Europeia. A Romênia, por exemplo, delineou uma estratégia para ajudar os romanis, mas gastou pouco com isso. Sarkozy exigiu que o governo romeno faça mais para ajudar os romanis em casa. Grande parte da Europa Ocidental reagiu com hostilidade aos romanis itinerantes, que muitas vezes têm pouca educação ou habilidades práticas.

Alguns ciganos encontraram subempregos recolhendo ferro-velho ou pintando casas. Mas outros se inscreveram no sistema de bem-estar social ou vivem de mendicância e pequenos roubos, vivendo em acampamentos sem conforto. Nas últimas semanas, Sarkozy tentou reativar o apoio de partidos de direita ao deportar milhares de ciganos, oferecendo 300 euros para que voltassem voluntariamente ao seu países e arrasando seus acampamentos.

A União Europeia ameaçou com ações legais contra Paris pela deportação, qualificando a ação de vergonhosa e ilegal. A disputa alcançou seu ponto máximo no almoço de quinta-feira entre Sarkozy e José Manuel Barroso, presidente da comissão, o órgão executivo da União Europeia. “Houve uma grande discussão – poderia dizer um escândalo – entre o presidente da Comissão Europeia e o presidente francês”, disse o primeiro-ministro búlgaro, Boyko Borisov, de acordo com o jornal búlgaro Dnevnik. Sarkozy negou um distanciamento e manteve sua posição. “Vamos continuar desmantelando os acampamentos ilegais”, disse numa entrevista coletiva. “A Europa não pode fechar os olhos para os acampamentos ilegais.”

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Aparentemente, as expulsões não irão oferecer uma solução de longo prazo. Muitos ciganos deportados estão planejando regressar. Privadamente, autoridades romenas ironizam a ação francesa. “Eles apenas estão oferecendo férias pagas aos ciganos”, disse um funcionário.Assim assim, defensores dos romanis têm esperança que o último conflito obrigará a União Europeia a levar a sério a ajuda aos ciganos, abertamente criticados na maioria dos países da Europa central e do leste, onde têm vivido em grande número ao longo dos séculos, na maioria das vezes em condições desumanas. “Não há nada que chame mais atenção de legisladores do que um exército de pobres indo em sua direção”, disse Bernard Rorke, diretor de iniciativas para os ciganos da Open Society Foundation.

Existem poucos dados confiáveis sobre a população cigana. Originária da Índia, eram virtualmente escravos até o final do século 19, trabalhando para aristocratas e em mosteiros. Quando a democracia chegou, eles foram libertados. Mas eram sem-terra, sem educação e de pele escura. Tinham poucas perspectivas. Ativistas de direitos humanos dizem que as mulheres ciganas são frequentemente enviadas para maternidades segregadas. Seus filhos, quando vão à escola, são costumeiramente acolhidos em classes para deficientes mentais.

Na Romênia, um censo contou 500 mil romanis. Mas alguns defensores da etnia dizem que eles chegam a 2 milhões. Aqueles que conseguem sair da pobreza abjeta raramente admitem seus antecedentes – um fator que torna mais difícil para os romanis combaterem a discriminação que enfrentam. Nos anos em que a Romênia negociava sua entrada na União Europeia, prometeu programas para ajudar os ciganos a se integrarem à sociedade. Mas, como reconhecem funcionários do governo, pouco foi feito. Cortes no orçamento prejudicaram os esforços bem-sucedidos. Centenas de mediadores contratados para ajudar os romanis a matricular os filhos na escola e receber benefícios de saúde foram demitidos recentemente.

“O que se vê por aqui são condições terríveis”, disse Nicolae Stoica, que dirige o Roman Access, um grupo que defende os romanis. “Eles tão têm esperança de conseguir emprego. Se recebem 20 euros por mês na coleta de sucata é muito. Como dizer a eles que não devem ir para a França e mendigar nas ruas?”.

Flortina Ghita, 21 anos, disse que sua família viveu num edifício no centro de Constanta, a segunda maior cidade romena. Mas funcionários municipais os expulsaram, dizendo que os edifícios tinham danos estruturais. A família vive em barracos feitos de tapete, folhas finas de alumínio e plástico, não muito longe da linha do trem. A única fonte de água é na estação ferroviária, a mais de 1 quilômetro.

Ghita disse que sua família recebeu formulários para obter moradia, mas ninguém ali sabe ler. Seu filho, Sorim, 5 anos, não está na escola, disse ela, porque não pode pagar pelas roupas, cadernos e taxas escolares. Ainda assim a família de Ghita está bem informada sobre a Europa. Githa tem documentos mostrando que sua mãe foi para a Bélgica em busca de cuidados médicos. “Sua irmã mora lá e nos ajudou.”

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Especialistas dizem que a população romani tem sido fustigada por uma série de fatores. O artesanato que os sustentava, como vasos de bronze, agora são obsoletos. Recentes regulamentos europeus sobre venda de gado tiraram várias empresas de romani dos negócios, por não saberem lidar com a papelada necessária. Alguns aspectos da cultura cigana não ajudam, dizem especialistas. É um clã, uma sociedade fortemente patriarcal, onde os jovens são empurrados para casamentos precoces e a educação não é valorizada.

Nem todos os romanis são pobres. Na aldeia de Barbulesti, a 40 quilômetros de Bucareste, há sinais de sucesso. A vila é conjunto brilhante de casas cor de mostarda e ketchup, com torres vistosas, muitas ainda em construção. A cidade tem um prefeito romani, Ion Cutitaru, de 59 anos, o único no país, diz ele. Cutitaru estima que um terço dos 7 mil moradores se mudaram para países da Europa Ocidental. “Eles procuram trabalho por lá, disse ele, mas voltam quando não encontram nada.”

Veja um infográfico que mostra a origem dos ciganos e para onde foram ao longo dos séculos:

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