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Alexander Lukashenko: quem é o ‘último ditador da Europa’

O ex-soldado da URSS entrou na política com uma plataforma anti-corrupção, mas, em pouco tempo na Presidência, implantou reformas para ampliar a repressão

Por Caio Mattos
Atualizado em 3 set 2020, 09h41 - Publicado em 3 set 2020, 09h14

Uma onda de protestos, que já mobilizou mais de 100.000 pessoas nos últimos dois finais de semana, toma conta de Belarus desde as eleições presidenciais de 9 de agosto. A principal queixa da população é o autoritarismo do presidente Alexander Lukashenko, reeleito para seu sexto mandato em uma votação não reconhecida pela comunidade internacional e acusada de fraudes. Lembrado por seu passado soviético e sua postura relapsa em relação à pandemia de coronavírus, o autocrata é considerado “o último ditador da Europa”. 

Ainda em 16 de agosto, o movimento popular gerou provavelmente o maior protesto da história do país, com mais de 200.000 reunidas nas ruas da capital, Minsk. Mesmo assim, os manifestantes ainda não conseguiram concretizar suas duas principais demandas — eleições livres e uma reforma constitucional. Lukashenko se recusa a renunciar.

“Até que vocês tenham me matado não haverá novas eleições”, disse o ditador em resposta à manifestação. Lukashenko foi acusado de farudar todas as eleições que participou em seus 25 anos de governo, além de reprimir adversários políticos.

O autocrata também rejeita a proposta de reforma impulsionada pelo oposição, que visa à revogação de todas as emendas implementadas por Lukashenko durante sua Presidência para aumentar seu poder e favorecer seu governo. 

“O país precisa seguir em frente, disse o presidente na segunda-feira 31 ao sugerir a realização de um referendo para implantar sua própria reforma constitucional — a terceira desde que chegou à Presidência. O líder não revelou detalhes de sua proposta, despertando temores de que possa ampliar ainda mais o seu poder e a repressão no país. 

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Milhares de pessoas participam de uma manifestação de protesto contra os resultados das eleições presidenciais em Minsk, Bielorrússia: os manifestantes seguram a primeira bandeira da Belarus, que foi rapidamente trocada por Lukashenko depois que ele subiu ao poder – 30/08/2020

Entrada na política

Lukashenko é o primeiro e até então único presidente da história de Belarus, pois está no poder desde a fundação do país, no início da década de 1990, após a dissolução da União Soviética. Antes de entrar na política, ainda durante o regime soviético, passou pelas Forças Armadas entre as décadas de 1970 e 1980.

Mas o posto que lhe deu maior destaque em sua fase pré-política foi no campo. Ele dirigiu uma fazenda de porcos, que, sob o regime soviético, era propriedade do Estado. Segundo o New York Times, há evidências de que o então dirigente agredia seus subordinados. 

Lukashenko foi eleito membro do Parlamento da República Socialista Soviética de Belarus em 1990. Três anos depois, após a independência bielorrussa, foi nomeado presidente da Comissão Parlamentar Anticorrupção. O cargo alavancou sua carreira política, baseada principalmente em uma plataforma anticorrupção e antissistema que prometia a demissão de dezenas de funcionários públicos de alto-escalão.

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Primeiro mandato

Em 1994, Lukashenko venceu as primeiras eleições presidenciais democráticas de Belarus contra o então primeiro-ministro e candidato apoiado pela maioria dos parlamentares bielorrussos, Vyacheslav Kebich, que era o favorito no pleito.

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Mais de 4 milhões bielorrussos votaram em Lukashenko no segundo turno — 80% do votos válidos e 40% da população total. Ele, que se candidatou sem nenhum partido, foi descrito pelo Times como “populista” em artigo sobre sua eleição. Até hoje, Lukashenko não é filiado a nenhuma legenda.

O início de seu primeiro mandato foi marcado por retardar a liberalização econômica de Belarus e paralisar o processo de privatizações das estatais do período soviético. 

Presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, em cerimônia na Tumba do Soldado Desconhecido, monumento dedicado aos soldados soviéticos mortos na Segunda Guerra Mundial, em Moscou – 12/08/1999 (Alexander Nemenov/AFP)

O primeiro grande passo para o autoritarismo foi dado em 1996, com apenas dois anos na Presidência. Lukashenko propôs um referendo para aprovar um pacote de emendas à Constituição, datada de 1994. A principal medida do referendo garantia ao presidente o poder de remover quase metade do Parlamento bielorrusso e de emitir decretos com o mesmo poder das leis aprovadas no Legislativo. 

Setenta por cento do eleitorado aprovou a reforma, segundo o governo. O referendo foi criticado pela oposição, que questionou a omissão de dados básicos no processo eleitoral, como o número de cédulas impressas — opositores acreditam que Lukashenko inflou a taxa de participação.

“O referendo constitucional ocorreu em um ambiente político repressivo político e com controle governamental sobre a mídia”, afirmou a organização não-governamental Human Rights Watch (HRW).

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Mais de 90% da cobertura da televisão estatal bielorrussa apresentou uma tendência positiva ao referendo, estimou o Instituto de Mídia Europeia. Além disso, como publicou o jornal Los Angeles Times, “praticamente ninguém” teve acesso ao texto completo do pacote de emendas.

‘A última ditadura da Europa’

Lukashenko se reelegeu pela primeira vez em 2001 em um pleito, assim como o referendo de 1996, acusado de fraudes. Casos de intimidação a opositores e de bloqueios arbitrários de candidaturas foram denunciados pela Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), entidade internacional que fiscaliza eleições no continente.

Três anos depois, em 2004, um novo referendo para reformas constitucionais foi proposto pelo presidente. Desta vez, o pacote de emendas, na prática, eliminaria o limite de mandatos presidenciais, que, pela Constituição, era de dois consecutivos.

Lukashenko, que sempre se elegeu presidente sem nenhum partido, foi descrito pelo New York Times como ‘populista’ em artigo sobre sua primeira eleição, em 1994

O referendo foi questionado por entidades internacionais, como a HRW, e pelo governo dos Estados Unidos. A então secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, disse em 2005 que Belarus era a “última ditadura remanescente no coração da Europa”.

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Assim como em 2001, as três reeleições seguintes de Lukashenko — 2006, 2010 e 2015 — apresentaram irregularidades, segundo a OSCE. A entidade não averiguou o pleito de 2020.

Em todas as eleições que participou, o autocrata usou as mesmas duas táticas para garantir sua vitória: a repressão de opositores e a imparcialidade da comissão eleitoral.

Diversos adversários políticos de Lukashenko foram presos em 2006 e 2010, e impedidos de se candidatar em 2015. No dia da eleição em 2010, sete candidatos presidenciais foram detidos em meio a protestos contra a reeleição do presidente.

A polícia de choque enfrenta pessoas que participam de uma manifestação da oposição em Minsk, provocada pelos resultados das eleições presidenciais de 2010 – 20/12/2010 (Viktor Drachev/AFP)

Enquanto isso, em nenhum dos três pleitos a Comissão Central para Eleições apresentou critérios claros para a sua composição, o que permitiu o governo de enchê-la de partidários. Apenas cerca de 0,5% de mais de 66.000 autoridades responsáveis por contar os votos em 2015 foram indicadas por entidades independentes do governo ou por partidos de oposição a Lukashenko.

Casos de não-transparência na contagem de votos foram denunciados pela OSCE em todas as três eleições. Em 2010 e 2015 houve “indicações” de dezenas de urnas fraudadas.

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Além de tudo isso, o governo bielorrusso é notório pelo controle da mídia. O Estado controla todos os canais de televisão e permite a circulação de apenas alguns veículos jornalísticos independentes, denunciou neste ano a organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras.

Dentre outras ferramentas de repressão de Lukashenko, segundo o think tank Freedom House, estão o controle do governo sobre o único provedor de internet do país e a proibição de protestos em espaços públicos sem a autorização do governo.

Vodka, sauna e tratores

Antes das eleições de 9 de agosto, ainda no início de 2020, Lukashenko repercutiu na imprensa internacional pelo seu negacionismo da pandemia da Covid-19. “Essa psicose afetou as economias nacionais em quase todo o mundo”, disse o presidente em março.

Lukashenko menospreza a gravidade da Covid-19 ao aconselhar vodka e sauna, dois símbolos culturais bielorrussos, como tratamento para a doença. Ele chegou até mesmo a afirmar que tratores agrícolas curam a Covid-19, em uma referência ao seu passado como gestor de uma fazenda soviética.

“Pessoas estão trabalhando nos tratores agrícolas. Ninguém está falando sobre o vírus. O trator curará todos. Os campos curam todos”, exaltou Lukashenko em março.

Esse negacionismo é apenas um reflexo da personalidade caricata do presidente, seguindo o estereótipo do ditador carismático.

O presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, participa de uma partida de hóquei na Shayba Arena, no resort do mar Negro de Sochi, Rússia – 15/02/2019 (Sergei Chirikov/ POOL/AFP)

Um exemplo do culto à sua personalidade é o “time de hóquei do presidente”, uma equipe esportiva pela qual Lukashenko joga ocasionalmente no campeonato amador bielorusso de hóquei.

O próprio presidente deu uma assistência na final do torneio de 2020, quando o time presidencial conquistou seu 11º título nacional. O campeonato está apenas em sua 13ª edição.

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